Acidente ferroviário de Paciência
Acidente ferroviário de Paciência | |
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Vista do acidente na manhã seguinte. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro | |
Descrição | |
Data | 7 de março de 1958 |
Hora | 19h20 |
Local | Estação Paciência, Rio de Janeiro |
País | Brasil |
Linha | Linha Santa Cruz |
Operador | E.F.Central do Brasil |
Tipo de acidente | colisão entre trens |
Causa | falha de sinalização seguida por falha humana; |
Estatísticas | |
Comboios/trens | 2 x TUE Série 200 |
Mortos | 62 |
Feridos | c.100 |
O Acidente ferroviário de Paciência foi uma colisão entre dois trens de subúrbio na estação de Paciência ocorrida em 7 de março de 1958. A colisão causou a morte de 62 pessoas e ferimentos em mais de 100. O acidente em Paciência foi o primeiro de uma sequência de quatro acidentes ocorridos em um intervalo de quinze meses nas linhas de subúrbio da Estrada de Ferro Central do Brasil no Rio de Janeiro e São Paulo.[1]
História
[editar | editar código-fonte]Antecedentes
[editar | editar código-fonte]Após a eletrificação das linhas de subúrbio do Rio de Janeiro da Estrada de Ferro Central do Brasil iniciada em 1937, o número de passageiros cresceu rapidamente e superou a infraestrutura existente. Com isso, trens quebravam (por excesso de peso), rodavam com pingentes, equipamentos elétricos falhavam por sobrecarga e o sistema de sinalização por staff telegráfico se tornou rapidamente superado por conta do aumento do tráfego de trens. A situação da Central do Brasil exigia investimentos, porém com a situação política conturbada vivida pelo país na década de 1950 (suicídio de Vargas e o Movimento de 11 de Novembro) além da construção de Brasília, os recursos para a Central eram postergados. O crescimento da demanda, a infraestrutura defasada e a falta de investimentos tornavam o ambiente propício para a ocorrência de acidentes.
Trens envolvidos
[editar | editar código-fonte]Duas das composições envolvidas eram da nova TUE Série 200. Seus carros motores foram fabricados no Reino Unido pela Metropolitan-Vickers e pela Cammell entre 1954 e 1957, enquanto que os carros reboques foram construídos no Brasil pelas empresas Cobrasma, FNV e Santa Matilde. Após o acidente, os Série 200 possuíam um "para-choque" reforçado na frente dos trens que prometia absorver maior impacto.[2]
Acidente
[editar | editar código-fonte]No final da tarde de 7 de março de 1958 chovia forte no Rio de Janeiro, incluindo queda de granizo. A densa chuva causou inundações em alguns trechos do Linha Santa Cruz e uma neblina que reduzia sensivelmente a visibilidade. Da estação Pedro II haviam partido as composições paradoras US-5, US-67 e US-69. Com as condições climáticas adversas, o Centro de Controle da estação Pedro II entregou um cartão vermelho de autorização de tráfego para os maquinistas dos três trens. O cartão vermelho indicava autorização de circulação em baixa velocidade até a estação seguinte, onde deveriam parar e aguardar instruções. Em caso de condições mínimas de circulação, deveriam prosseguir viagem e repetir o processo até a estação seguinte. Caso encontrassem algum semáforo mecânico com seu ponteiro à 90º, deveriam parar e aguardar. Essa autorização de circulação e parada na estação mais próxima também foi entregue ao trem expresso SS-7 (também chamado de US-7 ou Trem “Cofap”), embora ele tivesse autorização do Centro de Controle para seguir até Santa Cruz ou parar em caso de receber outras ordens Partindo da estação Pedro II, o trem tinha previsão de seguir sem paradas até a estação Santa Cruz.[3][4][5][6]
Com o agravamento da chuva e o alagamento de trechos em Santa Cruz, o chefe da estação de Cosmos notou uma perda de contato telefônico/telegráfico com as demais estações e aguardou a parada dos trens US-5, US-67 e US-69 naquela estação. Os trens US-5, US-67 e US-69 foram informados e decidiram param na estação Piedade por volta das 19h, ocorrendo uma pequena colisão entre os trens US-67 e US-69 . O trem expresso SS-7 passou pela estação de Cosmos. Por conta da falha nos telefones/telégrafos, a ordem de parada para o trem expresso nunca chegou até a estação de Cosmos. Com os sinais mecânicos liberando a circulação naquele trecho, o trem expresso SS-7 avançou até Piedade em meio à chuva e a neblina. Às 7h20 o maquinista do SS-7 notou o US-69 parado em Piedade e acionou os freios, porém a velocidade do expresso era alta demais. O trem expresso SS-7 chocou-se com o último carro do trem US-69. O choque faz com que o primeiro carro do trem expresso SS-7 se despedaçar e derrubar os últimos carros do trem US-69 na avenida Cesário de Melo. O impacto atingiu, em menor proporção os carros dos trens US-5, US-67, deixando mais feridos.[3][6]
O desastre provocou uma grande operação de resgate envolvendo bombeiros do Rio de Janeiro, polícia, militares das guarnições próximas e funcionários da Central do Brasil. Após 72 horas do acidente foram removidos os últimos corpos e destroços. Entre eles o do maquinista do trem SS-7, que guardou em um dos bolsos o cartão vermelho de autorização de tráfego. O acidente causou a morte de 62 pessoas (passageiros dos dois trens e o maquinista do trem SS-7) e ferimentos em mais de 100.[3][6]
Investigações
[editar | editar código-fonte]No dia seguinte ao acidente, a Estrada de Ferro Central do Brasil culpou o maquinista do trem expresso SS-7 pelo acidente. Apesar de portar o cartão vermelho de autorização de tráfego, ele não diminuiu a velocidade até momentos antes do acidente. Também foi apurado que a tempestade provocou enchentes, raios, etc, que derrubaram parte dos postes de comunicação da ferrovia, deixando desativados telefones e telégrafos do controle de sinalização e mantendo os semáforos mecânicos inoperantes na última posição de funcionamento em que se encontravam (no caso, com o ponteiro à 45º indicando via liberada). A intensidade da chuva também diminuiu o coeficiente de atrito dos trilhos, prejudicando a frenagem do trem. Até aquele momento os trens não possuíam radiocomunicadores em suas cabines, de forma que a comunicação entre o Centro de Controle da Central do Brasil com os maquinistas se dava por intermédio das estações e dos primitivos semáforos mecânicos de placas. A resistência estrutural dos trens da Série 200 também foi questionada, por conta dos carros não terem suportado o choque e sofrido encavalamento telescópico (apesar de promessas dos fabricantes britânicos).[2][3][4][6]
Consequências
[editar | editar código-fonte]Entre março de 1958 e junho de 1959 ocorreram outros três acidentes nos subúrbios da Central do Brasil no Rio de Janeiro e São Paulo:
- 9 de maio de 1958 – Rio de Janeiro (RJ) Colisão de trens entre as estações Mangueira e S. Francisco Xavier. Cerca de 110 (Folha da Noite), 115 (JB) mortos e 300 feridos;[7]
- 5 de Junho de 1959 - São Paulo (SP)-Acidente ferroviário deixa mais de 50 mortos e mais de cem feridos na estação Engenheiro Goulart, na Zona Leste de São Paulo. Dois trens colidem após falha no staff telefônico (UP 237 e UP 240).
- 16 de junho de 1959 - Rio de Janeiro (RJ) - Colisão entre trens. 8 mortos e dezenas de feridos;
Esses acidentes causaram grande pressão da sociedade sobre a ferrovia e políticos. Após o acidente, a Central anunciou um plano de melhorias. Esse plano somente saiu do papel na década de 1960 e incluiu a substituição parcial do sistema de sinalização por staff, implantado em 1937. O sistema de sinalização por staff começou a ser substituído pelo novo Controle de Tráfego Centralizado (CTC) em 1964.[8] Esse sistema permitiu uma maior automatização das operações ferroviárias, embora ainda dependesse de intervenções humanas em funções essenciais. No entanto, a região do acidente somente recebeu o novo sistema em 1972 (quatorze anos após o acidente).[9]
Referências
- ↑ Ralph Mennucci Giesbrecht. «Paciência». Estações ferroviárias do Brasil. Consultado em 30 de março de 2020
- ↑ a b Antonio Augusto Gorni (11 de março de 2003). «1933: Os Subúrbios do Rio de Janeiro». A Eletrificação nas Ferrovias Brasileiras. Consultado em 30 de março de 2020
- ↑ a b c d Arlindo Silva (15 de março de 1958). «O trágico destino do trem SS-7». O Cruzeiro, ano XXX, edição 23, páginas 12-17/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. Consultado em 25 de julho de 2020
- ↑ a b «Falta de cautela do maquinista causou o desastre de Paciência». Manchete, ano 5, edição 309, páginas 24-25/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. 22 de março de 1958. Consultado em 25 de julho de 2020
- ↑ «Catástrofe brutal:dezenas de mortos no choque dos 4 trens». Última Hora, ano VIII, edição 2356, páginas 1 e 6/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. 8 de março de 1958. Consultado em 25 de julho de 2020
- ↑ a b c d «Super-Homem salvou dona Maria». Revista da Semana, edição 11, páginas 29-32/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. 15 de março de 1958. Consultado em 25 de julho de 2020
- ↑ Mário de Moraes (17 de maio de 1958). «Central:Ministério da morte». O Cruzeiro, ano XXX, edição 32, páginas 22-35/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. Consultado em 25 de julho de 2020
- ↑ Rede Ferroviária Federal S.A. (1964). «Programa de reaparelhamento». Relatório Anual, página 8/Memória Estatística do Brasil-Biblioteca do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro-republicado no Internet Archive. Consultado em 30 de março de 2020
- ↑ Rede Ferroviária Federal S.A. (1972). «Sinalização». Relatório Anual, página 33/Memória Estatística do Brasil-Biblioteca do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro-republicado no Internet Archive. Consultado em 30 de março de 2020