Análise foucaultiana do discurso

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

A análise foucaultiana do discurso é um tipo de análise do discurso baseada nas teorias de Michel Foucault, que foca nas relações de poder na sociedade expressas através de práticas e da língua.

Visão geral[editar | editar código-fonte]

Sujeito da análise[editar | editar código-fonte]

Além do foco no significado do discurso, uma característica distinta da metodologia é seu foco em relações de poder. Elas são expressas pela língua e o comportamento e a relação entre a língua e o poder.[1][2] Esta forma de análise foi desenvolvida através do trabalho genealógico de Foucault, onde o poder esteve ligado com a formação do discurso em determinados períodos históricos. Algumas versões deste método focam na aplicação geneológica da análise do discurso para ilustrar como o discurso é produzido para governar grupos sociais.[3] O método analisa como o mundo social, expresso através da linguagem, é afetado por várias fontes de poder.[1] Por isso, o método é próximo do socioconstrutivismo, já que o pesquisador tenta compreender como a sociedade está sendo moldada (ou construída) pela linguagem, que por sua vez reflete nas relações de poder existentes.[1][2] A análise tenta compreender como indivíduos percebem o mundo e estuda a categorização de relações pessoais e institucionais, ideologia e políticas.[4]

O método foi inspirado nos trabalhos de Michel Foucault e Jacques Derrida, além da teoria crítica.[4]

A análise foucaultiana do discurso, assim como a teoria crítica, é muito usada em estudos políticos. Ela é mais utilizada por acadêmicos que criticam as análises de discurso mais tradicionais por não levar em conta as conotações políticas do discurso.[5] O poder político é conquistado por aquieles que estão no poder e são mais conhecedores e, portanto, mais legítimos de exercer seu controle sobre os outros por métodos visíveis e invisíveis.[6]

Processo[editar | editar código-fonte]

Kendall e Wickhan destacam cinco passos da aplicação da análise foucaultiana do discurso. O primeiro passo é o simples reconhecimento de que o discurso é feito de declarações que são organizadas de forma sistemática e regular. Os passos seguintes são baseados na identificação de regras em:

  • como as declarações são criadas;
  • o que pode ou não ser dito (escrito);
  • como espaços onde novas declarações podem ser feitas são criados;
  • tornar as práticas materiais e discursivas ao mesmo tempo.[6]

Áreas de estudo[editar | editar código-fonte]

Estudos que empregam a análise foucaultiana do discurso podem analisar como autoridades usam o discurso para expressar sua dominância e exigir obediência e respeito de seus subordinados. A interação disciplinar entre a autoridade e seus seguidores enfatiza a dinâmica de poder entre suas relações.[7] Em um exemplo em específico, o estudo pode analisar a linguagem usada entre o professor e seus alunos, ou autoridades do exército com seus subordinados. O método também pode ser usado para estudar como a linguagem é usada como uma forma de resistência àqueles que estão no poder.[1] A análise foucaultiana do discurso também foi usada para ilustrar como acadêmicos e ativistas por vezes reproduzem involuntariamente os mesmos discursos que eles querem combater e superar.[8]

L'Ordre du discours[editar | editar código-fonte]

L'Ordre du discours (A Ordem do Discurso) é a palestra inalgural de Michel Foucault no Collège de France, em 2 de dezembro de 1970. Ele apresentou a hipótese de que em qualquer sociedade, a produção do discurso é controlada para eliminar os poderes e perigos, e possui eventos aleatórios em sua formação.[9]

Controle do discurso e procedimentos de exclusão[editar | editar código-fonte]

"Mendel disse a verdade, mas não era a verdade do discurso biológico da época".

Foucault apresenta a hipótese de que, em todas as sociedades, a produção do discurso é controlada para: 1. destruir seus poderes e perigos; 2. reduzir a força de eventos incontroláveis; 3. esconder as verdadeiras forças que se materializam na constituição social. Ele teorizou procedimentos internos e externos que são usados para estes fins.[9]

Procedimentos externos[editar | editar código-fonte]

Estes procedimentos são exercidos por outras pessoas ou organizações e funcionam como sistemas de exclusão, onde são questionados as partes do discurso que questionam poder e desejo. Os três grandes sistemas externos são:[9]

  • Proibição: A definição do que pode ser dito e em quais circunstâncias. Está dividido em três grupos: tabu ao objeto, ritual da circunstância e direito exclusivo ou privilegiado do orador.
  • Divisão da loucura: De acordo com Foucault, o discurso do louco "não pode ser transmitido como os outros" pelo orador ser considerado inválido ou imbuido de poderes especiais, como a previsão do futuro.
  • Vontade e verdade: A vontade pela verdade e as instituições que a cercam exercem pressão na produção discursiva. Ele cita como exemplo a literatura Ocidental, que é imposta pela ciência como crível e natural.

Procedimentos internos[editar | editar código-fonte]

Estes procedimentos começam no próprio discurso, e ditam sua classificação, ordenação e distribuição. Em outras palavras, o discurso exerce domínio sobre si na dimensão do que acontece e o aleatório. Os procedimentos são divididos em:[9]

  • Comentário: Há uma lacuna entre discursos recorrentes (que "falam por si mesmos"), que são constantemente revisitados, e corriqueiros (que "são ditos"). Os discursos que se sustentam em discursos maiores são chamados de comentários. Apesar da lacuna, é possível criar discursos diferentes, já que os comentários, independente de serem uma novidade ou não, sempre serão uma repetição do discurso original.
  • Autor: O termo não deve ser entendido como o indivíduo que produz o discurso, mas "um princípio de agrupamento de discursos", ou seja, é parte deste indivíduo. É através do autor que o indivíduo distingue o que escrever ou não, a diferenciação do que há de valor dos discursos corriqueiros.
  • Disciplina: Princípio que resulta na delimitação do "campo da verdade", onde o discurso precisa ser inserido. A disciplina impõe a construção do discurso a um campo do conhecimento (como botânica ou medicina). Ela também apresenta "um domínio de objetos, um grupo de métodos, um corpo de proposições consideradas como verdadeiras, um grupo de regras e definições, técnicas e instrumentos" necessários para a aceitação do que é "verdade" em determinada área.

Referências

  1. a b c d Given, Lisa M. (2008). The Sage encyclopedia of qualitative research methods (em inglês). [S.l.]: Sage Publishing. p. 249. ISBN 978-1-4129-4163-1 
  2. a b Magalhaes, Rodrigo; Sanchez, Ron (2009). Autopoiesis in Organization Theory and Practice (em inglês). [S.l.]: Emerald Group Publishing. ISBN 9781848558328 
  3. Arribas-Ayllon, Michael; Walkerdine, Valerie (2008). «Foucaudian Discourse Analysis». Sage Publishing. The SAGE handbook of qualitative research (em inglês): 91-108. ISBN 9781412907804. Consultado em 22 de janeiro de 2024 
  4. a b Wooffitt, Robin (2005). Conversation Analysis and Discourse Analysis: A Comparative and Critical Introduction (em inglês). [S.l.]: Sage Publishing. p. 146. ISBN 9780761974260 
  5. Wooffitt, Robin (2005). Conversation Analysis and Discourse Analysis: A Comparative and Critical Introduction (em inglês). [S.l.]: Sage Publishing. p. 147. ISBN 9780761974260 
  6. a b Kendall, Gavin; Wickham, Gary (1999). Using Foucault's Methods (em inglês). [S.l.]: Sage Publising. p. 42. ISBN 9780761957171 
  7. Ferreirinha, Isabella Maria Nunes; Raitz, Tânia Regina (abril de 2010). «As relações de poder em Michel Foucault: reflexões teóricas». Revista de Administração Pública: 367–383. ISSN 0034-7612. doi:10.1590/S0034-76122010000200008. Consultado em 22 de janeiro de 2024 
  8. Alejandro, Audrey (2020). Western Dominance in International Relations?: The Internationalisation of IR in Brazil and India (em inglês). [S.l.]: Taylor & Francis. ISBN 9780367540104 
  9. a b c d Araújo, Alex Pereira de (2020). «A ordem do discurso de Michel Foucault: 50 anos de uma obra que revelou o jogo da rarefação dos sujeitos e a microfísica dos discursos». Unidad Sociológica. 5: 14-23. Consultado em 22 de janeiro de 2024