Anthem (livro)

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Capa da primeira edição do livro. Capa meio branco amarelada com "Ayn Rand" escrito em vermelho no centro, e o título em cima "anthem" na cor escura
Capa da primeira edição do livro

Anthem (Cântico, em português) é uma distopia escrita pela escritora e filósofa Ayn Rand.[1]

Anthem
Cântico (BR)
Idioma inglês(UK)
Gênero distopia
Lançamento
  • 1938 (primeira)
  • 1946 (segunda)
Edição brasileira
Editora Vide Editorial
Lançamento 2015
Páginas 89 páginas
ISBN 8567394686

Ayn Rand atingiu a maioridade durante a ascensão do coletivismo em todo o mundo - não apenas na Rússia Soviética, da qual ela escapou em 1926, mas também na Itália fascista, na Alemanha nazista e em um grau alarmante em sua pátria adotiva, a América. Rand identificou o coletivismo - a ideia de que os indivíduos devem ser subjugados ao grupo e sacrificados pelo bem comum - não apenas como um mal moral, mas como a causa essencial dos males políticos que então engolfam o mundo civilizado.[1] A partir disso, ela iniciou sua carreira como escritora para denunciar os males da doutrina coletivista, sendo Anthem um de seus primeiros livros publicados.

Rejeitado pelos editores americanos, o romance Anthem foi publicado pela primeira vez na Inglaterra, no ano de 1938. A edição americana, levemente revisada por Rand, foi publicada apenas em 1946. A obra se passa num futuro onde o coletivismo prevaleceu de tal maneira que não existe mais a palavra “eu”. Não existem bens pessoais nem amor romântico, e todas as preferências pessoais são tidas como pecaminosas e altamente condenáveis. Nessa sociedade distorcida pela imposição do coletivo sobre o indivíduo, Ayn Rand narra a luta do jovem chamado de Equality 7-2521 em sua busca por conhecimento, sua tentativa de encontrar o próprio futuro, ao mesmo tempo em que conhece a obstinada Liberty 5-3000. Juntos, desafiam as leis de sua sociedade, arriscando as próprias vidas. No Brasil, a obra ganhou uma tradução no ano de 2015 pela Vide Editorial, com o nome de Cântico.[2]

História[editar | editar código-fonte]

O enredo de Anthem foi concebido por Rand quando ela ainda era uma adolescente que vivia na Rússia Soviética (muito embora deixe claro que a obra não pretende ser anti-soviética), por volta dos anos 1920. Ao chegar na América em 1926, demorou até 1937 para efetivamente escrever a obra por completo, época em que também já estava escrevendo A Nascente. Nesse período não houve qualquer interesse na publicação de Anthem nos EUA (os anos 20 são conhecidos como a “década vermelha” devido a preponderância da intelectualidade comunista), que acabou sendo publicado inicialmente na Inglaterra em 1938 e veio a ser editada em solo americano apenas em 1946, na forma de panfleto, por uma pequena editora conservadora.[3][1][4]

Enredo[editar | editar código-fonte]

“Somos um por todos e todos por um

Não há homens exceto o grandioso NÓS,

Uno, indivisível e eterno”
— Uma citação retirada de Anthem (Cântico), escrito por Ayn Rand

O tema central do escrito é o conflito do indivíduo contra o coletivo, elemento onipresente na obra randiana e fundante da moralidade e filosofia política objetivista. O herói da história, que inicialmente atende pelo nome genérico de Igualdade 7-2521, pretendia ser um cientista, profissão que daria vazão a sua vasta curiosidade, mas o Conselho de Profissões decidiu que ele serviria mais e melhor à sociedade sendo um varredor de rua. No estado em que Igualdade 7-2521 vive, existem diversos conselhos que regulam até as mínimas atividades sociais; e cabe aos sábios homens do conselho dirigir centralmente a sociedade para que cada indivíduo se encaixe no lugar em que servirá melhor ao todo. Conforme Ayn Rand revela em seu prefácio, muitos a acusaram de pintar um quadro injusto do que seria o coletivismo (dito na linguagem recheada de platitudes de sua época e da nossa: ser coletivista não é simplesmente pensar no “bem maior”?), mas o contexto observado por Rand e por nós não é exatamente assim? O voto é obrigatório, o alistamento militar é compulsório e o único critério ético aceitável é o utilitarismo, isto é, só são boas a ações que vão gerar felicidade coletiva, justamente a ética servil do sacrifício que Rand criticou ao longo de sua vida e obra. A descrição não só é precisa como a mensagem é tão urgente quanto o era à época. O conflito do herói para agir, pensar e amar livremente, convivendo com a ordem governamental totalitária que o oprime, é o núcleo da obra.[5][6][7]

Embora Cântico remeta aos regimes políticos citados, nele o coletivismo é levado às últimas conseqüências, o ambiente descrito é aquele que Hitler desejava instalar, onde não apenas bancos e indústrias seriam nacionalizados, estariam de joelhos perante o Estado, mas onde banqueiros e industriais estariam completamente estatizados. Vemos diversos elementos disso no romance, entre eles: as alcunhas genéricas que cada habitante carrega: Igualdade, Fraternidade, Internacional etc, bem como os números de identificação (como os dos judeus nos campos de concentração) que servem apenas para caracterizar as pessoas como meras engrenagens sociais, nomes próprios e específicos demonstrariam um resquício de consciência individual que não pode ser permitido e não deve sequer ser concebido pelos que habitam essa ditadura global. Quaisquer referências à primeira pessoa como “eu” ou “meu” estão abolidas, são desconhecidas e quando surgem na mente ou boca de alguém representam o maior pecado que se pode cometer.[8][9] Conforme diz o lema inscrito no Palácio do Conselho Mundial, tudo que existe é o “grandioso NÓS”.[10] Qualquer indicativo de pensamento próprio e independente configura o crime capital do estado habitado por Igualdade 7-2521. O processo de dissolução das consciências individuais atingiu seu máximo, e quando a individualidade se extingüe por completo, o coletivismo atinge o seu propósito último.[5][11]

Toda ordem política totalitária quer perverter a linguagem a fim de pavimentar a manutenção no poder. Cântico segue essa trilha, mas de uma maneira distinta daquela do clássico 1984 de George Orwell;[12] enquanto neste último a linguagem encontra-se em processo de politização, sendo que a cada ano um novo dicionário com cada vez menos palavras é lançado, na obra de Rand os aspectos essenciais da linguagem já foram completamente pervertidos. Controle da linguagem implica em controle do pensamento, aqueles que pensam com as palavras autorizadas pelo governo, pensam o que e como o governo deseja. Em Cântico o processo já está finalizado e a expressão maior disso se dá no fato da palavra “eu” estar abolida; visto que todas as noções de individualidade foram completamente suprimidas e as personagens desconhecerem pronomes pessoais singulares, a ponto de se tratarem apenas na primeira e terceira pessoa do plural.[13] Apenas pensamento e discurso formalizados de maneira coletiva são permitidos, e isto mostra que a coletivização da sociedade em Cântico é de tal ordem que atingiu camadas mais profundas que meramente a política. A abolição não apenas da individualidade enquanto conceito, mas enquanto expressão verbal, demonstra que, na sociedade descrita em Cântico, o coletivismo atingiu o espírito dos indivíduos. O propósito da sociedade habitada por Igualdade 7-2521 é incrustar no espírito das pessoas que elas são apenas uma abelha na colméia, gente cujos objetivos devem se limitar única e exclusivamente a estar a serviço do todo. O “pecado” que representa a expressão da palavra “eu” é a representação maior da ética do altruísmo tão vastamente criticada por Rand: “o princípio básico do altruísmo [termo cunhado pelo filósofo positivista Auguste Comte] é que o homem não tem o direito de existir para seu próprio benefício, que a única justificativa para a existência do homem é servir aos outros e que o auto-sacrifício é seu dever, virtude e valor moral mais elevado”.[14][15][16] O Estado não reconhecer qualquer individualidade leva à inevitável conseqüência de que nenhum ser humano é especial, único ou brilhante. A amizade e o amor romântico são proibidos, amar ou ser amigo de alguém é um crime de preferência, visto que é pinçar da massa disforme um indivíduo e atribuir sentimentos especiais a ele, é considerá-lo melhor, mais importante e diferente de todos os demais irmãos. Quaisquer noções atreladas a alguma forma de individualidade foram obliteradas.[5][4]

Referências

  1. a b c «Novels & Works of Ayn Rand». Consultado em 4 de agosto de 2021 (em inglês)
  2. Ayn Rand e os devaneios do coletivismo, Breves Lições
  3. Prefácio de Cântico, por André Assi Barreto.
  4. a b For The New Intellectual, Ayn Rand
  5. a b c Prefácio de Cântico, por André Assi Barreto
  6. Prefácio de Cântico, pela própria autora
  7. https://books.google.com.br/books/about/Anthem.html?id=m7Z38IjRvSQC&redir_esc=y
  8. Cântico, páginas 51 e 52
  9. Cântico, página 80
  10. Cântico, página 30
  11. This novelette was first published in England in 1938. Its theme is: the meaning of man’s ego. It projects a society of the future, which has accepted total collectivism with all of its ultimate consequences: men have relapsed into primitive savagery and stagnation; the word “I” has vanished from the human language, there are no singular pronouns, a man refers to himself as “we” and to another man as “they.” The story presents the gradual rediscovery of the word “I” by a man of intransigent mind. –Ayn Rand, For The New Intellectual.
  12. George Orwell, 1984
  13. Cântico possui uma história, mas não exatamente uma trama, isto é, não há progressão de eventos levando inexoravelmente para um clímax e um desfecho. O mais próximo de um clímax em Cântico é a descoberta da palavra eu pelo herói, o que não é uma ação existencial, mas um evento interno, um processo de cognição (Peikoff, 1994, p. 7 e 8).
  14. (Rand, 1984, p. 61)
  15. "É verdade, minha filha, que o positivismo não reconhece a ninguém outro direito senão o de cumprir sempre o seu dever. Em termos mais corretos, nossa religião impõe a todos a obrigação de auxiliarem a cada um no preenchimento de sua função peculiar. A noção de direito deve desaparecer do domínio político, como a noção de causa do domínio filosófico; porque ambas se referem a vontades indiscutíveis."(Catecismo Positivista, página 248).
  16. "O positivismo não admite nunca senão deveres de todos para com todos; pois que seu ponto de vista sempre social não pode comportar nenhuma noção de direito, constantemente fundada na individualidade. Nós nascemos carregados de obrigações de todo gênero para com os nossos predecessores, os nossos sucessores e os nossos contemporâneos. Elas não fazem depois senão desenvolver-se ou acumular-se antes que possamos prestar qualquer serviço. Sobre que fundamento humano poderia, pois, assentar a ideia de direito, que razoavelmente suporia uma eficácia prévia? Por maiores que possam ser nossos esforços, a mais longa vida bem empregada não nos permitirá jamais restituir senão uma parte imperceptível do que houvermos recebido. Entretanto, só depois de uma restituição completa é que ficaríamos dignamente autorizados a reclamar a reciprocidade dos novos serviços. Todo direito humano é, portanto, tão absurdo quanto moral. Pois que não existem mais direitos divinos, esta noção deve ser eliminada de todo, como puramente relativa ao regime preliminar e diretamente incompatível com o estado final, que não admite senão deveres, em virtude de funções."(Catecismo Positivista, página 249)