Círculo social
Círculos sociais são conjuntos de pessoas que se relacionam entre si a partir de interesses, valores, atividades ou posições sociais comuns. Em outras palavras, é o nome dado aos diferentes grupos de convivência e interação aos quais um indivíduo pertence ao longo da vida — por exemplo, a família, o grupo de amigos, colegas de trabalho, colegas de universidade, associações, comunidades religiosas etc.[1]

Círculos sociais são interconectados através de conexões sociais entre indivíduos. Círculos sociais também se sobrepõem. Por exemplo, pode haver pessoas que trabalham em conjunto e que também frequentam o mesmo clube de tênis ou cafeteria, ou você pode conhecer alguém independentemente de um amigo comum.
Círculos sociais costumam ter conjuntos únicos de normas e valores. Quando um indivíduo não concorda com eles, pode ser posto em ostracismo, advertido ou mesmo impedido de participar por outros membros do grupo. Estruturas sociais hierárquicas com posições socialmente definidas fornecem um excelente exemplo de como normas e valores são aplicados dentro de círculos sociais. Por exemplo, um círculo social pode ser constituído por membros de um Lions Clubs, onde existem cargos executivos que são mantidos por um processo claramente definido. Alternativamente, um círculo social pode ser um grupo de fãs de futebol que se reúnem uma vez por semana num bar para assistir a um jogo na TV. No segundo caso, a liderança e a participação no grupo são de natureza informal.

Um círculo social se diferencia de uma pirâmide social, visto que existem duas perspectivas que podem ser usadas para descrever um círculo: a perspectiva do indivíduo que serve como ponto de conexão de um grupo e a perspectiva agregada de um grupo de pessoas socialmente interconectadas. Enquanto uma pirâmide social considera todas as pessoas com as quais um indivíduo tem contato e define uma estrutura para dar apoio e conceder (ou retirar) poder dessa pessoa, um círculo social pode ter limites estreitamente definidos, estando frequentemente todos os membros do círculo em contato uns com os outros, e pode requerer um processo de iniciação social para que alguém dele faça parte.
Elaboração do conceito
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O conceito tem origem na sociologia clássica, especialmente nos estudos de Georg Simmel (1858-1918), que usou a ideia de “círculos sociais” para explicar como os indivíduos participam simultaneamente de múltiplos grupos sociais e como isso molda sua identidade. Segundo Simmel, cada pessoa pertence a vários círculos ao mesmo tempo e é essa sobreposição que define sua posição social e suas possibilidades de ação.[1][2][3]
Em sociedades tradicionais, os círculos tendem a ser mais restritos e fixos (por exemplo, a aldeia ou a família extensa); já nas sociedades modernas, tornam-se mais numerosos, diversificados e fluidos, refletindo a complexidade social. A individualidade moderna constitui-se, em grande parte, pela participação em diferentes círculos, pois cada combinação de pertencimentos é única.

Na sociologia contemporânea, o termo continua sendo usado para analisar redes sociais, capital social e dinâmicas de pertencimento. Pierre Bourdieu, por exemplo, ao tratar os círculos sociais como redes de pertencimento, mostra como esses arranjos influenciam o acesso a recursos e oportunidades, já Norbert Elias observa que eles participam do processo de formação das identidades e do “tecido social” ao longo do tempo.[4][5][6][7]
Para Elias, os indivíduos não existem isoladamente; sua vida social é marcada por interdependências históricas e contínuas, que se manifestam na formação de redes de relações ao longo do tempo. Em obras como A Sociedade dos Indivíduos, ele argumenta que os círculos sociais não são apenas grupos de convivência imediata, mas estruturas dinâmicas nas quais os indivíduos aprendem normas, regulam comportamentos e desenvolvem formas de autocontrole.[8] A participação em múltiplos círculos implica internalizar expectativas sociais variadas e adaptar-se a diferentes contextos, contribuindo para a formação da identidade e para o funcionamento de sociedades complexas.

Bourdieu, por sua vez, oferece uma dimensão estrutural à análise dos círculos sociais. Em A Distinção: Crítica Social do Julgamento, ele mostra que a inserção em determinados círculos não é neutra, mas está profundamente ligada à posse e à circulação de diferentes tipos de capital — social, cultural, econômico e simbólico.[9] Os círculos sociais funcionam como arenas em que indivíduos negociam posições e acesso a recursos, e a sua composição influencia diretamente a mobilidade social, o prestígio e o poder de seus membros. Além disso, esses círculos estão inseridos em campos específicos, com regras próprias, nos quais as oportunidades e limitações são moldadas pelo capital que cada participante possui. Dessa forma, os círculos sociais não apenas estruturam interações, mas também podem reproduzir desigualdades e facilitar a manutenção de privilégios.
A articulação entre Elias e Bourdieu permite compreender os círculos sociais em sua dupla função: são redes de socialização e interdependência que moldam comportamentos, normas e identidades, ao mesmo tempo em que são arenas de poder, distinção e circulação de capital. Essa perspectiva integrada revela que os círculos sociais produzem indivíduos e reproduzem a sociedade, mostrando a íntima relação entre socialização, poder e desigualdade.
Essa compreensão pode ser aplicada em diferentes contextos contemporâneos. No campo educacional, por exemplo, escolas e universidades funcionam como círculos nos quais os indivíduos internalizam normas de comportamento (Elias) e, ao mesmo tempo, acumulam capital cultural e social que influencia sua trajetória profissional e social (Bourdieu). No mercado de trabalho, redes de contatos operam como círculos de interdependência, fornecendo informações, suporte e oportunidades (Elias), enquanto a posição estratégica em determinados círculos pode conferir vantagens competitivas e acesso a cargos de prestígio (Bourdieu). Nas redes sociais digitais, grupos e comunidades virtuais exemplificam como os círculos interconectados permitem trocas simbólicas, socialização e mobilização de capital social, refletindo tanto a interdependência quanto a competição por recursos simbólicos e reputação.

Erving Goffman se aproxima do conceito a partir da perspectiva da interação simbólica.[10] Para ele, cada círculo social funciona como um palco em que os indivíduos desempenham diferentes papéis, adaptando comportamentos e expressões de acordo com as expectativas do grupo. Nas interações cotidianas, o indivíduo negocia sua identidade, alternando entre a “fachada, os comportamentos visíveis e apropriados ao contexto, e os “bastidores”, onde pode agir livremente. Assim, Goffman mostra que os círculos sociais não são apenas conjuntos estruturais, mas arenas de representação, negociação e ritual, em que a manutenção da posição social depende da observância das normas e expectativas do grupo.
Em resumo, círculos sociais são os espaços de sociabilidade em que as pessoas constroem vínculos, trocam significados e formam sua identidade. Entender a quais círculos alguém pertence é uma maneira de compreender seu lugar na sociedade.
Referências
[editar | editar código]- ↑ a b Cruz, M. Braga da (2004). «O cruzamento dos círculos sociais». Teorias Sociológicas: os Fundadores e os Classicos. [S.l.]: Fundação Calouste Gulbenkian. ISBN 9789723103793
- ↑ Stoetzler, Marcel (2016). «Intersectional Individuality: Georg Simmel's Concept of "The Intersection of Social Circles" and the Emancipation of Women». Sociological Inquiry (em inglês) (2): 216–240. ISSN 1475-682X. doi:10.1111/soin.12110. Consultado em 2 de outubro de 2025
- ↑ Alves, Ana Rodrigues Cavalcanti; Maciel, Louise Claudino (2017). «A individualidade em Simmel e Elias: contribuições teóricas para uma sociologia do indivíduo». www.scielo.br. doi:10.1590/0102-259290/101. Consultado em 2 de outubro de 2025
- ↑ Claridge, Tristan (21 de abril de 2015). «Bourdieu on social capital – theory of capital». Institute for Social Capital (em inglês). Consultado em 2 de outubro de 2025
- ↑ Mendes, Larissa Zanela; Mueller, Airton Adelar (2023). «Teoria geral dos Campos e a sua aplicabilidade aos estudos regionais». Revista Baru - Revista Brasileira de Assuntos Regionais e Urbanos: 19 páginas–19 páginas. ISSN 2448-0460. doi:10.18224/baru.v9i1.13068. Consultado em 2 de outubro de 2025
- ↑ «Norbert Elias - os processos sociais: Interdependência e mudança social». Consultado em 2 de outubro de 2025
- ↑ Ésther, Ângelo Brigato (2022). «O pensamento de Norbert Elias: contribuições para os estudos organizacionais». www.scielo.br. doi:10.1590/1413-2311.351.119096. Consultado em 2 de outubro de 2025
- ↑ Elias, Norbert (15 de setembro de 2021). A Sociedade Dos Individuos. [S.l.]: Zahar
- ↑ Bourdieu, Pierre (14 de julho de 2011). A distinção: Crítica social do julgamento. [S.l.]: Editora Zouk
- ↑ Nizet, Jean; Rigaux, Natalie (2016). A sociologia de Erving Goffman. [S.l.]: Editora Vozes. ISBN 8532653065
Ligações externas
[editar | editar código]- MORAES FILHO, Evaristo de (org.). Georg Simmel: sociologia São Paulo: Ática, 1983.
- SIROTA, Régine. Primeiro os amigos: os aniversários da infância, dar e receber. Educ. Soc., Campinas, v. 26, n. 91, 2005. Disponível em: Scielo. Acessado em 13 de Novembro de 2007.
- «A Sociologia do Segredo». em Cassandra Véras. Visitado em 13 de novembro de 2007.