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Capar a água

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Uma pedra a capar a água, com várias chapeletas.

Capar a água[1][2], capar a ribeira[3] , também chamado epostracismo[4] ou fazer chapeletas[5][6][7], trata-se da arte ou do passatempo de atirar pedras (amiúde seixos, gogos ou pedrinhas achatadas) horizontalmente e rente à superfície da água (em rios, ribeiras, lagos, lagoas, albufeiras, etc.), de feição a que, na sua trajectória, o seixo ressalte várias vezes à flor da água. [8]

Cada um desses ressaltos dá pelo nome de "corte"[9] ou "chapeleta"[10] e estima-se a qualidade de um "capador de água", em função de quão maior for o número de cortes que conseguir fazer na água com um só lançamento.[11]

A expressão «capar a água» ou «capar a ribeira» alude à ideia de "cortar a água rente à superfície".[12]

O substantivo «epostracismo» vem do grego antigo, radicando no étimo ὄστρακον = "ostrakon", que significa «ostra» ou «concha de ostra», e faz alusão à prática deste jogo, que se praticava na Grécia Antiga com as conchas de ostras.[13]

O termo «chapeleta», que, por seu turno, também significa os círculos concêntricos que se formam à superfície de águas paradas, à custa da queda de um corpo, tem origem na palavra «chapéu», que por seu turno entrou no português antigo, pelo francês medieval «chapel» [14] (que significa grinalda).[10] É ainda de salientar que o substantivo «chapeleta» também foi historicamente usado para designar o ricochete das balas de canhão, na água ou no chão, depois de disparadas.[6]

Os gregos antigos já praticavam este jogo, dando-lhe o nome de epostracismo , servindo-se das conchas, por sinal achatadas, das ostras ou então de seixos ou, ainda ,da casca grossa de árvores.[15][4] O objectivo desse jogo era conseguir que a concha ou pedra por si lançada desse mais ressaltos à tona da água do que as lançadas pelos adversários.[16]

No Império Romano, chamavam-lhe jaculatio testarum[17], que significa literalmente «lança[18] conchas[19]». Marco Minúcio Félix descreve, num diálogo com Octávio, a maneira como as crianças brincavam na praia a este jogo de capar a água[20][17].

Júlio Polux, por sua vez, também documentou esta brincadeira, na sua obra o «Onomástico».[21] Em 1585, John Higgins fez menção, na sua tradução do «Lexicon Nomenclator» de Hadriano Júnio (físico, classicista e tradutor holandês do início do século XVI), que no Império Romano também se usavam as conchas de ostras, além de seixos.[22][23]

Os inuítes e os beduínos também conhecem este jogo, praticando-o sobre a superfície do gelo e da areia, respectivamente.

O norte-americano Kurt Steiner é o actual detentor do recorde do mundo, tal como está registado no Livro de Recordes da Guinness[24], de maior número de cortes na água, ao capar a água, com 88 cortes, num lance que chegou quase aos 100 metros de distância[25][26].

Aspecto científico

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No século XVIII, Lazzaro Spallanzani avançou com a explicação física precursora das chapeletas.[27][28][29]

O seixo comporta-se como um disco e repele a água, à medida que se desloca obliquamente à sua superfície. A tensão de superfície tem pouco que ver com o aspecto físico de fazer chapeletas. A rotação do seixo, sobre si próprio, tem um efeito estabilizador, que mitiga a força de ascensão imposta pelo torque.[27][28][29]

Esquema do movimento de um seixo a capar a água

O mecanismo que permite as chapeletas do seixo (com uma densidade superior à da água) baseia-se na superioridade da força do impulso do seixo, face à força da gravidade. A força de apoio de um líquido é directamente proporcional ao quadrado da velocidade de imersão do seixo no líquido, multiplicada pela superfície de contacto do seixo com a água (numa dinâmica análoga à do esqui aquático). A força da gravidade é constante e é definida somente pela massa do seixo e pela aceleração do seixo em queda livre. Num só "corte d'água", o seixo perde velocidade e, por conseguinte, diminui a sua força de impulso, de tal ordem que quando essa força se tornar menor do que a força do peso do seixo, a pedra afunda-se. [30]

Ademais, com cada embate na água, o seixo adquire um movimento angular imprevisível (porque vai girar ou rodar, num sentido estocástico, ao embater na água,) e, por causa disso, com cada chapeleta sucessiva, há a possibilidade de a parte que for menos plana ou achatada do seixo entrar em contacto com a água, desestabilizando a trajectória do seixo. Neste caso, a superfície de contacto do seixo com a água diminui e, por conseguinte, diminui-se a força de impulso, até se amortizar totalmente, retumbando com a imersão do seixo, quando finalmente se tornar inerte. [31]

Para evitar isto, no momento do lançamento, imprime-se na pedra um movimento rotativo, em torno da parte mais achatada do seixo, que passa a servir de o eixo da rotação. Desta feita, por virtude da lei da conservação do momento linear a desestabilização da parte plana do seixo reduz-se ao mínimo. [32]

O físico francês Lydéric Bocquet e a sua equipa descobriram que o ângulo óptimo entre o seixo e a superfície da água, para capar a água com o máximo possível de cortes, é de 20º.[28][29][33]

O estudo de Bocquet concluiu que a velocidade e a rotação não influenciavam significativamente o resultado alcançado por este grau de inclinação, uma vez que o seixo aparentava manter-se estável na sua trajectória, conservando o seu movimento uniforme, graças ao efeito giroscópico.[33]

Segundo a investigação de Hewitt, Balmforth e McElwaine, contanto que a velocidade horizontal se mantenha, é possível ao seixo pincharolar[34] indefinidamente à tona da água.[35]

Utilidade militar

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Na história militar portuguesa

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No século XV, durante o reinado de D. João II, começou a generalizar-se, na marinha de guerra portuguesa, a prática de uma táctica inovadora, que conseguia prolongar o alcance dos tiros tensos, servindo-se da mecânica subjacente ao acto de capar a água.[36][37]

Os tiros tensos são tiros directos e em linha recta, geralmente, destinam-se a disparos de artilharia a curta distância por causa do seu reduzido alcance, mercê do grande peso das munições (balas de canhão, pelouros, etc.), que tende a fazer com que o disparo tenha uma trajectória progressivamente descendente. Este tipo de disparos opõe-se aos tiros curvos e aos tiros verticais, que são tiros longos e visam atingir alvos mais distantes.[38][39]

No reinado de D. João II, os navios de guerra portugueses começaram a empregar um tipo especial de tiro tenso, chamado "tiro ao lume de água".[39] O lume da água, também chamado flor da água, é a superfície exterior do casco do navio entre as linhas de água. A linha de água é a linha que separa a parte submersa do casco da parte dos navios que está à superfície.[40]

A grande vantagem deste tipo de disparo é que, além de permitir prolongar a distância do disparo tenso, também focava uma zona especialmente vulnerável dos navios inimigos, que podiam naufragar facilmente, se o tiro conseguisse abrir uma fenda no casco do navio, ao nível da linha de água, por ser mais difícil tapar esses buracos situados mesmo ao rés-da-água.[38][37]

Esta técnica de disparo, em que a bala de canhão saltava à superfície da água, à guisa de um seixo a capar a água, conheceu especial destaque durante a Batalha de Diu.[41]

Na segunda Guerra Mundial

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Durante a 2.ª Guerra Mundial, as forças aliadas lançaram bombas ricocheteadoras em Edersee e na barragem do rio Möhne, que forma um lago artificial no Renânia do Norte-Vestefália, a fim de destruir as duas, respectivas, barragens alemãs. Estas bombas foram lançadas em rotação e largadas por uma aeronave que fazia sobrevoo rasante. As bombas pincharolaram à chapeleta sobre a linha de água, conseguindo, assim, esquivar-se às redes anti-torpedos que os alemães tinham montado naquelas águas.[42]

Referências

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  2. Vasconcellos, J. Leite de (José Leite) (1882). Tradições populares de Portugal. Porto: Livraria portuense de Clavel & ca. p. 74. 321 páginas 
  3. Martins, M. Carlos (1914). «O falar de Riba-Côa». Revista Altitude. Revista Altitude: 25-26  «CAPAR A RIBEIRA – fazer saltar um seixo no cimo da água (Rapoula do Côa). também se diz capar a água (Célio Rolinho Pires). Joaquim Manuel Correia refere captar: «brincavam com as pedras finas de xisto, captando a água do pego».
  4. a b «Dicionário Online - Dicionário Caldas Aulete - Significado de epostracismo». aulete.com.br. Consultado em 9 de janeiro de 2021 
  5. Coelho, Adolfo (1883). Jogos e rimas infantis. Porto: Magalhães & Moniz. p. 80. 94 páginas 
  6. a b Vieyra, Antonio (1827). A Dictionary of the Portuguese and English Languages, in Two Parts: Portuguese and English, and English and Portuguese (em inglês). London: J. Collingwood. p. 142. 690 páginas 
  7. «Dicionário Online - Dicionário Caldas Aulete - Significado de chapeleta». aulete.com.br. Consultado em 9 de janeiro de 2021 
  8. Leite Vasconcellos, José (1882). Tradições Populares Portuguesas. Porto: Livraria Portuense de Clavel & C.ª. p. 71. 320 páginas  «159. Os rapazes , na Beira - Alta , costumam capar a agua , isto é , atirar com uma pedra quasi horisontalmente, a uma poça , de modo que ella atravesse a agua numas poucas de partes (...)»
  9. Leite Vasconcellos, José (1882). Tradições Populares Portuguesas. Porto: Livraria Portuense de Clavel & C.ª. p. 71. 320 páginas  «Quanto maior fôr o numero de cortes que a pedra fizer na agua, maior é a habilidade do capador de ribeiras»
  10. a b S.A, Priberam Informática. «Consulte o significado / definição de chapeleta no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, o dicionário online de português contemporâneo.». dicionario.priberam.org. Consultado em 9 de janeiro de 2021 
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  14. Larousse, Éditions. «Définitions : chapelet - Dictionnaire de français Larousse». www.larousse.fr (em francês). Consultado em 9 de janeiro de 2021 
  15. Blount, Thomas (1681). Glossographia (em inglês). [S.l.]: Tho. Newcomb; sold by Tho. Flesher 
  16. Machado, José Pedro (1981). Grande Dicionário da Língua Portuguesa, vol. IV. Lisboa: Amigos do Livro. p. 523  «Epostracismo s. m. (do gr. epostrakismos) Jogo de crianças que consistia em atirar conchas ou pedras pela superfíce do mar, ganhando aquela cuja concha ou pedra desse mais ressaltos à tona da água.»
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