Cláusula leonina

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Gravura da fábula da edição de Francis Barlow em 1687.

Uma cláusula leonina ou cláusula abusiva é um item inserido unilateralmente num contrato que lesa os direitos da outra parte, aproveitando-se normalmente de uma situação desigual entre os pactuantes. Tais cláusulas abusivas lesam a boa fé, causando um grave desequilíbrio nos direitos e obrigações das partes em prejuízo do elo mais fraco. A legislação as considera nulas, não implicando, todavia, na nulidade do contrato como um todo.

Origem da expressão[editar | editar código-fonte]

A expressão cláusula leonina tem sua origem numa fábula de Esopo: um cavalo, uma cabra e uma ovelha haviam feito um acordo com um leão e caçaram um cervo. Partindo-o em quatro partes, e querendo cada um levar a sua, disse o leão: a primeira parte é minha, pois é meu direito como leão; a segunda me pertence porque sou mais forte que vós; a terceira também levo porque trabalhei mais que todos; e quem tocar a quarta me terá como inimigo, de modo que tomou todo o cervo para si.

Direito brasileiro[editar | editar código-fonte]

Cláusula abusiva no Direito Civil[editar | editar código-fonte]

O contrato, segundo sua definição clássica, é um negócio jurídico bilateral ou plurilateral que visa à criação, modificação ou extinção de direitos e deveres com conteúdo patrimonial, sendo assim a fonte principal do direito das obrigações no Brasil. Os contratos são regidos pelo princípio da autonomia da vontade, que é a liberdade de contratar segundo interesses próprios, discutir as condições contratuais e escolher o tipo de contrato. Contudo, conforme diz o artigo 421 do Código Civil, tal liberdade tem limite na função social dos contratos [[1]], uma vez que a equidade, a razoabilidade e a justiça contratual devem sempre ser valorizados, protegendo a parte vulnerável na relação. Outro limitador da autonomia da vontade é o princípio da boa-fé objetiva, que é o entendimento de que as partes devem agir com lealdade, confiança e colaboração, previsto no artigo 422 do CC. Esses quatro princípios permitem compreender o contexto em que as “cláusulas abusivas” se inserem. Também conhecida por “cláusula leonina”, a expressão tem por objetivo delimitar o conceito de um direito que foi lesado em relação a uma das partes de um contrato. Numa relação de direitos e obrigações das partes contratantes, a cláusula abusiva é aquela que prejudica de forma exorbitante uma delas, ferindo o princípio da boa-fé. O abuso está no desequilíbrio entre a prestação e a contraprestação, o que pode gerar prejuízo ou onerosidade excessiva a uma das partes, de modo que é possível afirmar a relação entre vulnerabilidade e o abuso do direito como instrumento fundamental da cláusula abusiva, colocando uma parte em desvantagem exagerada frente à outra.

Cláusulas abusivas nas relações de consumo[editar | editar código-fonte]

A relação desproporcional de vantagens e desvantagens é muito presente nos contratos de consumo, e seus direitos podem ser garantidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Ele foi criado visando o equilíbrio contratual e a proteção do consumidor, parte hipossuficiente nas relações de consumo, segundo os mesmos princípios da função social do contrato e da boa-fé limitantes do princípio da autonomia da vontade, presentes no CC. Assim, as relações de consumo são reguladas por meio de padrões de conduta, prazos e penalidades de forma administrativa, legislativa ou judicial. O CDC determina, por exemplo, que o consumidor não está obrigado a seguir o contrato caso ele não tenha conhecimento prévio sobre o seu conteúdo ou se sua compreensão estiver difícil pela forma como foi escrito, e que as cláusulas do contrato terão interpretação favorável a ele. O artigo 51 do CDC traz um rol exemplificativo de cláusulas abusivas, que são absolutamente nulas e podem gerar o dever de reparar. A nulidade referida pelo artigo é uma nulidade de pleno direito (ou absoluta), dado que é uma tutela de ordem pública e interesse social, justificada e afirmada pela intervenção Estatal, de forma que esse tipo de vício pode ser até conhecido de ofício por um juiz. São exemplos de cláusulas abusivas, segundo o rol do Código, aquelas em que retiram a responsabilidade do fornecedor dos vícios de seus produtos ou que impliquem na renúncia ou perda de direitos; transfiram responsabilidades a terceiros; coloquem o consumidor em posição de desvantagem; não concedam reembolso a valores já pagos (nos casos em que o CDC estabelece previsão); autorizem o fornecedor a cancelar o contrato de forma unilateral, sem que haja o mesmo direito em relação ao consumidor; estabeleçam obrigações fazendo com que o consumidor esteja em posição bastante desvantajosa; permitam a violação de normas ambientais; estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; imponham representante para realizar negócio jurídico ou terminá-lo no lugar do consumidor, entre outros. Por fim, o artigo 54 do CDC versa sobre os contratos de adesão e determina que eles devem ser redigidos de forma clara, em caracteres ostensivos e legíveis e devem ser destacados os trechos que implicam em limitação de direito do consumidor. Para que se reconheça uma vantagem exagerada, o CDC também limita algumas operações, como a ofensa aos princípios fundamentais do Direito a que pertence, a restrição de direitos/obrigações fundamentais à natureza do contrato (ameaçando, portanto, o objeto/equilíbrio contratual); e, a grande onerosidade ao consumidor (tendo em vista o tipo e conteúdo do contrato, o interesse das partes, entre outras questões). Entretanto, a nulidade de uma cláusula abusiva não necessariamente invalida o contrato; presume-se que ele seja inválido quando decorrer um ônus excessivo por qualquer uma das partes, ainda que se esforce pela integração.

Abusividade nas cláusulas contratuais gerais e nos contratos de adesão[editar | editar código-fonte]

As cláusulas contratuais gerais são as disposições que uma pessoa estabelece de modo unilateral e uniforme para o fim de regular futuras relações jurídicas contratuais que venha a construir. Elas são pré determinadas, unilaterais e gerais, pois apenas uma das partes formula cláusulas com conteúdo uniforme que podem se encaixar em várias situações e hipóteses contratuais. Assim, ao invés de fazer um contrato para cada consumidor, elabora-se um contrato que se encaixa na relação de consumo com todos. Com a industrialização e a massificação de produção, essas cláusulas passaram a ser usadas para simplificar o contrato e economizar tempo e custos, facilitando a contratação e o consumo em massa. É notável a sua utilidade para assegurar de forma rápida e a um número bastante elevado de pessoas, a prestação de serviços como o de transporte coletivo, fornecimento de água, gás, luz, serviços telefônicos etc. Contratos de adesão são a concretização das cláusulas contratuais gerais. O consumidor que assina um contrato de adesão aceita todas as cláusulas pré definidas, formuladas pela outra parte. O consentimento se manifesta apenas como adesão a um conteúdo pré estabelecido. Assim, as cláusulas gerais de contratação se tornarão contrato de adesão, dinâmicas, se e quando forem aceitas pelo aderente. O contrato de adesão, contudo, se caracteriza pela ausência de qualquer discussão a respeito das cláusulas predispostas, enquanto as cláusulas contratuais gerais são estabelecidas por um dos contratantes e não implicam necessariamente a impossibilidade da discussão de suas disposições. Assim, as cláusulas contratuais gerais e os contratos de adesão são associados às cláusulas abusivas pois eles têm como característica a unilateralidade, que coloca uma das partes em posição vantajosa. Por isso, podem violar os princípios da função social dos contratos e da boa-fé, configurando abusividade.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

AMARAL NETO, Francisco dos Santos. As cláusulas contratuais gerais, a proteção ao consumidor e a lei portuguesa sobre a matéria. Revista de Informação Legislativa, abr./jun., v. 25, p. 238, 240.[1]
BENJAMIN, Antônio Herman V; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe Manual de direito do consumidor. 2. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.[2]
BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em abr 2019.[3]
DESCROIX, J. - De versu leonino:.., Lugudundi, M.Audin: 1931.[4]
ESOPO - Fábulas, Madrid, Alianza: 1998.[5]
ESOPO - Fábulas de Esopo: filósofo moral..., Barcelona, Impr. de Agustin Roca: 1815.[6]
EULÁLIO, Kleyber Thiago Trovão. Cláusulas abusivas. In: Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 fev. 2016. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55312&seo=1>. Acesso em abr 2019.[7]
GALDINO, Valéria Silva. Cláusulas Abusivas. São Paulo: Saraiva, 2001.[8]
GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo; JUNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 8ª ed.- Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.[9]
MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 2.ed.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 231.[10]
NERY JR., Nelson; [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado Pelos Autores do Anteprojeto, 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 449.[11]
RAMALHO, R. O que é Código de Defesa do Consumidor? Disponível em: < http://www.arcos.org.br/artigos/o-que-e-codigo-de-defesa-do-consumidor/>. Acesso em abr 2019.[12]
SOUZA, Maria Carolina Rosa de. Cláusulas contratuais abusivas nos contratos de consumo. In: mbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 98, mar 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11277&revista_caderno=10>. Acesso em abr 2019.[13]
TONIAL, Nadya Regina Gusella. Caracterização das cláusulas contratuais abusivas nos contratos de consumo. In: Revista Justiça do Direito. v.17. Passo Fundo: Editora Universidade de Passo Fundo, 2003. p. 147.[14]

Referências

  1. AMARAL NETO, Francisco dos Santos. As cláusulas contratuais gerais, a proteção ao consumidor e a lei portuguesa sobre a matéria. Revista de Informação Legislativa, abr./jun., v. 25, p. 238, 240.
  2. BENJAMIN, Antônio Herman V; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe Manual de direito do consumidor. 2. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
  3. BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em abr 2019.
  4. DESCROIX, J. - De versu leonino:.., Lugudundi, M.Audin: 1931.
  5. ESOPO - Fábulas, Madrid, Alianza: 1998.
  6. [Esopo|ESOPO]] - Fábulas de Esopo: filósofo moral..., Barcelona, Impr. de Agustin Roca: 1815.
  7. EULÁLIO, Kleyber Thiago Trovão. Cláusulas abusivas. In: Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 fev. 2016. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55312&seo=1>. Acesso em abr 2019.
  8. GALDINO, Valéria Silva. Cláusulas Abusivas. São Paulo: Saraiva, 2001.
  9. GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo; JUNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 8ª ed.- Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
  10. MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 2.ed.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 231.
  11. NERY JR., Nelson; [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado Pelos Autores do Anteprojeto, 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 449.
  12. RAMALHO, R. O que é Código de Defesa do Consumidor? Disponível em: < http://www.arcos.org.br/artigos/o-que-e-codigo-de-defesa-do-consumidor/>. Acesso em abr 2019.
  13. SOUZA, Maria Carolina Rosa de. Cláusulas contratuais abusivas nos contratos de consumo. In: mbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 98, mar 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11277&revista_caderno=10>. Acesso em abr 2019.
  14. TONIAL, Nadya Regina Gusella. Caracterização das cláusulas contratuais abusivas nos contratos de consumo. In: Revista Justiça do Direito. v.17. Passo Fundo: Editora Universidade de Passo Fundo, 2003. p. 147.

Ligações externas[editar | editar código-fonte]


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