Transtorno da compulsão alimentar periódica

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Transtorno da compulsão alimentar periódica
Transtorno da compulsão alimentar periódica
Mais comum em pessoas ansiosas
Especialidade psiquiatria, psicologia, psicoterapia
Classificação e recursos externos
CID-10 F50.4
CID-9 370.50
CID-11 1673294767, 1535148777
MedlinePlus 003265
MeSH D056912
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O transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP) (do inglês binge eating disorder) é caracterizado pela ingestão de grande quantidade de alimentos em um período de tempo delimitado (até duas horas), acompanhado da sensação de perda de controle sobre o que se come ou o quanto se come. Para caracterizar o diagnóstico, esses episódios devem ocorrer pelo menos dois dias por semana nos últimos seis meses, associados a algumas características de perda de controle e não acompanhados de comportamentos compensatórios extremos para a perda de peso como vômito e laxantes (pois nesse caso se classifica como bulimia).[1]

Sintomas[editar | editar código-fonte]

Na TCAP ocorrem episódios de compulsão alimentar pelo menos 2 vezes por semana por mais de 6 meses

Além da sensação de perda de controle e da quantidade de alimento consumido a compulsão alimentar frequentemente também é acompanhada por sentimentos de angústia subjetiva, incluindo vergonha, nojo e/ou culpa. Os pacientes com TCAP possuem autoestima mais baixa, tem um lócus de controle mais externo e preocupam-se mais com o peso e a forma física do que outros indivíduos que também possuem sobrepeso mas não possuem o transtorno. Das pessoas com TCAP, 78.9% possuem algum outro diagnóstico psiquiátrico de eixo I (como depressão, transtorno bipolar e/ou transtornos de ansiedade).[2] Estima-se que 27 a 47% dos pacientes que fazem cirurgia bariátrica tenha esse transtorno.[3] Pacientes com transtorno do pânico são mais vulneráveis a desenvolver compulsão alimentar como forma de aliviar sua ansiedade. De forma semelhante, pacientes com transtornos de humor podem desenvolver compulsão alimentar como enfrentamento emocional ineficaz para lidar com suas emoções.[4]

História[editar | editar código-fonte]

Foi descrito pela primeira vez por Stunkard em 1959 e incluído no DSM IV em 1994 como F50-transtorno alimentar assim como a anorexia e bulimia.[5]

Prevalência[editar | editar código-fonte]

Assim como os outros transtornos alimentares, o TCAP geralmente começam na infância, por influência da família e mulheres são as mais afetadas

Nos EUA afeta 3.5% das mulheres e 2% dos homens, estando fortemente correlacionado aos consumidores de tratamentos para perda de peso como lipoaspiração e spa para emagrecer (cerca de 30% nos EUA)[6]. Sem tratamento psicológico, nutricional e médico a maioria eventualmente abandona quaisquer esforços de fazer dieta em razão de fracassos repetidos e acabam com sérias consequências para sua saúde. No Brasil cerca de 15% dos obesos mórbidos e 49% dos obesos que procuram tratamento para emagrecer possuem esse transtorno.[7] No mundo, a prevalência estimada de TCAP na população geral pode variar de 1,5 a 5% e em amostras clínicas de pacientes obesos encontra-se em torno de 7,5 a 30%.[8]

Diagnóstico[editar | editar código-fonte]

A escala americana Binge Eating Scale para diagnosticar esse transtorno foi traduzida e validada para o Brasil em 2002 com o nome de Escala de Compulsão Alimentar Periódica.[9]

Diagnósticos diferenciais[editar | editar código-fonte]

O TCAP diferencia-se da hiperfagia, outra definição usada pela OMS para compulsão alimentar periódica, por não necessariamente estar associado a um evento traumático. Assim como outros transtornos alimentares, o TCAP geralmente começa na infância ou na adolescência por influência da família, de fatores hereditários, ambientais e sócio culturais.

Apesar de concordarem que o TCAP é uma psicopatologia séria, ainda existem médicos que consideram ela como sendo apenas uma forma de bulimia não-purgativa e que não é necessário utilizar essa terminologia.[10] Por outro lado, alguns médicos defendem essa distinção pois dividir grandes quantidades de indivíduos em um diagnóstico mais específico ajuda a formular um tratamento mais eficaz e serve para prever o tipo de resposta e prognóstico a diferentes tratamentos.[11]

Alguns autores propuseram que o TCAP na verdade seria um tipo de transtorno obsessivo-compulsivo,[12] porém, a análise da comorbidade entre esses dois transtornos identificou que a resposta medicamentosa é diferente, com um transtorno podendo persistir sem o outro, indicando que se trata de transtornos independentes. Além disso TOC, mesmo sendo um transtorno de ansiedade, não é uma comorbidades comum.[13]

Tratamento[editar | editar código-fonte]

Existem três classes de medicamentos mais utilizadas no tratamento TCAP. O tratamento mais frequente são feitos com antidepressivos, especialmente os inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS), que também servem para tratar os mais prováveis transtornos associados (depressão, ansiedade e TOC). Os ISRS (como fluoxetina, fluvoxamina, sertralina e o citalopram) têm sido descritos como capazes de reduzir significativamente o comportamento de compulsão alimentar e o peso. Mais recentemente, a sibutramina, um agente antiobesidade, e o topiramato, um agente neuroterapêutico, também demonstraram sua eficácia em testes duplo-cego com placebo.[14]

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) mostrou-se eficaz na manutenção da redução da frequência da compulsão alimentar (72% no final do tratamento e 64% após um ano) e no desaparecimento dos sintomas (remissão) (41% no final do tratamento e 33% após um ano).[15] Em outro estudo os pacientes que mantiveram remissão durante o seguimento perderam 6,4 kg; os com manutenção parcial perderam 4,1 kg; enquanto os que apresentaram recaída ganharam 0,4 kg no seguimento.[15] Os resultados foram melhores quando houve adesão a exercícios físicos regulares e terapias de manutenção nos 6 meses posteriores (61% de remissão).[16] Em vários estudos com TCC são observadas melhoras na autoestima, nas dificuldades interpessoais, no humor e na qualidade de vida, além de um aumento do sentimento subjetivo de bem estar porém com sem reduções significativas no peso corporal.[17]

A terapia humanista teve desempenho bastante inferior a TCC com remissão de 29,4% ao final do tratamento e de 17,6% três meses depois.[18]

Ainda faltam estudos mostrando a eficácia da psicoterapia combinada com medicamentos, exercícios regulares e acompanhamento nutricional porém este provavelmente é o tratamento mais eficaz.

Referências

  1. SPITZER, R.L.;YANOVSKI, S.; WADDEN, T. et al.- Binge Eating Disorder: its further validation in a multisite study. Int J Eat Dis 13: 137-53, 1993.
  2. Hudson, JI; Hiripi, E; Pope Jr, HG; Kessler, RC (2007). "The prevalence and correlates of eating disorders in the National Comorbidity Survey Replication.". Biological psychiatry 61 (3): 348–58. doi:10.1016/j.biopsych.2006.03.040. PMID 16815322.
  3. WADDEN, T.A.; SARWER, D.B.; WOMBLE L.G. et al.- Psychosocial aspects of obesity and obesity surgery. Sur Clin North Amer 81: 1001-24, 2001.
  4. Yanovski SZ, Nelson JE, Dubbert BK, Spitzer RL. Association of binge eating disorder and psychiatric comorbidity in obese subjects. Am J Psychiatry 1993;150(10):1472-9.
  5. AZEVEDO, Alexandre Pinto de; SANTOS, Cimâni Cristina dos and FONSECA, Dulcineia Cardoso da. Transtorno da compulsão alimentar periódica. Rev. psiquiatr. clín. [online]. 2004, vol.31, n.4 [cited 2011-02-23], pp. 170-172 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832004000400008&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0101-6083. doi: 10.1590/S0101-60832004000400008.
  6. GRILO, C.M.- Binge eating disorder. In: Eating disorders and obesity: a comprehensive handbook. Fairburn, C.G.; Brownell K.D. (eds). 2 ed., pp. 178-82, 2002.
  7. Brito, CLS; Mombach, KD; Stenzel, L. Transtorno de Compulsão Alimentar em Obesos Mórbidos. Centro da Obesidade Mórbida da PUCRS (COMPUCRS)
  8. Stunkard AJ. Eating patterns and obesity. Psychiatr Q. 1959;33:284-95.
  9. Transtornos alimentares. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 2002, vol.24, suppl.2 [cited 2011-02-23], pp. 79-81 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462002000600007&lng=en&nrm=iso>. ISSN 1516-4446. doi: 10.1590/S1516-44462002000600007.
  10. Devlin MJ, Goldfein JA, Dobrow I. What is this thing called BED? Current status of binge eating disorder nosology. Int J Eat Disord. 2003;34[suppl.]:S2-S18.
  11. Kendell R, Jablensky A. Distinguishing between the validity and utility of psychiatric diagnoses. Am J Psychiatry 2003;160:4-12.
  12. McElroy SL, Casuto LS, Nelson EB, Lake KA, Soutullo CA, Keck PE, et al. Placebo controlled trial of sertraline in the treatment of binge eating disorder. Am J Psychiatry 2000;157(6):1004-6.
  13. PAPELBAUM, Marcelo and APPOLINARIO, José Carlos. Transtorno da compulsão alimentar periódica e transtorno obsessivo-compulsivo: partes de um mesmo espectro?. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 2001, vol.23, n.1 [cited 2011-02-24], pp. 38-40 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462001000100010&lng=en&nrm=iso>. ISSN 1516-4446. doi: 10.1590/S1516-44462001000100010.
  14. APPOLINARIO, José Carlos. Transtorno da compulsão alimentar periódica: uma entidade clínica emergente que responde ao tratamento farmacológico. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 2004, vol.26, n.2 [cited 2011-02-23], pp. 75-76 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462004000200002&lng=en&nrm=iso>. ISSN 1516-4446. doi: 10.1590/S1516-44462004000200002.
  15. a b Agras WS, Telch CF, Arnow B, Eldredge K, Marnell M. One–year follow–up of cognitive–behavioral therapy for obese individuals with binge eating disorder. J consult Clin Psychol. 1997;65(2):343–7.
  16. Pendleton VR, Goodrick GK, Poston WS, Reeves RS, Foreyt JP. Exercise augments the effects of cognitive–behavioral therapy in the treatment of binge eating. Int J Eat Disord. 2002;31(2):172–84.
  17. DUCHESNE, Mônica et al. Evidências sobre a terapia cognitivo-comportamental no tratamento de obesos com transtorno da compulsão alimentar periódica. Rev. psiquiatr. Rio Gd. Sul [online]. 2007, vol.29, n.1 [cited 2011-02-23], pp. 80-92 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-81082007000100015&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0101-8108. doi: 10.1590/S0101-81082007000100015.
  18. Kenardy J, Mensch M, Bowen K, Green B, Walton J. Group therapy for binge eating in type 2 diabetes: a randomized trial. Diabet Med. 2002;19(3);234–9.