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A Crise do século XVII[editar | editar código-fonte]

Os historiadores convencionaram chamar de "crise do século XVII" os diversos problemas econômicos, sociais e políticos que a Europa sofreu, tais como fomes, doenças, rebeliões e guerras, durante o século XVII.

Apesar de existirem discussões sobre a duração, intensidade e alcance da crise, existe uma certa aceitação às ideias de Eric Hobsbawm que afirma ter se iniciado por volta de 1620 e atingido sua fase aguda entre 1640 e 1670, considerando que teria atingido o conjunto da Europa e por isto definindo a crise como um fenômeno "geral".[1] A crise, ainda que afetando de maneira bastante desigual as diferentes regiões europeias, teria se caracterizado por uma estagnação demográfica, depressão nos preços de cereais e diminuição da atividade manufatureira e mercantil.

Obviamente, não existe consenso entre os estudiosos sobre as causas da crise. Entretanto, para a historiografia de inspiração marxista, a crise seria um ponto essencial no processo de transição do feudalismo para o capitalismo. Assim, a expansão comercial do século XVI, estimulada principalmente pelo crescimento das economias da zona do Mediterrâneo não teria resultado em uma Revolução Industrial, pelo fato de ocorrer no quadro de economias camponesas ainda organizadas no feudalismo. A ausência de uma massa de trabalhadores disponíveis para se assalariar e de uma separação entre os produtores diretos e os meios sociais de produção, tornava impossível o desenvolvimento do modo de produção capitalista. O resultado teria sido um crescimento nos quadros de uma sociedade feudal, produzindo no médio prazo a estagnação econômica e os rendimentos decrescentes na agricultura que caracterizaram a crise.

A morte do Rei Gustavus II, durante a Guerra dos 30 Anos, na batalha de Lützen, por Carl Wahlbom.

Outra interpretação corrente e bastante aceita pela historiografia é a que relaciona a crise do século XVII com a Guerra dos 30 anos que, apesar de ter se concentrado principalmente nos territórios que pertenciam ao Sacro Império Romando Germânico, envolveu as principais potências europeias da época e se desdobrou em teatros de guerra no Atlântico e no Índico. As movimentações de tropas, a destruição de colheitas e o aumento da pressão fiscal teriam produzido fomes e epidemias que, por conseguinte, estariam na base da estagnação demográfica que caracterizaria a crise.

As minas de Potosí, na atual Bolívia, foram os principais pontos de extração mineral da Espanha na América. No entanto, no período da crise, a cidade ao redor das minas passou por um "Boom" econômico decorrente da retenção dos minérios no território.

Teorias historiográficas[editar | editar código-fonte]

De acordo com o historiador Dinamarquês Niels Steensgaard[2], existem quatro interpretações principais, além das já mencionadas, sobre a crise do século XVII, sendo estas:

  1. Uma crise econômica geral, uma regressão nos níveis de produção europeus e no nível de crescimento econômico, conjunturas estas sobre as quais se debruçaram historiadores franceses contemporâneos no campo do estudo da história econômica.
  2. Uma crise política geral, crise na relação entre Estado e sociedade. Esta teoria, formulada pelo historiador britânico Hugh Trevor-Roper, aponta para uma crise que foi resultado da oposição dos países a uma burocracia parasitária criada pelo Estado renascentista durante o grande crescimento populacional do século XVI. De acordo com a teoria de Trevor-Roper, esta oposição se tornou intolerável nas guerras e declínio do século XVII.
  3. Uma crise no desenvolvimento do capitalismo, um sintoma da decisiva ruptura entre a ordem feudal da sociedade e as formas de produção capitalistas. A teoria é desenvolvida através de um viés marxista.
  4. Uma crise que compreende todos os aspectos da vida humana, segundo o historiador francês Roland Émile Mousnier. Para ele, a crise é um grande problema que não demanda uma explicação especial, uma crise genérica sem causa específica.

Podemos ainda considerar a existência de um quinto grupo, formado por historiadores que expressam dúvidas sobre as justificativas de um conceito como a crise do século XVII, como a historiadora russa Alexandra Dmitrievna Lublinskaya e o historiador holandês Ivo Schoffer. Estes historiadores não endossam a teoria de uma crise geral no século XVII pois, como no exemplo de Schoffer, a Holanda vivia sua época de ouro no momento da crise.

Existem autores ainda como Geoffrey Parker, que enfatizam o papel da mudança climática que teria ocorrido no período. Ao longo do século XVII, a temperatura média da Europa teria baixado cerca de 1ºC, o que afetou as colheitas europeias do período o suficiente para afetar a alimentação das populações. Segundo Parker, astrônomos do século XVII - o polonês Johan Hevelius (1611–87), o francês G.D. Cassini (1646–1712) e o inglês John Flamsteed (1646–1719) - registraram a total falta de manchas solares entre, aproximadamente, 1645 e 1715, o que seus precursores Galileu e Scheiner não observaram em períodos anteriores. Outro fenômeno importante que Parker informa é a falta de auroras boreais e a coroa solar, efeito que ocorre durante eclipses solares. Essa queda na temperatura levou alguns estudiosos a batizar esse período de Pequena Idade do Gelo.

Uma crise global?[editar | editar código-fonte]

Para alguns estudiosos, a crise do século XVII ocorreu também fora da Europa. Geoffrey Parker[3], afirma que no Oriente e nas colônias da América e África foram registrados períodos de crise, indicando queda na produção dos campos ou perda de colheitas. Por sua vez,Ruggiero Romano questiona o caráter geral da crise do século XVII afirmando que ela teria se concentrado no Mediterrâneo. Assim, o declínio italiano seria o resultado da incapacidade da economia de dar um salto da agricultura à produção manufatureira,resultando em uma processo de refeudalização. Por outro lado, para o autor, na Europa teriam ocorrido exceções como o caso da Holanda e da Grã-Bretanha.Finalmente, a conjuntura econômico-social na América teria sido completamente oposta à conjuntura europeia e no continente americano teria havido crescimento econômico e demográfico durante o século XVII.

Assim, ainda que alguns historiadores procurem realçar o caráter "geral" ou "global" da crise, o fato é que cada país ou região possuiu suas particularidades.

O caso espanhol[editar | editar código-fonte]

Segundo Pierre Vilar[4], foram diferentes fatores que contribuíram, a partir de 1600, para o declínio da economia espanhola. A regressão político-econômica, a queda demográfica, as guerras e a diminuição da produção agrícola assemelham-se aos problemas observados em muitos outros países europeus durante este período. Entretanto, essa crise ocorreu num contexto em que a Espanha era favorecida pela produção americana de prata, esse contraste explica-se pela perpetuação do sistema feudal, favorecendo por um intenso parasitismo social. Daí a grande inflação que caracterizaria o século XVII espanhol e o florescimento de tensões sociais que resultariam no episódio de expulsão dos mouriscos[5], contribuindo ainda mais para a redução demográfica e estagnação econômica espanhola.

O desempenho holandês durante a crise[editar | editar código-fonte]

Mapa do mundo de Frederik de Wit, publicado em 1662.

Existem, contudo, algumas regiões na Europa que aparentemente não sofreram com a crise, permitindo problematizar a ideia de que sua abrangência foi geral. Os Países Baixos, assim como a Inglaterra, se fortaleceram economicamente durante o período. A ascensão dos países baixos foi em diversos sentidos - comercial, cientifico e artístico -. O século XVII ficou conhecido como o século de ouro holandês.

No caso holandês, uma agricultura capitalista baseada na produção de bens altamente valorizados e o desenvolvimento manufatureiro sustentaram uma crescente urbanização desde pelo menos o século XIV. Assim, a crise do século XVII praticamente não teria afetado a Holanda que já passava por um processo de transição capitalista, afetando apenas as zonas mais atrasadas da Europa.

A situação da Inglaterra[editar | editar código-fonte]

Rei Carlos I em Três Posições (1635) por Anthonis van Dyck (pintor oficial da corte de Carlos I na Inglaterra)

A Grã-Bretanha, no período, formada pela Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda, foi a região que passou pelas maiores mudanças ocasionadas pela crise. No século XVII as velhas instituições, valores e crenças foram postos à prova pela população durante a Revolução Inglesa. No final do século, com a Revolução Gloriosa, se estabeleceu a supremacia do parlamento, consolidando um Estado burguês. Ao mesmo tempo, no campo, iam avançando os cercamentos e a propriedade privada, com isto aumentavam os investimentos em benfeitorias rurais e a produtividade agrícola..[6]

Outra consequência dessas transformações políticas e econômicas é a profunda reorganização das finanças inglesas que vão ser chamadas mais tarde de Revolução Financiera. As primeiras medidas foram a estatização das alfandegas (1671) e do Exsice (1683), imposto de consumo copiado da Holanda; a criação do cargo Lord Treasurer, em 1714, que cria o Bord of Tresury, um conselho do Tesouro, que vigiaria o trânsito das rendas para o Excherquer. Com isso diríamos que houve uma nacionalização das finanças, implicando o controle do Banco da Inglaterra ( controle que se instaura em meados do século XVIII, embora o banco tenha sido fundado em 1694). Além disso, no início do século XVIII a supervisão parlamentar sobre os impostos, com a votação dos créditos e de novas imposições permitiu o controle público da dívida, facilitando a tomada de créditos no mercado, a longo prazo e a juros baixos. Foi criado um sistema perpétuo onde era possível a administração não apenas das grandes necessidades do estado inglês para a superação da crise mais também do pagamentos dos juros aos credores numa medida em que garantia a estabilidade do mercado e permitia a manutenção do sistema.[7]

Deste modo, também a Inglaterra passou por um processo de crescimento econômico e de transição capitalista durante o século XVII, sendo uma das exceções ao processo de crise, pelo menos do ponto de vista econômico.

A crise na França[editar | editar código-fonte]

A França inicia o século XVII num processo de reorganização estrutural após o período marcado pelas guerra religiosas e por uma forte crise socioeconômica. Na primeira metade do século, a política francesa esteve controlada pelos cardeais de Richelieu e Mazarin que promoveram o fortalecimento do poder absoluto do rei e uma política externa agressiva contra os Habsburgo na Espanha e na Europa Central. Ao mesmo tempo, aumentaram absurdamente a cobrança de impostos, produzindo diversas revoltas anti-fiscais no campo. Em 1661, Luis XIV assumiu o poder e consolidou o absolutismo.

No caso Francês, o desenvolvimento do absolutismo teve como contrapartida a estagnação da agricultura, graças à manutenção da propriedade agrícola camponesa e a permanência do senhorialismo.A crise econômica, contudo, resultou num fortalecimento do poder estatal.

Os resultados da crise do século XVII[editar | editar código-fonte]

A indústria e manufatura[editar | editar código-fonte]

Para Eric Hobsbawm a crise colaborou para o fim dos grupos de artesões que monopolizavam a produção de manufaturados e limitavam a produtividade e a inovação. Em contrapartida, ganhou força a indústria doméstica e o putting-out-system que ocorriam no mundo rural, longe do controle das guildas. Rompia-se assim a tendência para a produção para o auto-consumo dos camponeses e ampliava-se a oferta de emprego no campo. Além disso, durante esse período, desenvolveu-se a produção de massa das new draperies, tecidos mais baratos e voltados para os mercados Ultramarinos, passo importante para o desenvolvimento da Revolução Industrial mais tarde[8]

Manufatura Flamenga - A Volta da Colheita, séc. XVII - David Teniers, o Jovem

A agricultura[editar | editar código-fonte]

Durante o século XVII, a revolução agrícola, que já vinha sendo desenhada em algumas zonas bastante restritas, passou a ganhar cada vez mais força. Para que esse processo ocorresse foi necessária uma revolução técnica dos meios de produção agrícola, estimulada principalmente pelos cercamentos e pelo desenvolvimento da propriedade privada. Além disso, também ocorreu a introdução de produtos comerciáveis como o milho, o fumo e a batata. Esse processo de transformação no meio rural acabou privilegiando os grandes donos de terras, constituindo ainda uma classe de arrendatários e de trabalhadores rurais assalariados.[9]

Referências[editar | editar código-fonte]


  1. HOBSBAWN, Eric (1979). As Origens da Revolução Industrial. São Paulo: Global 
  2. STEENSGAARD, Niels (1997). The General Crisis of the Seventeenth Century. Londron: Routledge 
  3. Parker, Geoffrey Smith (1997). The General Crisis of the Seventeenth Century. London: Routledge 
  4. Vilar, Pierre (1956). EL TIEMPO DEL QUIJOTE. [S.l.: s.n.] 
  5. «Expulsão dos Mouriscos». Wikipédia, a enciclopédia livre. 29 de maio de 2016 
  6. HILL, Christopher (1987). O mundo de ponta-cabeça. São Paulo: Companhia das Letras. 60 páginas 
  7. BRAUDEL, Fernand. Civilização Material Economia e Capitalismo: (vol. 3). São Paulo: Martins Fontes, 1998. 469
  8. Do Feudalismo ao Capitalismo. Uma Discussão Histórica. [S.l.]: Editora Contexto. 1988. pp. 103–105 
  9. Do Feudalismo ao Capitalismo. Uma Discussão Histórica. [S.l.]: Editora Contexto. 1988. pp. 99–103