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Diversidade e Adaptação de Vertebrados em Ambientes Desérticos[editar | editar código-fonte]

Os desertos são considerados ambientes extremos, principalmente devido à falta de água. Muitos desertos também apresentam altas temperaturas, o que contribui para o problema de escassez de água para os animais. A aridez também reduz a disponibilidade de alimentos, em comparação com outros habitats, de modo que a energia alimentar costuma ser escassa, assim como a água. Apesar desses desafios à vida, os desertos são ocupados por muitas espécies de animais. A maioria das espécies de deserto estudadas tem adaptações comportamentais, fisiológicas e morfológicas que facilitam a sobrevivência e reprodução.[1]

Mecanismos comportamentais para sobreviver em ambientes desérticos[editar | editar código-fonte]

Para escapar do calor extremo nos desertos durante o dia, pode-se observar algumas estratégias comportamentais de animais residentes desses locais. É comum que tanto vertebrados terrestres endotérmicos (mamíferos e aves) quanto vertebrados terrestres ectotérmicos (répteis e anfíbios) possuam mecanismos para controlar sua temperatura corporal, e evitar calor excessivo. Esses mecanismos podem envolver comportamentos simples como abrigo sobre sombras, tocas e buracos, mas também alguns mais complexos, como alteração no contorno do corpo e coloração da pele. Os lagartos são particularmente eficientes na termorregulação e utilizam uma série de mecanismos para diminuir ao máximo o ganho de calor por radiação solar. Alguns desses mecanismos são a compressão e extensão das costelas, diminuindo e aumentando respectivamente a área exposta ao sol. Além disso, conseguem mudar a coloração da pele, realocando pigmentos escuros e controlando assim a quantidade de radiação absorvida[2].

Abrigos em tocas e buracos são mecanismos encontrados em mamíferos, répteis, e interessantemente também em alguns anfíbios, como o Pleurodema diplosister, uma espécie de sapo endêmico da caatinga brasileira. Eles podem cavar buracos de até 1m de profundidade para escapar do calor e da seca. Além disso, estes animais conseguem reduzir sua taxa metabólica a níveis baixíssimos, entrando em um estado conhecido como estivação. Parecido com a hibernação de animais como ursos e esquilos, estes anfíbios conseguem ficar em um estado de dormência durante a estação da seca, podendo ficar até 9 meses enterrados.[3]

Mecanismos fisiológicos para sobreviver em ambientes desérticos[editar | editar código-fonte]

Todos os processos que ocorrem em um organismo para manter seu funcionamento necessitam de uma temperatura adequada. Isso se deve ao fato de tais processos envolverem proteínas, enzimas, reações químicas e físicas que ocorrem mais rapidamente ou lentamente em função do gradiente de temperatura existente no meio em que se encontram. Por exemplo, temperaturas excessivamente elevadas (hipertermia) podem desnaturar proteínas e comprometer a integridade do organismo. Assim, é fundamental que os seres vivos disponham de estratégias para regular a temperatura do corpo.[4]

Para habitantes de ambientes desérticos, suprimentos de comida e água potável podem ser escassos. Em tais habitats extremos, podem haver fortes pressões seletivas sobre os atributos fisiológicos dos animais que vivem lá, especialmente ajustes que minimizem as taxas de gasto de energia e perda de água, ou que aumentam a tolerância de temperatura corporal elevada.[5]

Em pequenos roedores, estudos foram feitos sobre as adaptações nesses ambientes, algumas delas sendo observadas em animais de diferentes localidades desérticas, indicando uma possível convergência adaptativa, sobretudo no que diz respeito à evitar a perda de água e à manutenção da temperatura corporal. Dentre elas podemos citar: rins especializados na reabsorção de água produzindo excretas bem concentradas, longas passagens nasais para troca de calor e taxas metabólicas menores, com possíveis períodos de torpor. [6]

Para pássaros nos desertos, por exemplo, a luta pela sobrevivência inclui a frequente e difícil tarefa de equilibrar a necessidade de água e energia com o gasto de água e energia.[5] Assim, devido a menor produtividade primária em desertos do que em qualquer outro ambiente terrestre, e pela razão da massa específica do metabolismo das aves ser a mais alta de todos os vertebrados, indivíduos com gasto de energia reduzido em ambientes desérticos possuem grande vantagem.[5][7]

Nos camelos ocorre a redução da perda de água devido à evaporação do trato respiratório de duas maneiras: diminuindo a temperatura do ar exalado e através da remoção do vapor de água deste ar. A combinação de resfriamento e dessaturação pode proporcionar uma economia de água de 60% em relação à exalação de ar saturado à temperatura corporal. O mecanismo responsável pelo resfriamento do ar exalado é uma simples troca de calor entre o ar respiratório e as superfícies das vias nasais. Na inalação, essas superfícies são resfriadas pelo ar que passa sobre elas e, na exalação, o calor do ar exalado é liberado para essas superfícies mais frias. O mecanismo responsável pela dessaturação do ar parece depender das propriedades higroscópicas das superfícies nasais quando o camelo está desidratado. As superfícies emitem vapor de água durante a inalação e absorvem água do ar respiratório durante a exalação. [8]

Ectotermos no deserto[editar | editar código-fonte]

Animais ectotermos no geral possuem baixas taxas metabólicas, o que ameniza algumas dificuldades causadas pelo clima desértico, como falta de alimento e de água. Além disso, muitos vertebrados ectotermos utilizam mecanismos comportamentais para termorregulação em ambientes com temperatura extrema, como os abrigos subterrâneos. No entanto, algumas espécies ainda precisam se tornar inativas por longos períodos do ano, como resposta mais acentuada à perda de água e variação na temperatura corporal.[2] Os lagartos estão entre os ectotermos com maior diversidade de mecanismos adaptativos ao clima desértico[2].

Terrestres[editar | editar código-fonte]

Gopherus agassizi - Jabuti-do-Deserto

Jabuti-do-Deserto (Gopherus agassizi)[editar | editar código-fonte]

É um jabuti da família Testudinidae, distribuída principalmente no sudoeste dos Estados Unidos. Esta espécie pode ter indivíduos adultos com até 5 quilogramas, e cascos com mais de 50 cm de diâmetro, sendo assim um dos maiores vertebrados ectotermos encontrados em desertos. Como mecanismo comportamental para termorregulação, os jabutis-do-deserto se abrigam em buracos rasos durante o verão, e hibernam em buracos profundos durante o inverno. Estes animais não possuem glândulas de sal, e seus rins não produzem urina concentrada, sendo necessário assim uma grande perda de água para excretar sal. Para evitar essa perda de água, os jabutis-do-deserto retém o sal ingerido na dieta, aumentando a osmolaridade corporal, que será regulada novamente após o período de chuvas.[2]

“Chuckwalla” (Sauromalus obesus)[editar | editar código-fonte]

Sauromalus obesus - "Chuckwalla"

É um lagarto  da família Iguanidae, e assim como os jabutis-do-deserto, possui um ciclo anual moldado pela disponibilidade de água, no entanto suas respostas fisiológicas são diferentes. Esses lagartos não bebem água da chuva, e obtém água apenas pela ingestão de plantas das quais se alimentam, sendo assim necessário um mecanismo eficiente para eliminação de sais sem perda de água. Essa eliminação então se dá por meio de glândulas nasais, que permite excreção de altas quantidades de sal sem grandes perdas de água. Os “chuckwalla” também tornam-se inativos durante o período de seca, diminuindo consideravelmente suas taxas metabólicas e sua perda de água, que pode diminuir em até 90%.[2]

Sapo pé-de-espinho (Scaphiopus multiplicatus)[editar | editar código-fonte]

É o anuro desértico mais bem estudado, e pertence a pequena família Scaphiopodidae. Estes sapos controlam a perda de água e a temperatura principalmente através de mecanismos comportamentais. Assim, eles costumam ser encontrados em micro-habitats protegidos da radiação solar e de ventos intensos, como buracos cavados por outros animais, ou cavados por eles próprios. A pele altamente permeável dos anuros acaba auxiliando na obtenção de água, uma vez que nos períodos de chuva o solo se torna úmido, e os sapos ali enterrados conseguem captar água do solo através da pele. Nesta situação, os sapos conseguem excretar urina e liberar seus compostos nitrogenados, que ficam acumulados no corpo em períodos de seca.[2]

Phyllomedusa sauvagii - Perereca macaco-de-cera

Perereca macaco-de-cera (Phyllomedusa sauvagii)[editar | editar código-fonte]

É um anuro encontrado em climas áridos, e pertence à família Phyllomedusidae. Esta espécie, além de excretar ácido úrico ao invés de uréia, o que reduz a perda de água pela urina, também possui um excelente mecanismo para evitar a perda de água pela pele. Esse mecanismo consiste na distribuição de secreções lipídicas de suas glândulas dérmicas ao longo de todo o seu corpo. Essas pererecas utilizam suas patas para espalhar os lipídios, que impedem a perda de água para o ambiente, possuindo assim uma taxa de evaporação até dez vezes menor do que a maioria das rãs.[2]

Aquáticos[editar | editar código-fonte]

Cyprinodon diabolis

Habitats aquáticos permanentes, como os lagos, são muito raros em ambientes desérticos, mas quando ocorrem podem abrigar algumas populações de peixes, mesmo que com baixa diversidade. Esses lagos normalmente possuem salinidade e temperaturas muito altas, e por isso poucas são as espécies que toleram essas condições. Os grupos de peixes mais encontrados e bem adaptados ao clima desértico são os ciclídeos (Cichlidae), “minnows” (Cyprinidae) e Cyprinodon (Cyprinodontidae). Indivíduos jovens de Cyprinodon por exemplo conseguem tolerar águas com salinidade até três vezes maior que a concentração da água do mar. A espécie Agosia chrysogaster (Cyprinidae) é uma das poucas que conseguem sobreviver nos períodos de seca, nos quais as fontes de água começam a evaporar e sobram apenas pequenas poças. Essa espécie de ciprinídeo consegue sobreviver por longos períodos de estiagem, se alojando no meio de algas saturadas de água até que a chuva volte.[2]

Endotermos no Deserto[editar | editar código-fonte]

Para os animais endotermos, a termorregulação em ambientes desérticos secos e quentes apresenta desafios muito maiores do que em ambientes polares. Isso ocorre porque em ambientes com temperaturas muito elevadas, o animal ao invés de perder calor para o ambiente, está constantemente absorvendo calor. Esse calor absorvido deve ser de alguma forma dissipado, a fim de manter a temperatura corporal dentro da normalidade. A principal forma de dissipação de calor é por meio da evaporação, no entanto isso envolve perda de água, um recurso escasso em ambientes desérticos. Dessa maneira, aves e mamíferos que habitam desertos possuem um complexo ajuste de mecanismos fisiológicos, comportamentais, morfológicos e ecológicos para sobreviverem nessas condições extremas.[2]

Camelo (Camelus bactrianus)[editar | editar código-fonte]

Camelus bactrianus - Camelo

Está entre os grandes animais típicos de deserto, e apresenta uma série de adaptações que o permite viver em condições áridas. A principal delas é a tolerância à grandes amplitudes na temperatura corpórea, podendo apresentar uma diferença de 6 °C entre temperatura máxima e temperatura mínima  em um mesmo dia. Essa flutuação diária na temperatura evita a perda de água por transpiração, já que estes animais não precisam de um controle rigoroso na temperatura corpórea. Além disso, possuem uma interessante distribuição de pelos pelo corpo. Na parte dorsal, e principalmente sobre as corcovas, os pelos são mais compridos e densos, criando uma barreira térmica para evitar troca de calor pela radiação solar. Já na parte ventral os pelos são curtos, e permite o resfriamento corporal ao se deitar sobre uma superfície fria a noite por exemplo.[2]

Orix (Orix beisa)[editar | editar código-fonte]

São conhecidos como antílopes africanos, e toleram uma temperatura corporal ainda maior do que os camelos, podendo chegar até 46 °C. Em muitos mamíferos, temperaturas muito elevadas podem causar danos cerebrais irreversíveis, no entanto, os Orix possuem um mecanismo de contracorrente que resfria o sangue antes de chegar ao cérebro, deixando essa região mais fria que o restante do corpo, e assim não apresentando danos cerebrais aparentes.[2]

Dipodomys merriami - Rato-canguru

Rato-canguru (Dipodomys merriami)[editar | editar código-fonte]

É um roedor encontrado em desertos da América do Norte, e apresenta hábito noturno, o que facilita a vida em climas desérticos. Durante o dia o rato-canguru fica em tocas subterrâneas com quase 2m de profundidade, e à noite quando a temperatura do ar está mais amena eles saem para coletar alimentos.[2]

Ammospermophilus leucurus - Esquilo-antílope

Esquilo-antílope (Ammospermophilus leucurus)[editar | editar código-fonte]

São roedores, mas apresentam hábito diurno, não podendo assim evitar as altas temperaturas durante o dia. Assim como os camelos e órix, o esquilo-antílope tolera grandes variações na temperatura corpórea, e armazena calor durante seus períodos de atividade. Mesmo com essa grande tolerância, os esquilos não conseguem ficar muito tempo expostos ao sol, e estão sempre correndo em busca de sombra ou de uma toca para se proteger. Além disso eles possuem uma cauda que é mantida sobre as costas, atuando como guarda-sol, proporcionando sombra e reduzindo a temperatura corporal.[2]

Esquilo terrestre do Cabo (Xenorus inauris)[editar | editar código-fonte]

Xerus inauris - Esquilo terrestre do Cabo

É encontrado no deserto do Kalahari na África, e possui uma cauda bem mais comprida do que o esquilo-antílope, podendo se estender até a frente da cabeça, o que proporciona uma área maior de sembra, uma diminuição da temperatura corporal, e consequentemente uma maior resistência a longos períodos de atividade.[2]

Aves[editar | editar código-fonte]

Em comparação com os mamíferos, as aves possuem mais mobilidade para se locomover em busca de água e sombra, algumas espécies por exemplo chegam a voar mais de 60 quilômetros em um dia em busca de água. Além disso, as aves possuem temperatura corpórea levemente mais elevada do que os mamíferos, por volta de uns 40 °C, e conseguem tolerar hipotermia moderada. No entanto, os filhotes de aves não possuem grande capacidade de voo, e dependem exclusivamente de adaptações nas aves adultas para aporte de água. Filhotes altriciais são os que dependem dos pais para se alimentar depois de sair do ovo, e absorvem água exclusivamente a partir dos alimentos que recebem. Uma adaptação que parece ser padrão para aves do deserto, é a reprodução exclusivamente em períodos de chuva, o que assegura que terá alimento disponível para os filhotes. Outro mecanismo interessante que evolui nos pombos (columbiformes), é a produção de leite-de-pomba, bem semelhante ao leite dos mamíferos, que proporciona além de água, todos os nutrientes necessários para os filhotes. Os filhotes nidífugos por outro lado, já conseguem se alimentar sozinhos logo após saírem dos ovos, mas normalmente esses alimentos consistem em basicamente sementes, o que não proporciona quantidades suficientes de água. Um mecanismo espetacular é o encontrado em Cortiçol (Pteroclidae), no qual os machos possuem penas especializadas na retenção de água e conseguem transportá-la até suas ninhadas. Assim, machos de Cortiçol encontrados no deserto do Kalahari voam até locais com água, molham suas penas, e voltam até seus ninhos levando água aos filhotes, que conseguem pegar água com seus bicos a partir das penas molhadas do macho.[2]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Nagy, Kenneth A. (dezembro de 2004). «Water economy of free-living desert animals». International Congress Series (em inglês): 291–297. doi:10.1016/j.ics.2004.08.054. Consultado em 4 de novembro de 2020 
  2. a b c d e f g h i j k l m n o Pough, F. Harvey.; Janis, Christine, 1950- (Christine Marie) (2008). A vida dos vertebrados 4. ed ed. São Paulo (SP): Atheneu. OCLC 817046775 
  3. Pereira, Isabel (2009). «Aspectos Fisiológicos e Ecológicos da Estivação em Pleurodira diplolistris (Leiuperidae/Anura)» (PDF). Consultado em 2 de novembro de 2020 
  4. ROCHA, N.C.; MORAES, I.A. (2017). «Termorregulação nos Animais» (PDF). Homepage da Disciplina Fisiologia Veterinária da UFF. Consultado em 4 de novembro de 2020 
  5. a b c Williams, Joseph B.; Tieleman, B. Irene (1 de maio de 2005). «Physiological Adaptation in Desert Birds». BioScience (em inglês) (5): 416–425. ISSN 0006-3568. doi:10.1641/0006-3568(2005)055[0416:PAIDB]2.0.CO;2. Consultado em 5 de novembro de 2020 
  6. Mares, Michael (1 de agosto de 1983). «Desert rodent adaptation and community structure». Great Basin Naturalist Memoirs (1). Consultado em 4 de novembro de 2020 
  7. Williams, Joseph B.; Tieleman, B. Irene (fevereiro de 2002). «Ecological and Evolutionary Physiology of Desert Birds: A Progress Report1». Integrative and Comparative Biology (1): 68–75. ISSN 1540-7063. doi:10.1093/icb/42.1.68. Consultado em 5 de novembro de 2020 
  8. Schmidt-Nielsen, Knut; Schroter, R. C.; Shkolnik, A.; Wilkie, Douglas Robert (11 de março de 1981). «Desaturation of exhaled air in camels». Proceedings of the Royal Society of London. Series B. Biological Sciences (1184): 305–319. doi:10.1098/rspb.1981.0009. Consultado em 5 de novembro de 2020