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Usuário(a):Rafael Antonio da Silva/Testes

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O Direito à Justiça é um postulado fundamental e inalienável da pessoa e está garantido expressamente em nosso texto constitucional por meio do artigo 5º, XXXV da Carta da República, como forma inabalável de assegurar seu acionamento por parte daquele que necessite socorrer-se da prestação da tutela jurisdicional do Estado – notabilizada por ser ininterrupta -, a fim de proteger direito ameaçado ou lesionado.

E num Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário é a instância republicana que o cidadão tem para fazer valer seus direitos, de sorte que, mesmo durante os períodos de aparente interrupção do expediente forense e da atividade judicante – a exemplo de feriados, finais de semana, férias forenses ou de recesso coletivo – o Estado assegura aos jurisdicionados todo um aparato funcional e permanente de prestação de serviços nominados como plantão judiciário, a fim de que causas que contenham matérias urgentes a serem examinadas e decididas não sofram solução de continuidade da prestação jurisdicional.

Por essa razão, os regimentos internos dos tribunais e suas normas administrativas complementares disciplinam a atividade dos magistrados no regime de plantão judiciário – qualificada como uma jurisdição extraordinária destinada a salvaguardar situações que reclamam atendimento jurisdicional imediato – não só em primeira instância, mas também no âmbito recursal, de modo que eventual decisão não sofra óbice revisional e reformatório.

Mas não é só.

A Constituição Federal avança um pouco mais e inclui entre os direitos e garantias fundamentais que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, conforme seu artigo art. 5º, inciso LXXIV, de sorte que não pode o Estado eximir-se desse dever.

Compreensão essa de amplo acesso à Justiça que é complementada, modernamente, pela legislação infraconstitucional, na forma do Código de Processo Civil, por intermédio de seu artigo 98, ao afirmar que assiste à pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios, direito à gratuidade da justiça, em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou na redução percentual de despesas processuais, presumindo-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural – sem que haja a necessidade da prova do estado de miserabilidade -, cuja benesse processual somente poderá ser indeferida pelo juiz caso haja nos autos elementos que evidenciem a falta do preenchimento dos pressupostos legais.

Contudo, para o entendimento da exata extensão do exercício dessa garantia de acesso à justiça, cumpre também distinguir os conceitos de Direito e de Justiça, na medida em que – embora intrinsecamente vinculados – não se confundem.

Vale dizer, enquanto o Direito decorre de uma sistematização de normas – que orientam os comportamentos e as relações entre os indivíduos de uma sociedade, empresas ou, entre estes e o Estado – necessárias ao bem comum e à pacificação dos conflitos sociais, a Justiça concentra valores mais amplos ligados à liberdade, igualdade e fraternidade, norteada por um conjunto de princípios e regras destinadas a realizar o Direito.

Ocorre que o Direito – enquanto ciência humana e imperfeita – nem sempre se mostra capaz de suprir todas as expectativas daquilo que uma sociedade considera como realização da Justiça, de modo que vem à tona o velho conceito popular de que nem tudo que é legal é justo, muito embora não se possa perder de mira o artigo 5º. da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum) e o artigo 8º. do Código de Processo civil (ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência).

Por essa razão, não raras vezes a sociedade observa com perplexidade o proferimento de decisões judiciais que parecem contrariar os cânones da Justiça.

Notadamente em relação à absolvição de crimes cometidos por agentes políticos contra o Erário – por falta de provas ou prescrição da pretensão punitiva -, que irradiam os mais nefastos efeitos sobre toda a sociedade, e, principalmente, em relação aos mais pobres, que dependem essencialmente dos serviços públicos de saúde e educação prestados pelo Estado, cujos saques aos cofres públicos advindos de delitos de corrupção contribuem para o sucateamento e precarização cada vez maior do aparelho estatal, à míngua do integral investimento da arrecadação da alta carga tributária que a todos sufocam.

Quadro esse a justificar o apoio popular às ações contemporâneas mais concretas de combate à corrupção, com a notabilização da condenação e encarceramento de figuras públicas ocupantes dos mais importantes cargos da elite política brasileira, a contrariar os interesses espúrios daqueles que estavam acostumados a agir nos subterrâneos do poder, aparentemente imunes à investigação criminal.

Mas o certo é que essas pessoas investigadas e absolvidas também têm direito à realização de justiça, com aplicação serena do direito, mediante o acionamento de mecanismos judiciais legítimos de defesa, exercitáveis por quaisquer cidadãos contra o arbítrio do Estado punitivo, com vistas a garantir o afastamento do maltrato, da violência ou da ameaça de constrangimento ilegal não só da liberdade de locomoção, mas também, de malferimento da dignidade da pessoa humana, constitutiva de direito fundamental do indivíduo.

O mesmo se diga em relação ao sentimento de impunidade que se irradia sobre a sociedade brasileira como forma de entendimento de que não há Justiça, decorrente diretamente da morosidade da máquina do Poder Judiciário em prestar a tutela jurisdicional penal, quando alguém é preso ou condenado por um crime grave mas que não é levado imediatamente à prisão, inobservando que o legislador constituinte de 1988 optou por adotar regra garantista – no campo dos direitos e garantias fundamentais – segundo a qual, ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença a penal condenatória, ou seja, até o esgotamento do julgamento dos recursos interpostos.

Lado outro, o Direito à Justiça – na defesa de direitos individuais ou coletivos – é que possibilita, nesses tempos de dificuldade social e econômica causados pela pandemia do novo Coronavírus, que o Poder Judiciário – última trincheira que o cidadão tem para fazer valer seus direitos – desempenhe seu papel de harmonização das relações sociais por intermédio da incansável atuação de seus magistrados que – exercendo sua atividade judicante com prudência, serenidade e racionalidade – buscam mitigar os resultados danosos que emergem do estado de crise sanitária instalada em nosso país.

Especialmente quando ausente uma política sanitária contundente de caráter nacional para conter a disseminação da pandemia, de modo que a inércia do Poder Executivo autoriza o Ministério Público (dotado de competência legal para zelar pelos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às ações e aos serviços de saúde) a vindicar junto ao Judiciário a tutela apta a resguardar a saúde pública, sem que isso implique em malferimento a direitos constitucionais alusivos à garantias individuais do cidadão, tendo em vista a excepcionalidade e transitoriedade da medida resultante da implementação de mecanismos limitativos de direitos para o enfrentamento da situação emergencial.

Por fim, merece anotação o fato de que a garantia do Direito à Justiça tem se fortificado, o que se observa por meio de diversas iniciativas de índole administrativa, tecnológica e regimental dos tribunais pátrios, que desaguam em relevante contribuição para a racionalização da prestação da tutela jurisdicional, em atendimento ao postulado constitucional que assegura ao cidadão o direito à razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Tudo sob a perspectiva de que se não convivemos num ambiente perfeito em que o Direito e a Justiça se equivalem de forma objetiva, os esforços de todos os atores da nossa jovem democracia para essa consecução vem se conduzindo sob a égide do protagonismo da nossa Constituição Cidadã, a revelar que todos devem estar vigilantes para impedir quaisquer iniciativas antirrepublicanas que representem retrocesso ou afronta ao postulado da inafastabilidade de jurisdição ou de tentativas outras de aniquilação das garantias já conquistadas em temas fundamentais que tendam a violar as garantias da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à saúde, à segurança e à propriedade, a resultar na construção de sociedade livre, justa e solidária.

*Adib Abdouni, advogado constitucionalista e criminalista