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Usuário(a):Rousbound/Testes

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Espinoza e a Superstição[editar | editar código-fonte]

Espinoza elabora em seu livro, o Tratado teológico político, uma investigação das escrituras sagradas, a fim de conferir suas consistências lógicas e ao mesmo tempo entender quais são suas causas e seus efeitos. Em sua investigação, Espinoza concluirá que o medo alimenta a superstição, e que ela é o principal mecanismo usado pelas escrituras para atingir as massas. O seguinte artigo, portanto, visará compreender as causas da superstição, sua exploração política e seu possível proveito individual.

Causa da superstição[editar | editar código-fonte]

Espinoza começa seu tratado afirmando que as pessoas nunca se importariam com a superstição se suas vidas fossem completamente fortuitas e prazerosas:“Se os homens pudessem, em todas as circunstâncias, decidir pelo seguro, ou se a fortuna se lhes mostrasse sempre favorável, jamais seriam vítimas da superstição. Mas como se encontram frequentemente perante tais dificuldades que não sabem que decisão hão de tomar, e como os incertos benefícios da fortuna que desenfreadamente cobiçam os fazem oscilar, a maioria das vezes, entre a esperança e o medo, estão sempre prontos a acreditar seja o que for: se têm dúvidas, deixam-se levar com a maior das facilidades para aqui ou para ali; se hesitam, sobressaltados pela esperança e pelo medo em simultâneo, ainda é pior; porém se estão confiantes ficam logo inchados de orgulho e presunção.”[1]

Dessa maneira, vale-se usar as definições de esperança e medo que Espinoza utiliza em sua ética para entender sua relação e como a instabilidade as alimenta:

“12. A esperança é uma alegria instável surgida da ideia de uma coisa futura ou passada, de cuja realização temos alguma dúvida.

13.O medo é uma tristeza instável surgida da ideia de uma coisa futura ou passada, de cuja realização temos alguma dúvida.

Explicação. Segue-se, dessas definições, que não há esperança sem medo, nem medo sem esperança.”[2]

Assim fica claro que aqueles que mais dependem da fortuna, da incerteza são os mais propensos à superstição:

"Tanto assim é, que quem nós vemos ser escravos de toda a espécie de superstição são sobretudo os que desejam sem moderação os bens incertos.”

Espinoza então sintetiza e exemplifica com o caso de Alexandre, o grande:“A que ponto o medo ensandece os homens! O medo é a causa que origina, conserva e alimenta a superstição. Se, depois do que já dissemos, alguém quiser ainda exemplos, veja-se Alexandre, que só se tornou supersticioso e recorreu aos adivinhos quando, às portas de Susa, começou pela primeira vez a temer pela sua sorte; assim que venceu Dario, desistiu logo de consultar os adivinhos e arúspices. Até o momento em que, uma vez mais aterrado pela adversidade, abandonado pelos Bactrianos, atacado pelos Citas e imobilizado devido a uma ferida, recaiu na superstição, esse logro das mentes humanas, e mandou Aristandro, em quem depositava uma confiança cega, explorar por meio de sacrifícios a evolução futura dos acontecimentos”[1]

A exploração política da superstição:[editar | editar código-fonte]

A parte política da teoria da superstição se estrutura em torno de uma máxima de Quinto Cúrcio, citada por Espinosa: “não há nada mais eficaz do que a superstição para governar multidões.”[1]Como veremos, essa eficácia ocorre na medida em que a superstição permite controlar os desejos e as paixões do ânimo, de tal forma que se confunda servidão com liberdade ou vergonha por honra, como Espinoza denuncia em especial o caso das teocracias que se disfarçam de monarquia:

“Se, efetivamente, o grande segredo do regime monárquico e aquilo que acima de tudo lhe interessa é manter os homens enganados e disfarçar, sob o especioso nome de religião, o medo em que devem ser contidos para que combatam a servidão como se fosse pela salvação e acreditem que não é vergonhoso, mas sumamente honroso, derramar o sangue e a vida pela vaidade de um só homem, em contrapartida, numa República livre, seria impossível conceber ou tentar algo de mais deplorável, já que repugna em absoluto à liberdade comum sufocar com preconceitos ou coarctar de algum modo o livre discernimento de cada um.”[1]

Mais uma vez Espinoza exemplifica seus pontos com Alexandre, que usou da superstição para controlar seu exército amedrontado:

“Já se esboçava uma sedição quando Alexandre, impassível, mandou chamar generais e chefes de tropa, bem como os vates egípcios [Aegyptios vates] que foram obrigados a expor aquilo que sentiam, visto que Alexandre acreditava que fossem peritos no céu e nas estrelas. Os vates sabiam muito bem que, no tempo circular das orbes, periodicamente as luzes na lua não chegam quando a lua é tampada ou pela terra ou pelo sol: porém não ensinaram estas causas. Disseram a todos que o sol era dos Gregos e a lua era dos Persas; disseram também que o sumiço da lua prenunciava a derrota dos Persas e passaram a contar antigos casos de eclipses que prenunciavam derrotas persas. Nada mais eficaz que a superstição para comandar a multidão: repleta de homens impotentes, cruéis e volúveis que abraçam a vã religião [vana religio] e que suportam mais os vates [vatibus] que os generais [ducibus]. Cedo as respostas dos vates egípcios foram editadas e em torpor os homens volveram à esperança e à fidúcia. O rei usou os ímpetos dos ânimos e moveu o acampamento para a segunda vigília:”[1]

  1. a b c d e ESPINOZA, BARUCH (1988). Tratado Teológico-Político. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional - Casa da Moeda. pp. 111–119 
  2. ESPINOZ, BARUCH (2016). Ética. Belo Horizonte: Autêntica. pp. 143–144