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VICTOR  DE  SÁ (1921-2003)

Historiador. Escritor. Resistente antifascista. Político português.

Joaquim Victor Batista Gomes de Sá nasceu na pequena aldeia de Cambeses, Barcelos, em 14 de Outubro de 1921, filho de uma professora do ensino primário e de um então sargento do Exército. Cedo a família se transferiu para Braga.

Os pais mandaram-no com 11 anos para o Seminário das Missões do Espírito Santo, na Régua, por lhe adivinharem vocação missionária, mas após o primeiro ano, por inadaptação foi transferido para o Liceu de Sá de Miranda, em Braga, onde manifestou vocação cultural e associativa, tendo sido eleito presidente da Academia, e criou, com outros colegas, o jornal do liceu “Panorama”.

Terminado o liceu, contrariou a vontade dos pais e empregou-se numa livraria. Inscrito no Sindicato dos Caixeiros, foi seu secretário, e a seguir, eleito presidente. Esperava poder desenvolver actividade cultural, além da defesa dos interesses dos trabalhadores, mas, reconhecendo a impossibilidade de concretizar os seus desígnios demitiu-se pouco depois. A celeuma e profunda oposição das forças vivas locais sobre uma exposição de arte por si promovida[1], em torno do fim da 2ª Guerra Mundial, do artista Manuel Filipe; e a exigência de que os trabalhadores beneficiassem de um dia de descanso, como mandava a lei, por trabalharem no dia de S. João, feriado municipal, valeram-lhe ódios viscerais.

Pelo caminho transformou em realidade a ideia de colocar à disposição de quem estivesse interessado, a sua já considerável biblioteca: criou em 1942 a “Biblioteca Móvel”, cujo recheio cresceu das duas centenas de títulos iniciais, para mais de 1 500 quando cessou a actividade em 1950: livros que chegaram em mão e pelo correio a leitores essencialmente carenciados de meios, nas cidades, nas aldeias e em lugares recônditos do país, por um custo simbólico que permitia adquirir mais livros e cobrir os portes de correio. Se em 1944 saíram para leitura um milhar de livros, em 1945 foram lidos 2 400. Era muita gente a ler! (As Bibliotecas Itinerantes da Gulbenkian só apareceram em 1958)[2].[3]

Em 1947 despediu-se e criou  a sua própria Livraria Victor[4],[5] na mesma cidade de Braga. Mais tarde juntou-lhe o nome “Centro Cultural do Minho”. Esta foi um verdadeiro centro de difusão do livro e ponto de encontro de muitos leitores, em especial do Norte do País. Por ela passaram figuras destacadas como Ferreira de Castro e Santana Dionísio. Foi revistada inúmeras vezes pelas polícias (PIDE e PSP) em busca de livros “proibidos”- que os havia, sim, e eram procurados pelos seus clientes e amigos, atentos ao que de bom se publicava, antes de serem apreendidos... Quando, regressado de Paris com o doutoramento, a ditadura continuou a impedi-lo de leccionar, decidiu abrir uma nova livraria, moderna e ampla, numa demonstração de capacidade empreendedora em prol da Cultura que não podia ser frenada.

Durante esses anos foi vítima das primeiras prisões pela PIDE, uma em 1947 (nas vésperas da abertura da sua livraria), outra em 1949 e outra em 1950 relacionadas com a sua participação no MUD Juvenil, e a terceira sob acusação de pertença ao PCP, sendo levado a Tribunal Plenário, condenado e amnistiado. Essas prisões determinaram, quer por elas próprias, quer pela apreensão de livros, a desarticulação e finalmente o encerramento da actividade da Biblioteca Móvel. Foi também o período em que publicou os seus primeiros ensaios: “A mocidade de Antero” (1942), “As prosas de Antero de Quental” (1942), “Bibliografia Queirosiana” (1945); seguiram-se “O que foi a Biblioteca Móvel” (1954), “O que é a UNESCO” (1955).

Em 1955 foi preso pela 4ª vez, a pretexto da sua participação no Movimento Nacional Democrático – MND / MUD; em 1958 pela participação na campanha de Humberto Delgado; em 1960 a pretexto do panfleto “O Tomás vem outra vez ao Porto”, a PIDE não só o prendeu, como selou a sua livraria, única fonte de sustento da família, a qual foi reaberta ao fim de alguns dias em consequência das pressões do seu advogado e de outros democratas, e de uma forte reacção dos comerciantes de Braga que, apesar de serem maioritariamente salazaristas, ameaçaram fazer uma greve; em 1962 sofreu a mais longa das prisões (sete meses e meio), sob acusação de pertença às Juntas de Acção Patriótica, tendo sido julgado em Tribunal Plenário e absolvido. Ocorreria ainda nova prisão em 1969 (a 8ª, que durou apenas umas horas devido ao movimento internacional que se gerou, aquando do seu regresso ao País de onde se exilou para fazer o seu doutoramento na Sorbonne).

A sua actividade de publicista iniciou-se publicamente em 1937 (aos 16 anos), no jornal bracarense Correio do Minho. Publicou ao longo da vida mais de 600 títulos de artigos e mais de 30 livros. A Seara Nova e a Vértice, além do República são das publicações que mais assiduamente contaram com a sua colaboração. Contudo foi-lhe negada pelo regime da ditadura autorização para a constituição de uma editora.[6]

Participou activamente nas candidaturas presidenciais de Norton de Matos (1948), Arlindo Vicente e Humberto Delgado (1958). Dinamizou as candidaturas da Oposição pelo distrito de Braga à Assembleia Nacional, integrando as respectivas listas em várias delas. Participou nos Congressos Republicanos de Aveiro.

Em 1959 terminou a sua licenciatura em Ciências Históricas e Filosóficas na Universidade de Coimbra e concorreu a professor do ensino secundário. Foi nomeado professor da Escola Comercial e Industrial de Braga, mas foi impedido, por “desnomeação”, de tomar posse do lugar, por acção directa de alguns próceres bracarenses do regime, que culminou em decisão do Conselho de Ministros!

Este episódio sórdido do salazarismo encontrou resposta veemente da “sociedade civil”, tendo sido organizado um grande almoço de homenagem a Victor de Sá, logo no mês seguinte, que reuniu mais de três centenas de pessoas de todo o país, entre as quais as mais destacadas figuras da Oposição, e que serviu de oportunidade para uma grande reunião de democratas de variados matizes, da qual saiu uma Declaração enviada ao Presidente da República e a Salazar exigindo a libertação dos presos políticos.

Impedido, assim, de prosseguir uma carreira académica ou cultural, conseguiu como bolseiro da Fundação Gulbenkian, rumar à Sorbonne, onde desenvolveu o aprofundamento científico que lhe permitiu apresentar a sua tese e obter em 1969 o grau de doutoramento (3ème cycle) em História pela Universidade de Paris. O seu doutoramento só foi reconhecido em Portugal em 1975. Foi precursor da moderna historiografia portuguesa.

Professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1974-1991), Universidade do Minho e Universidade Lusófona, de cuja Biblioteca foi obreiro e director, e que hoje leva o seu nome.

A parte da sua biblioteca constituída pelas obras do domínio das Ciências Sociais encontra-se na Universidade Lusófona. Doou o seu espólio documental à Biblioteca Pública de Braga / Universidade do Minho. Tomou a iniciativa mecenática do Prémio de História Contemporânea (que hoje leva o seu nome), que foi apresentado pela Universidade do Minho em 1991, tendo sido atribuído pela primeira vez em 1992, embora só na edição de 1993 tenha sido atribuída uma Menção Honrosa, e em 1994 (3ª edição) o primeiro Prémio, e ininterruptamente desde então, alcançando já a 31ª edição[7].

Empenhou-se activamente desde o princípio dos anos 40 na mobilização dos democratas, em especial do distrito de Braga, contra o regime de Salazar e Caetano através das mais variadas formas: campanhas eleitorais, comemorações de datas históricas, reacções a acontecimentos oficiais, iniciativas culturais, etc. A sua acção orientou-se sempre pelo trabalho colectivo em prol da unidade democrática e da resistência ao fascismo. Agiu num grupo de democratas que, a partir de Braga, trabalharam incansavelmente para as movimentações da Oposição com vista ao derrube do fascismo.

Com o 25 de Abril de 1974 foi designado para dirigir provisoriamente o jornal “Correio do Minho” (até ali, órgão da União Nacional/ANP), que usou como tribuna de construção da liberdade - proclamada, mas custosa de se implantar em terras de província.

No “Verão Quente” de 1975 foi seriamente ameaçado pelos terroristas do MDLP, tendo a sua livraria sido objecto, em várias noites, de apedrejamento e tiros.

Foi o primeiro deputado à Assembleia da República eleito pelo PCP pelo círculo eleitoral de Braga, tendo desempenhado essa função entre 1980 e 1981, tendo presidido à Comissão Parlamentar de Cultura e Ambiente e subscreveu vários projectos de lei, entre os quais um de defesa do património arqueológico, outro sobre as associações de defesa do património cultural e outro ainda sobre os direitos dos trabalhadores-estudantes.

Em 1990 recebeu do Presidente Mário Soares a Comenda da Ordem da Liberdade.

Em 1993 foi-lhe atribuída a Medalha de ouro do Município de Braga

Dos anos 80 até ao ano da sua morte viveu um segundo casamento em Rio de Mouro, Sintra. Faleceu em Braga em 31 de Dezembro de 2003.

O acervo documental que doou à Universidade do Minho encontra-se depositado e organizado no Arquivo Distrital de Braga e acessível online em http://pesquisa.adb.uminho.pt/.

Durante as comemorações do centenário do seu nascimento foram publicados os seguintes livros e dossiers:


J. Viriato Capela, L. Reis Torgal, V. Sá, H. Barreto Nunes, “Bracarenses na Crise Académica de 1969”, Ed. UMinho Ed., Braga 201

Victor de Sá, “A crise do Liberalismo e as primeiras manifestações das ideias socialistas em Portugal (1820-1852)”, Ed. UMinho Editora, Braga 2021

Victor de Sá, “O Sampaio da ´Revolução´ nas fracturas do século”, 2ª ed., Ed. Assoc. Jornalistas e Homens Letras Porto, Porto 201

Victor de Sá, “Fascismo no quotidiano”, reedição, Ed. Págia a página, Lisboa 2021

Victor de Sá, “Agostinho da Silva trinta e tal anos de idade…”, reedição, Ed. Bibl. Da Univ. Lusófona Humanid. E Tecnol., Lisboa 2021

Não nos deixemos petrificar – reflexões no centenário do nascimento de Victor de Sá”, Ed. CITCEM e U.Porto – FLUP, Porto 2021

À ponta do lápis - escritos juvenis 1937-1943”, Victor de Sá, Ed. Braga Mais, Braga 2021

H. Barreto Nunes, J. V. Capela e V. Louro org., “O que tinha a fazer, está feito. Fi-lo como pude – Victor de Sá In Memoriam”, Ed. Fund. Bracara Augusta e Ed. Húmus, Braga 2022[8]

  H. Barreto Nunes e J. Viriato Capela, org. “O mundo continuará a girar” 2ª ed. rev. e actualizada, Ed. UMinho, Braga 2022    

Marinho Dias, Humberto Soeiro, Santos Simões, Victor de Sá, Lino Lima e Margarida Malvar, “Nova Cartilha do Povo”, Braga 1969, Ed. Fac-similada, Fund. Bracara Augusta, Braga 2022

Gazeta Literária 2021, 9 , “Victor de Sá, o homem que gostava de livros

O Escritor, 6-7- 3ª série, Ass. Port. Escritores, 2021.

JL – Jornal de Letras, Nº 1333 Nov 2021.

Seara Nova, nº 1757, Ed. Inverno 2021.



Nota:

Victor de Sá escreveu aquilo que considero ser a sua autobiografia: “Apostilas à biografia de Henrique Barreto Nunes”, publicadas na revista da Universidade do Minho Forum, 51, 2016[9]. Trata-se de uma apreciação do que foi a sua vida, escrita em 1992 (quando tinha 71 anos dos 81 que viveu) em que, no fundo, nos revela pelo próprio punho traços fundamentais do seu carácter e testemunha na primeira pessoa o que foi o tempo em que viveu.


[1] Santos, Luisa Duarte – “Realidade, Consciência e Compromisso Humanista na Arte 1936-1961”, Ed. Caleidoscópio, 2021, pág. 176.

[2] Biblioteca Móvel Actualizado 2021 : Victor Louro : Free Download, Borrow, and Streaming : Internet Archive

[3] Biblioteca Móvel_Apresentação : Victor Louro : Free Download, Borrow, and Streaming : Internet Archive

[4] Livraria Victor : Victor Louro : Free Download, Borrow, and Streaming : Internet Archive

[5] Nunes, Henrique Barreto – “O livreiro Victor de Sá” in Forum 41, Jan-Jun 2007, UMinho, Arq. Distrital Braga.

[6]Nunes, Manuela Barreto - “Bibliografia de Victor de Sá”, UMinho, Bibl. Pública de Braga, Braga 1991.

[7] Nunes, H. B. e Capela, J. Viriato, org, “O mundo continuará a girar – Prémio Victor de Sá de História Contemporânea, 20 anos (1992-2011), Cons. Cult. U. Minho e CITCEM, Braga 2011.

[8] Este volume reúne todos os artigos publicados nos 3 Suplementos “Cultura” do Diário do Minho de 13, 20 e 27 de Outubro de 2021 dedicados ao Centenário de Victor de Sá; artigos de vários autores inseridos noutras publicações sobre o Centenário; e ainda um texto inédito de Victor de Sá sobre as livrarias de Braga, e outro inédito de Silvestre Lacerda “A mais bela lição da minha carreira de professor – sobre o concurso de Victor de Sá para Professor Extraordinário da Faculdade de Letras da Universidade do Porto”, além dos textos institucionais do Presidente da Câmara Municipal de Braga, Rui Rio e da Fundação Bracara Augusta, Miguel Bandeira.

[9] https://archive.org/details/3-victor-de-sa-apostilas-a-biografia/page/68/mode/2up