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Ferramentas Bacterianas na Época "Pós-Antibiótica"

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A história da medicina e seu impacto na vida humana sofreram uma enorme guinada a partir da descoberta da revolucionária categoria de moléculas para tratamento de infecções: os antibióticos. Na década de 1940, Fleming descobriu a Penicilina acidentalmente e identificou o grande potencial deste composto nas aplicações da medicina.

Num primeiro momento, tal composto membro da classe dos β-lactâmicos tinha como uso militar exclusivamente. Entretanto, no pós-guerra, a Penicilina se tornou disponível para o público e, por conta de suas propriedades, esse antibiótico foi usado de forma bem ampla, não necessitando de prescrição médica e sendo usado para tratar infecções que nem eram bacterianas. Em virtude de uso desenfreado, e da alta capacidade adaptativa das bactérias, algumas classes de antibióticos não são mais efetivas contra determinados grupos microbianos. Assim, observa-se, hoje em dia, o aumento das taxas de resistência de bactérias patogênicas a um ou diversos grupos de medicamentos da classe em questão.

Portanto, é perceptível a emergência deste assunto para a medicina moderna. Uma vez que o número de drogas da classe antibiótica se estabiliza e até decresce, em lugares como os Estados Unidos [1], vê-se a necessidade de traçar e desenvolver novas estratégias, de forma que sejam contornados os problemas vistos com os antibióticos. Esta nova era que o mundo entra é marcada principalmente pelos relatos de resistência microbiana aos medicamentos e em que se busca ativamente plataformas paralelas a esses medicamentos, e considerada pela OMS de “era pós-antibiótica”.

Nesta nova época, como mencionado acima, estuda-se a adoção de novos mecanismos antimicrobianos, que vão desde formas de entrega de drogas, até utilização de microrganismos para combate de infecções. A partir de tais estratégias e da necessidade cada vez maior do desenvolvimento de novas plataformas, recorre-se também ao estudo de estruturas moleculares já presentes em organismos unicelulares com a finalidade de substituição do uso de medicamentos. Dentre essas estruturas está o sistema de secreção procariótico do tipo VI, chamado de T6SS.

Sistemas de Secreção Bacterianas

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As bactérias são organismos procariontes unicelulares e representam um dos grupos de seres vivos mais diversos presentes na biosfera terrestre. Elas são divididas em dois grupos, dependendo do tipo de parede celular que possuem: gram-positivas ou gram-negativas. As primeiras detêm de parede celular mais espessa, sendo composto majoritariamente por peptidoglicano. Já para as segundas, esta organela é menos espessa e composta por diversas camadas de diferentes componentes, dentre eles também a peptidoglicana. Elas podem ser diferenciadas pela coloração de gram. Ambas, entretanto, têm potencial de patogenicidade.

Em virtude de sua necessidade de adaptação, sobrevivência e vantagens competitivas sobre outros seres vivos, esses procariotos desenvolveram mecanismos de interação com outros organismos –seja mutualístico, ou competitivo. Dessa forma, com esta finalidade, as bactérias geraram mecanismos sofisticados de exportação ou troca de moléculas e substâncias. Esses mecanismos são chamados de sistemas de secreção e existem sete deles (T1SS, T2SS, T3SS, T4SS, T5SS, T6SS e T7SS), variando nos grupos bacterianos em que são encontrados, diferenciados em função e na forma como se comunicam/se inserem em outros organismos. Um resumo de cada um deles é apresentado na tabela abaixo [2]:

Sistemas de Secreção Bacterianas
Nome do Sistema Quantidade de Membranas a Serem Ultrapassadas Bactérias que Contém
T1SS 1 Gram-negativas
T2SS 2 Gram-negativas
T3SS 1-2 Gram-negativas
T4SS 1 Gram-negativas
T5SS 2 Gram-negativas
T6SS 1 Gram-negativas
T7SS 1 Gram-positivas

O Sistema de Secreção do Tipo 6

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Este sexto sistema de secreção foi reconhecido e estudado ao longo da década de 2000 e 2010, especificamente em organismos como Pseudomonas aeruginosa, Vibrio cholerae e Burkholderia thailandensis. O T6SS é uma estrutura proteica bacteriana que se projeta para fora de sua parede celular, cuja extremidade é pontiaguda e perfurante, se assemelhando a uma agulha, que exporta determinadas substâncias a células alvo. É uma estratégia que permite aos organismos detentores deste sistema de influenciar e alterar diretamente o meio a seu redor, podendo auxiliar em sua adaptabilidade e sobrevivência no meio.

À época, acreditava-se que esse sistema de secreção era responsável exclusivamente pela patogenicidade dessas bactérias; ou seja, eram estruturas que transportavam toxinas para células eucarióticas, principalmente porque estavam presentes em bactérias conhecidas por causarem doenças em humanos. Entretanto, hoje em dia, se sabe que provavelmente a maioria das bactérias contendo o T6SS o utiliza para se sobressair sobre outras bactérias. Um exemplo disso, é o procarioto P. aeruginosa que tem, em seu material genético, domínios que codificam toxinas tanto para organismos eucarióticos, quanto para outros procariotos.

Em relação à estrutura do T6SS, esta é conservada em diversos organismos que apresentam esse tipo de sistema de secreção. Ela é composta por algumas proteínas que formam o núcleo do aparato (TssA-M), e se assemelha bastante à estrutura da cauda de um bacteriófago. O T6SS se mantém ancorado no envelope celular e, quando utilizado, é impulsionado pela movimentação de sistemas proteicos em sua base, fazendo com que a “seringa” se projete em direção a uma célula vizinha e perfure sua membrana com o espinho em sua extremidade.

Dentre as unidades do T6SS, existem alguns complexos típicos que o compõe. O que ancora a estrutura na membrana é composto de três subunidades chamadas de TssJ, TssL e TssM. O primeiro é uma lipoproteína exposta ao periplasma; o segundo se fixa na membrana interna por uma única helix transmembranar; a terceira está ancorada na membrana interna por três domínios transmembranares, além de incluir uma região de interação com o TssJ.

Moléculas Efetoras

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O sistema de secreção desses procariotos é utilizado com objetivo de eliminar a concorrência nos ambientes em que elas estão inseridas. Desta forma, as bactérias em que o T6SS está presente o utilizam como meio de transporte de moléculas tóxicas para os organismos ao redor. Essas moléculas têm como alvo outra célula, entretanto, é necessária que a bactéria cuja T6SS está ativa tenha também os genes que codificam moléculas de imunidade para essas toxinas. Elas, em geral, estão presentes em sequencias codificantes que são próximas às que codificam às efetoras. No microrganismo Vibrio parahaemolyticus, por exemplo, todo o aparato estrutural do T6SS, os efetores, as moléculas de imunidade e seus reguladores são todos codificados no mesmo cluster de genes homólogos [3].

Em geral, os efetores podem ser divididos em duas categorias: especializados e de carga. O primeiro se refere aos que estão fundidos a componentes estruturais; já o segundo se refere aos que têm interações covalentes com as moléculas do núcleo do aparato de secreção. Os alvos das moléculas efetoras são variados e, geralmente, “atacam” substâncias estruturais importantes para a manutenção da vida e do metabolismo celular. Dentre esses, pode-se ressaltar os efetores degradadores da parede celular, os quais miram na peptidoglicana presente no envelope celular bacteriano, como a Tse1 e Tse3; efetores da membrana celular, os quais em geral são fosfolipases que hidrolisam os componentes desta organela, como a as proteínas da família Tle; por último, destaca-se também os efetores cujos alvos são os ácidos nucleicos, como as proteínas Rhs presentes em algumas bactérias gram-negativas, que degradam parte do material genético do alvo [4].

T6SS Como Ferramenta Antibiótica

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Tido como uma ferramenta muito utilizada pelas bactérias gram-negativas, o sistema de secreção do tipo VI (T6SS) tem a finalidade de combater organismos ao seu redor, fazendo com que as detentoras de tal aparato se sobressaiam sobre seus competidores, através da introdução de uma variada gama de toxinas em seu interior. Essa estratégia celular de sobrevivência tem como alvo tanto eucariotos, quanto procariotos. Devido a essa versatilidade e função antimicrobiana como comentada e explicitada nos tópicos anteriores, o T6SS é uma ferramenta com potencial biotecnológico muito grande, principalmente na época atual, em que se vê cada vez mais bactérias resistentes aos antibióticos convencionais.

Esse potencial de utilização do sistema de secreção do tipo VI em prol da medicina moderna foi identificado por diversos grupos de pesquisadores ao redor do planeta. Assim, surgem cada vez mais trabalhos apresentando não somente o potencial antibacteriano, como também o qual personalizável o aparato pode ser através das ferramentas de biologia molecular que se têm hoje em dia.

Expressão do Sistema de Secreção

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Uma vez que o aparato é codificado num único cluster gênico, como mencionado em tópicos anteriores, o mesmo precisa estar sob domínio de reguladores. Os reguladores são regiões do DNA em que fatores de transcrição e/ou moléculas sinalizadoras se ligam, ativando ou reprimindo a transcrição de determinado gene. Dessa forma, para que as informações contidas nessas regiões gênicas sejam expressas, é necessário que aquelas moléculas estejam ligadas à região promotora.

Para que o sistema de secreção em questão seja ativado, portanto, é importante que ele esteja sob domínio de regiões reguladoras cujos promotores (ou repressores) influenciem na codificação do aparato proteico como um todo. Assim, caso essa plataforma seja exportada para outro organismo, com o objetivo de combate bacteriano por uma bactéria não patogênica, por exemplo, é interessante que a região de inserção da sequência codificante do T6SS seja estrategicamente posicionada sob reguladores que permitirão o sequenciamento completo.

Inserção de Toxinas

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O sistema de secreção do tipo VI é conhecido pela exportação e injeção de toxinas em organismos vizinhos. Esta funcionalidade é de interesse na utilização contra bactérias patológicas, uma vez que é uma maneira de contornar a questão da resistência antibiótica. Dessa forma, a personalização e seleção das toxinas a serem injetadas é de extremo interesse para que o T6SS possa ser empregado no combate de infecções específicas, podendo ser diferenciado para cada caso.

A escolha dessas moléculas efetoras pode ser feita através da adição de plasmídeos contendo a sequência codificante dessas toxinas e de seus módulos de imunidade. Os plasmídeos são tipos de material genético circulares que contêm sequências de genes que codificam alguma informação. Eles são utilizados na biologia molecular como plataformas para veículo de genes específicos. No caso da personalização do sistema de secreção, o plasmídeo é inserido no organismo contendo o T6SS com sequências que codificam toxinas e módulos de imunidade estratégicos dependendo de seu uso. Além disso, é importante que estejam sob os mesmos reguladores que promovem a expressão do sistema de secreção.

Por fim, entende-se que o período em que a humanidade se encontra é um momento no qual florescem e são desenvolvidas novas estratégias para o combate de infecções e patologias causadas por microrganismos, como as bactérias. Nesse sentido, o sistema de secreção do tipo VI (T6SS) é uma estratégia muito promissora e que promete ser uma das principais soluções para a questão de resistência antibiótica, principalmente devido a sua alta capacitação de personalização e adaptação para cada tipo de situação que possa ser encarada, seja pela escolha das toxinas utilizadas, seja pela seleção de alvos específicos. Assim, a tendência é que exista cada vez mais estudos e conhecimento sobre tal ferramenta, de forma que permita a humanidade, em um momento próximo, utiliza-la como tratamento na medicina moderna.

  1. Alanis, Alfonso J. (1 de novembro de 2005). «Resistance to Antibiotics: Are We in the Post-Antibiotic Era?». Archives of Medical Research. Infectious Diseases: Revisiting Past Problems and Addressing Future Challenges (em inglês) (6): 697–705. ISSN 0188-4409. doi:10.1016/j.arcmed.2005.06.009. Consultado em 13 de outubro de 2021 
  2. Green, Erin R.; Mecsas, Joan (26 de fevereiro de 2016). «Bacterial Secretion Systems: An Overview». Microbiology Spectrum (1): 4.1.13. PMID 26999395. doi:10.1128/microbiolspec.VMBF-0012-2015. Consultado em 13 de outubro de 2021 
  3. Salomon, Dor; Klimko, John A.; Orth, Kim (1 de setembro de 2014). «H-NS regulates the Vibrio parahaemolyticus type VI secretion system 1». Microbiology (em inglês) (9): 1867–1873. ISSN 1350-0872. PMID 24987102. doi:10.1099/mic.0.080028-0. Consultado em 13 de outubro de 2021 
  4. Russell, Alistair B.; Peterson, S. Brook; Mougous, Joseph D. (fevereiro de 2014). «Type VI secretion system effectors: poisons with a purpose». Nature Reviews Microbiology (em inglês) (2): 137–148. ISSN 1740-1526. PMID 24384601. doi:10.1038/nrmicro3185. Consultado em 13 de outubro de 2021