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Micologia forense: diferenças entre revisões

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'''Micologia forense''' é o uso da [[micologia]] em investigações criminais.<ref name="FM">Forensic mycology: the use of fungi in criminal investigations, Forensic science international (Fator de impacto: 2.1). 03/2011; 206(1-3):1-11. DOI: 10.1016/j.forsciint.2010.06.012], [https://www.researchgate.net/publication/45199583_Forensic_mycology_the_use_of_fungi_in_criminal_investigations]</ref> A micologia é utilizada para estimar o tempo de morte ou eventos por meio das taxas de crescimento conhecidas dos fungos, fornecendo [[evidências indiciárias]], e localizando cadáveres.<ref name=FM/> Também inclui rastreamento do crescimento de mofo em edifícios, o uso de fungos em [[guerra biológica]], e o uso de variedades de fungos psicotrópicos e tóxicos como drogas ilícitas ou causas de morte.<ref name="FM" /><ref name=":0">{{citar periódico |último=Hawksworth, David and Wiltshire |primeiro=Patricia E. J. |data=10 de dezembro de 2015 |título=Forensic mycology: current perspectives |url=https://www.researchgate.net/publication/286481964 |publicação=Research and Reports in Forensic Medical Science |volume=5 |páginas=75–83 |doi=10.2147/RRFMS.S83169 |via=ResearchGate|doi-access=free }}</ref>
As [[Ciência forense|Ciências Forenses]] compreendem um grupo de áreas que apresentam como objetivo principal auxiliar na elucidação de investigações criminais. As ciências forenses englobam dois componentes fundamentais, a [[justiça]] e a [[ciência]]. A [[perícia]] criminal exerce uma função de extrema importância, já que é por meio de laudos periciais que muitas vezes o réu pode ser inocentado ou condenado. Dentre as áreas que estão inseridas nesse grupo pode-se citar a [[genética forense]], [[entomologia forense]], [[microbiologia forense]], micologia forense, entre outras.<ref>FACHONE, Patrícia; VELHO, Léa. Ciência forense: interseção justiça, ciência e tecnologia. Revista Tecnologia e Sociedade, v. 3, n. 4, 2007.</ref>


== Intervalo Pós-Morte ==
A [[micologia]] é o estudo dos [[fungos]] em geral e quando evidências micológicas são utilizadas para fins de investigação criminal é chamado de '''micologia forense'''. Os fungos são [[organismo]]s que não conseguem adquirir seu próprio alimento, sendo assim, necessitam de outros organismos sejam eles vivos ou mortos. Como os fungos estão presentes nos organismos em [[decomposição]], já que fornecem [[nutriente]]s suficientes para seu desenvolvimento, também podem servir como ferramenta para auxiliar na elucidação de casos criminais. A micologia forense é uma área relativamente nova se comparada com outras áreas, e apesar dos fungos serem pouco estudados na área forense, também possuem sua importância para a elucidação de casos criminais, como na descoberta de locais de crimes, como complemento quando há escassez de provas e no intervalo ''[[post mortem]]''.<ref name=":12">HAWKSWORTH, David L.; WILTSHIRE, Patricia EJ. Forensic mycology: the use of fungi in criminal investigations. Forensic Science International, v. 206, n. 1-3, p. 1-11, 2011.</ref> Alguns fungos chamados de pós putrefação podem ser indicadores de covas clandestinas e identificados através dos [[Esporocarpo|basidiomas]]. Além disso, [[esporo]]s e seus remanescentes podem servir para elucidar diversos casos criminais.<ref>JASIM, Neeran O. Forensic Mycology: Fungal Evidences in Forensic Analysis: A Review. Journal of Pharmaceutical Quality Assurance, v. 12, n. 2, p. 100-103, 2021.</ref>
A taxa constante de crescimento dos fungos é usada para determinar o [[intervalo pós-morte]] e ajudar os investigadores a identificar o momento da morte. Tradicionalmente, os médicos legistas se baseiam no resfriamento do corpo, nível de decomposição e/ou sucessão de insetos.<ref name=":1" /> Foi observado que os fungos estão presentes em corpos mortos, mas, até recentemente, acredita-se que fossem pouco mais do que outro organismo que auxilia na decomposição.<ref name=":1" /> Não há limite para as espécies de fungos ou partes do corpo que podem ser usados nesse processo, desde que as condições na cena possam ser experimentalmente recriadas.<ref name=":1" />


H. van de Voorde e P. J. Van Dijck da Universidade Católica de Leuven foram os primeiros a utilizar o crescimento fúngico recriado para determinar o intervalo pós-morte em 1980.<ref name=":5">{{citar periódico |último1=van de Voorde |primeiro1=H. |último2=Van Dijck |primeiro2=P. J. |data=1982-10-01 |título=Determination of the time of death by fungal growth |url=https://doi.org/10.1007/BF02092372 |publicação=Zeitschrift für Rechtsmedizin |língua=en |volume=89 |número=2 |páginas=75–80 |doi=10.1007/BF02092372 |pmid=7180212 |s2cid=44413918 |issn=1437-1596}}</ref> Nesse caso, uma mulher, que morava sozinha, foi encontrada morta em uma casa com temperatura controlada, com ferimentos de faca no peito e crescimento fúngico em seu rosto e abdômen inferior.<ref name=":5" /> O corpo já havia resfriado para 12&nbsp;°C, a temperatura ambiente, e não apresentava sinais de colonização por insetos, o que dificultava a determinação precisa do intervalo pós-morte.<ref name=":5" /> Van de Voorde e Van Dijck registraram o tamanho do crescimento fúngico no olho e obtiveram uma amostra.<ref name=":5" /> Essa amostra foi incubada em condições semelhantes às do cadáver, e o tempo necessário para crescer a colônia até o tamanho encontrado no corpo foi usado para determinar o intervalo pós-morte e, posteriormente, o momento da morte, que foi confirmado pela confissão do assassino.<ref name=":1" /><ref name=":5" /> Além do tamanho, fases distintas de crescimento fúngico podem ser usadas para auxiliar na determinação pós-morte.<ref name=":5" /> Cronologicamente, essas fases incluem a formação de micélio de substrato, desenvolvimento de micélio aéreo, esporulação e mudanças de cor pós-esporulação.<ref name=":5" />
A [[Dispersão biológica|dispersão]] fúngica se dá por meio dos esporos, e apesar de alguns fungos apresentarem dispersão através de [[esporângio]]s, a grande maioria se da por dispersão passiva, ou seja, dispersos por agentes externos como vento, sementes, chuva, insetos, entre outros.<ref name=":12" /> Por apresentarem uma certa especificidade em sua distribuição, produção de esporos sazonais, entre outros fatores, há um grande potencial para a utilização dos fungos em perícias criminais.<ref>GOEBEL, Cristine Souza et al. Análise micológica durante a decomposição cadavérica. Rev. Ciênc. Méd. Biol., v.12, n.1, p.28-32, 2013.</ref>


Múltiplos fatores ambientais, como umidade e temperatura, podem afetar o crescimento desses organismos, o que deve ser levado em consideração ao tentar reproduzir as condições para crescimento comparativo.<ref name=":0" />
== Aplicação em casos forenses ==


== Localização de Locais de Sepultamento ==
Um dos primeiros casos relatados para a determinar o IPM utilizando fungos foi em 1982, através de um trabalho publicado por Van de Voorde e Van Dijck. A polícia belga localizou o corpo de uma mulher em sua casa com sinais de facadas. De acordo com o estado de [[putrefação]] e através das colônias fúngicas encontradas no cadáver, foi estipulado que o crime ocorrera semanas atrás. Para determinar o IPM, os pesquisadores decidiram recriar as mesmas condições em que encontraram os fungos presentes no corpo. A temperatura da casa estava a 12°C e era controlada por um [[termostato]]. Os fungos foram cultivados a 12°C, mesma temperatura presente na casa. Deduziu se então através da análise do crescimento fúngico que a mulher estava morta há pelo menos 18 dias.<ref>ILLANA-ESTEBAN, Carlos et al. Micología forense. Bol. Sol. Micol. Madrid (37)(Recuperado de: https://www.researchgate.net/profile/Carlos_Illana/publication/286453325_Micologia_forense/links/566a965c08ae62b05 f02baf4/Micologia-forense. pdf), 2013.</ref>
O descarte de corpos, frequentemente em áreas remotas arborizadas, é comumente utilizado para esconder evidências cruciais no processo investigativo.<ref name=":1">{{citar periódico |último1=Tranchida |primeiro1=M. C. |último2=Pelizza |primeiro2=S. A. |último3=Elíades |primeiro3=L. A. |data=2021-01-02 |título=The use of fungi in forensic science, a brief overview |url=https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/00085030.2020.1869390 |publicação=Canadian Society of Forensic Science Journal |língua=en |volume=54 |número=1 |páginas=35–48 |doi=10.1080/00085030.2020.1869390 |s2cid=232093195 |issn=0008-5030}}</ref><ref name=":2">{{citar periódico |último=Tibbet, Mark and Carter |primeiro=David O. |data=fevereiro de 2003 |título=Mushrooms and taphonomy: The fungi that mark woodland graves |url=https://www.researchgate.net/publication/222421995 |publicação=Mycologist |volume=17 |número=1 |páginas=20–24 |doi=10.1017/S0269915X03001150 |via=ResearchGate}}</ref> Essas covas rasas possuem altos níveis de nutrientes provenientes da decomposição do corpo, o que torna o solo circundante rico em nitrogênio e outros compostos atrativos para o crescimento de fungos.<ref name=":2" /> Esses ambientes são ideais para a colonização de fungos pós-putrefação e de amônia, sendo os cogumelos um indicador comum de sepultamentos clandestinos.<ref name=":2" />


Os fungos de amônia são comuns em ambientes com alto teor de compostos nitrogenados.<ref name=":2" /> Estudos constataram que a amônia, produto da decomposição desses compostos, é essencial para a frutificação desses tipos de fungos.<ref name=":2" /> Quando os fungos estão em proximidade com um sepultamento, eles são denominados fungos pós-putrefação.<ref name=":2" /> Embora haja considerável sobreposição entre essas duas classificações, existem algumas espécies que não se enquadram em ambas as categorias. Por exemplo, o ''Rhopalomyces strangulatus'' é encontrado em ou ao redor de carcaças, mas não depende de amônia para a frutificação, enquanto o ''Coprinus echinosporus'' precisa de compostos nitrogenados, mas é encontrado em ambientes sem restos.<ref name=":2" /><ref>{{citar periódico |último=Sagara |primeiro=Naohiko |data=1995-12-31 |título=Association of ectomycorrhizal fungi with decomposed animal wastes in forest habitats: a cleaning symbiosis? |url=http://www.nrcresearchpress.com/doi/10.1139/b95-406 |publicação=Canadian Journal of Botany |língua=en |volume=73 |número=S1 |páginas=1423–1433 |doi=10.1139/b95-406 |issn=0008-4026}}</ref> Fungos dessas categorias só foram relatados em ecossistemas florestais, especialmente em restos de mamíferos e aves, bem como em alguns ninhos de vespas.<ref name=":2" />
Outro caso documentado que mostra a importância da micologia forense ocorreu no [[Japão]]. Um homem de 71 anos caiu em um poço presente em seu jardim. O corpo estava parcialmente imerso na água e a temperatura média do poço estava entre 12°C a 13,8°C. O corpo apresentava ausência de [[insetos]] quando foi localizado, as condições ambientais podem ser um dos fatores que contribuiu para essa ausência, pois não são ideais para o seu desenvolvimento. Com isso, os fungos que estavam colonizando o cadáver forem coletados e identificados como [[Penicillium|''Penicillium sp''.]] e [[Aspergillus|''Aspergillus terreus'']]. A informação de que o homem havia sido visto pela última vez há 12 dias e com o tempo de colonização dos fungos identificados sendo geralmente de 3 a 7 dias, foi estipulado que ele estava morto aproximadamente há 10 dias.<ref>HITOSUGI, Masahito et al. Fungi can be a useful forensic tool. Legal Medicine, v. 8, n. 4, p. 240-242, 2006.</ref>


A natureza [[Geotropismo|geotrópica]] dos fungos também os torna um indicador ideal de perturbação de local de sepultamento. O estipe, comumente referido como o 'caule', sempre cresce verticalmente, enquanto o píleo, ou 'chapéu', cresce horizontalmente.<ref name=":1" /> Após serem perturbados, esses cogumelos se reorientam e podem ser subsequentemente usados pelos investigadores para determinar o movimento de uma cena de crime.<ref name=":1" />
A [[intoxicação]] pode ser tanto acidental como deliberada, podendo ser fatal, sendo muito importante quando há casos de intoxicação fúngica de proteger o conteúdo estomacal/intestinal e se possível os restos do [[Cogumelo|cogumelo ingerido]].<ref name=":12" /> Um caso relata que um homem participou de uma cerimônia xamânica em que os participantes consumiam ''[[Ayahuasca]]'' (infusão de plantas sul-americanas) e 4 dias depois o homem morreu. Foi informado às autoridades que o homem tinha o hábito de consumir [[Cogumelo alucinógeno|cogumelos alucinógenos]] e foi encontrado em seus pertences um cogumelo identificado como ''[[Psilocybe semilanceata]]''. Através da análise do conteúdo estomacal, foi constatado além dos esporos do fungo em questão outras 2 evidências, sendo pólen de ''[[cannabis]]'' e semente da papoula do ópio. Com isso, a acusação do [[xamã]] foi reduzida de assassinato para posse de drogas.<ref>HAWKSWORTH, David L.; WILTSHIRE, Patricia EJ. Forensic mycology: current perspectives. Research and Reports in Forensic Medical Science, v. 5, p. 75-83, 2015.</ref>


== Evidências Traços ==
Um caso em que foi possível que os esporos fúngicos fossem usados para complemento de evidência criminal é referente a um homem que matou seu [[sócio]]. O atirador se escondeu atrás de um tronco que estava [[Infecção|infectado]] por um fungo. Como havia presença de [[Serrapilheira|serapilheira]] e galhos secos o homem acabou tendo contato com os esporos do fungo. Através da análise dos pertences e do carro do atirador foram identificados os mesmos esporos que estavam presentes no ambiente em que o atirador estava escondido. Essas evidências foram importantes para a elucidação do crime.<ref name=":12" />
Esporos fúngicos e pólen são frequentemente utilizados como evidências traços micológicas.<ref name=":0" /> A transferência dessas partículas microscópicas ocorre por contato entre objetos ou pessoas, em conjunto com o [[Princípio da Troca de Locard]]. Isso se enquadra na subdisciplina da [[palinologia forense]].


Os esporos fúngicos são semelhantes aos esporos de pólen, pois podem ser rastreados até uma determinada localização, conferindo-lhes valor probatório como evidência traço. Eles também têm a capacidade distinta de crescer em lugares onde as plantas não conseguem, como pedra, couro, plástico, tijolo e azulejo, aumentando as chances de encontrar esporos fúngicos microscópicos.<ref>{{citar periódico |último=Hawksworth |primeiro=David |último2=Wilkshire |primeiro2=Patricia |data=20 de março de 2011 |título=Forensic mycology: the use of fungi in criminal investigations |url=https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/20634009/ |publicação=Forensic Science International |volume=206 |número=1-3 |páginas=1-11 |via=National Center for Biotechnology Information}}</ref>
Os fungos pós putrefação e fungos de amônia são fungos que fazem a utilização de [[Composto nitrogenado|compostos nitrogenados]] liberados durante a decomposição. Esses fungos apresentam potencial tanto para atuar como marcadores de covas clandestinas como para estimar o intervalo pós sepultamento. Esses fungos apresentam uma sucessão de frutificação, ou seja, um conjunto de fungos substitui outro. Divididos em estágio inicial e estágio tardio, esses fungos apresentam tempos diferentes em sua colonização. Os iniciais geralmente apresentam uma colonização de 1 a 10 meses após a sua fertilização no solo, já os de estágio tardio podem frutificar de 1 a 10 anos. A base para determinar a estimativa pós sepultamento se dá tanto pelo tempo que a sucessão fúngica ocorre como pela concentração de [[nitrogênio]] liberado durante a decomposição cadavérica.<ref>CARTER, David O.; TIBBETT, Mark. Taphonomic mycota: fungi with forensic potential. Journal of Forensic Science, v. 48, n. 1, p. 1-4, 2003 </ref><ref>CARTER, David O.; TIBBETT, Mark. Mushrooms and taphonomy: the fungi that mark woodland graves. Mycologist, v. 17, n. 1, p. 20-24, 2003.</ref>

== Espécies Ilícitas e Venenosas ==
[[Imagem:Psilocybe semilanceata (49153346451).jpg|thumb|[[Psilocybe semilanceata]] (Chapéu de Liberdade), um cogumelo comum contendo psilocibina]]
Os seres humanos têm um histórico documentado de ingestão de fungos, principalmente cogumelos, sejam eles comestíveis, psicoativos ou venenosos.<ref name=":1" />

O início e a gravidade dos sintomas após o consumo de espécies não comestíveis dependem da espécie, da tolerância da pessoa e da quantidade consumida.<ref name=":1" /> Os sintomas podem variar de leve desconforto a distúrbios gástricos graves e, às vezes, morte.<ref name=":1" /> Os sintomas também podem parecer inicialmente semelhantes aos produzidos por outras condições médicas (por exemplo, [[infarto cerebral]]).<ref name=":0" /> Devido à maioria dos fungos serem consumidos e processados pelo sistema digestivo, é comum haver casos de envenenamento em que não há espécimes intactos restantes e/ou onde a digestão já começou.<ref name=":0" /><ref name=":1" /> Se esse for o caso, a análise de remanescentes fúngicos, como organismos parcialmente digeridos ou esporos microscópicos, pode ser realizada no conteúdo estomacal e intestinal.<ref name=":1" /> Uma análise adicional do intestino inferior pode ser necessária em casos em que o envenenamento foi de ação lenta e o conteúdo já tenha sido digerido.<ref name=":0" />

== Fungos Psicoativos ==
Certas espécies de fungos também possuem qualidades [[Fungos psicoativos|psicoativas]] quando ingeridas, conhecidas coloquialmente como "cogumelos mágicos".<ref name=":0" /> Essas qualidades são derivadas de substâncias presentes nos fungos, como psilocibina, psilocina e amanitina.<ref name=":1" /> As concentrações de substâncias psicoativas nesses fungos variam, mesmo dentro das espécies, devido a fatores ecológicos e biológicos.<ref name=":1" /> A partir da Convenção da ONU de 1971, a posse e o uso dessas substâncias e dos fungos dos quais elas são derivadas são estritamente controlados, sendo que a psilocibina e a psilocina são completamente proibidas.<ref name=":1" />

== Guerra Biológica ==
O uso de fungos em bioterrorismo remonta a 600 a.C., quando os assírios usaram o fungo ergot do centeio (''[[Claviceps purpurea]]'') para contaminar poços inimigos.<ref>{{citar livro |último=U.S. Army Medical Research Institute of Infectious Diseases |título=Medical Management of Biological Casualties |publicado=U.S. Army |data=agosto de 1996 |local=Frederick, Maryland |páginas=4 |língua=en}}</ref> Atualmente, os fungos que representam o maior risco para o público são um conjunto específico de fungos que produzem uma variedade de micotoxinas diferentes, dependendo da espécie.<ref name=":3">{{citar web |título=Mycotoxins |url=https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/mycotoxins |acessodata=2022-04-14 |website=www.who.int |língua=en}}</ref> Essas toxinas estão mais presentes em produtos alimentícios, como nozes, frutas secas e grãos. Elas também podem ocorrer no solo, em vegetação em decomposição e na ração animal.<ref name=":3" /> Os efeitos variam de doenças graves de curto prazo a condições crônicas, algumas das quais podem levar à morte.<ref name=":3" />

A maior limitação para o uso desses agentes como arma biológica é a dificuldade de dispersão e transmissão entre humanos.<ref name=":4">{{citar web |data=2019-05-15 |título=CDC {{!}} Bioterrorism Agents/Diseases (by category) {{!}} Emergency Preparedness & Response |url=https://emergency.cdc.gov/agent/agentlist-category.asp |acessodata=2022-04-14 |website=emergency.cdc.gov |língua=en-us}}</ref> Em abril de 2022, o CDC não lista atualmente nenhum agente fúngico em suas categorias A ou B para agentes biológicos, que são reservadas para patógenos que apresentam maior risco à sociedade no momento.<ref name=":4" />

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica várias espécies como patógenos de Risco Nível 3, ou seja, apresentam alto risco para as pessoas afetadas, mas não se transmitem facilmente entre elas.<ref>{{citar periódico |último1=Schwarz |primeiro1=Patrick |último2=Dannaoui |primeiro2=Eric |último3=Gehl |primeiro3=Axel |último4=Felske-Zech |primeiro4=Heike |último5=Birngruber |primeiro5=Christoph G. |último6=Dettmeyer |primeiro6=Reinhard B. |último7=Verhoff |primeiro7=Marcel A. |data=2015-07-01 |título=Molecular identification of fungi found on decomposed human bodies in forensic autopsy cases |url=https://doi.org/10.1007/s00414-014-1118-6 |publicação=International Journal of Legal Medicine |língua=en |volume=129 |número=4 |páginas=785–791 |doi=10.1007/s00414-014-1118-6 |pmid=25398636 |s2cid=22804061 |issn=1437-1596}}</ref><ref>{{citar web |último=U.S Department of Health and Human Services |data=2015-11-13 |título=Risk Groups |url=https://www.phe.gov/s3/BioriskManagement/biosafety/Pages/Risk-Groups.aspx#:~:text=WHO%20Risk%20Group%203%20(high,and%20preventive%20measures%20are%20available. |urlmorta=não |acessodata=2022-04-14 |website=Public Health Emergency - Science Safety Security}}</ref>

Essas espécies incluem:

* ''Blastomyces dermatitidis''
* ''Cladophialophora bantiana''
* ''Coccidioides immitis''
* ''Coccidioides posadasii''
* ''Histoplasma capsulatum''
* ''Paracoccidioides brasiliensis''
* ''Penicillium marneffei''
* ''Rhinocladiella mackenziei''

== Crescimento de Mofo em Edifícios ==
O crescimento de mofo ocorre comumente em ambientes úmidos e úmidos e é frequentemente encontrado em edifícios.<ref name=":0" /> Esses crescimentos podem afetar pessoas imunocomprometidas ou com alergias a esses organismos e devem ser investigados quando ocorre uma morte relacionada a fungos.<ref name=":0" /> Evidências desses crescimentos também podem ser usadas em processos judiciais civis ou reivindicações de seguro por danos causados pela água.<ref name=":0" /> Algumas espécies comuns encontradas em edifícios são ''Aspergillus glaucus, Aspergillus niger, Cladosporium cladosporioides, Cladosporium herbarum'' e ''Stachybotrys chartarum'', entre outras.<ref name=":0" />


{{Referências}}
{{Referências}}


[[Categoria:Ciência forense]]
[[Categoria:Ciência forense]]
[[Categoria:Micologia]]

Revisão das 00h40min de 14 de junho de 2023

Micologia forense é o uso da micologia em investigações criminais.[1] A micologia é utilizada para estimar o tempo de morte ou eventos por meio das taxas de crescimento conhecidas dos fungos, fornecendo evidências indiciárias, e localizando cadáveres.[1] Também inclui rastreamento do crescimento de mofo em edifícios, o uso de fungos em guerra biológica, e o uso de variedades de fungos psicotrópicos e tóxicos como drogas ilícitas ou causas de morte.[1][2]

Intervalo Pós-Morte

A taxa constante de crescimento dos fungos é usada para determinar o intervalo pós-morte e ajudar os investigadores a identificar o momento da morte. Tradicionalmente, os médicos legistas se baseiam no resfriamento do corpo, nível de decomposição e/ou sucessão de insetos.[3] Foi observado que os fungos estão presentes em corpos mortos, mas, até recentemente, acredita-se que fossem pouco mais do que outro organismo que auxilia na decomposição.[3] Não há limite para as espécies de fungos ou partes do corpo que podem ser usados nesse processo, desde que as condições na cena possam ser experimentalmente recriadas.[3]

H. van de Voorde e P. J. Van Dijck da Universidade Católica de Leuven foram os primeiros a utilizar o crescimento fúngico recriado para determinar o intervalo pós-morte em 1980.[4] Nesse caso, uma mulher, que morava sozinha, foi encontrada morta em uma casa com temperatura controlada, com ferimentos de faca no peito e crescimento fúngico em seu rosto e abdômen inferior.[4] O corpo já havia resfriado para 12 °C, a temperatura ambiente, e não apresentava sinais de colonização por insetos, o que dificultava a determinação precisa do intervalo pós-morte.[4] Van de Voorde e Van Dijck registraram o tamanho do crescimento fúngico no olho e obtiveram uma amostra.[4] Essa amostra foi incubada em condições semelhantes às do cadáver, e o tempo necessário para crescer a colônia até o tamanho encontrado no corpo foi usado para determinar o intervalo pós-morte e, posteriormente, o momento da morte, que foi confirmado pela confissão do assassino.[3][4] Além do tamanho, fases distintas de crescimento fúngico podem ser usadas para auxiliar na determinação pós-morte.[4] Cronologicamente, essas fases incluem a formação de micélio de substrato, desenvolvimento de micélio aéreo, esporulação e mudanças de cor pós-esporulação.[4]

Múltiplos fatores ambientais, como umidade e temperatura, podem afetar o crescimento desses organismos, o que deve ser levado em consideração ao tentar reproduzir as condições para crescimento comparativo.[2]

Localização de Locais de Sepultamento

O descarte de corpos, frequentemente em áreas remotas arborizadas, é comumente utilizado para esconder evidências cruciais no processo investigativo.[3][5] Essas covas rasas possuem altos níveis de nutrientes provenientes da decomposição do corpo, o que torna o solo circundante rico em nitrogênio e outros compostos atrativos para o crescimento de fungos.[5] Esses ambientes são ideais para a colonização de fungos pós-putrefação e de amônia, sendo os cogumelos um indicador comum de sepultamentos clandestinos.[5]

Os fungos de amônia são comuns em ambientes com alto teor de compostos nitrogenados.[5] Estudos constataram que a amônia, produto da decomposição desses compostos, é essencial para a frutificação desses tipos de fungos.[5] Quando os fungos estão em proximidade com um sepultamento, eles são denominados fungos pós-putrefação.[5] Embora haja considerável sobreposição entre essas duas classificações, existem algumas espécies que não se enquadram em ambas as categorias. Por exemplo, o Rhopalomyces strangulatus é encontrado em ou ao redor de carcaças, mas não depende de amônia para a frutificação, enquanto o Coprinus echinosporus precisa de compostos nitrogenados, mas é encontrado em ambientes sem restos.[5][6] Fungos dessas categorias só foram relatados em ecossistemas florestais, especialmente em restos de mamíferos e aves, bem como em alguns ninhos de vespas.[5]

A natureza geotrópica dos fungos também os torna um indicador ideal de perturbação de local de sepultamento. O estipe, comumente referido como o 'caule', sempre cresce verticalmente, enquanto o píleo, ou 'chapéu', cresce horizontalmente.[3] Após serem perturbados, esses cogumelos se reorientam e podem ser subsequentemente usados pelos investigadores para determinar o movimento de uma cena de crime.[3]

Evidências Traços

Esporos fúngicos e pólen são frequentemente utilizados como evidências traços micológicas.[2] A transferência dessas partículas microscópicas ocorre por contato entre objetos ou pessoas, em conjunto com o Princípio da Troca de Locard. Isso se enquadra na subdisciplina da palinologia forense.

Os esporos fúngicos são semelhantes aos esporos de pólen, pois podem ser rastreados até uma determinada localização, conferindo-lhes valor probatório como evidência traço. Eles também têm a capacidade distinta de crescer em lugares onde as plantas não conseguem, como pedra, couro, plástico, tijolo e azulejo, aumentando as chances de encontrar esporos fúngicos microscópicos.[7]

Espécies Ilícitas e Venenosas

Psilocybe semilanceata (Chapéu de Liberdade), um cogumelo comum contendo psilocibina

Os seres humanos têm um histórico documentado de ingestão de fungos, principalmente cogumelos, sejam eles comestíveis, psicoativos ou venenosos.[3]

O início e a gravidade dos sintomas após o consumo de espécies não comestíveis dependem da espécie, da tolerância da pessoa e da quantidade consumida.[3] Os sintomas podem variar de leve desconforto a distúrbios gástricos graves e, às vezes, morte.[3] Os sintomas também podem parecer inicialmente semelhantes aos produzidos por outras condições médicas (por exemplo, infarto cerebral).[2] Devido à maioria dos fungos serem consumidos e processados pelo sistema digestivo, é comum haver casos de envenenamento em que não há espécimes intactos restantes e/ou onde a digestão já começou.[2][3] Se esse for o caso, a análise de remanescentes fúngicos, como organismos parcialmente digeridos ou esporos microscópicos, pode ser realizada no conteúdo estomacal e intestinal.[3] Uma análise adicional do intestino inferior pode ser necessária em casos em que o envenenamento foi de ação lenta e o conteúdo já tenha sido digerido.[2]

Fungos Psicoativos

Certas espécies de fungos também possuem qualidades psicoativas quando ingeridas, conhecidas coloquialmente como "cogumelos mágicos".[2] Essas qualidades são derivadas de substâncias presentes nos fungos, como psilocibina, psilocina e amanitina.[3] As concentrações de substâncias psicoativas nesses fungos variam, mesmo dentro das espécies, devido a fatores ecológicos e biológicos.[3] A partir da Convenção da ONU de 1971, a posse e o uso dessas substâncias e dos fungos dos quais elas são derivadas são estritamente controlados, sendo que a psilocibina e a psilocina são completamente proibidas.[3]

Guerra Biológica

O uso de fungos em bioterrorismo remonta a 600 a.C., quando os assírios usaram o fungo ergot do centeio (Claviceps purpurea) para contaminar poços inimigos.[8] Atualmente, os fungos que representam o maior risco para o público são um conjunto específico de fungos que produzem uma variedade de micotoxinas diferentes, dependendo da espécie.[9] Essas toxinas estão mais presentes em produtos alimentícios, como nozes, frutas secas e grãos. Elas também podem ocorrer no solo, em vegetação em decomposição e na ração animal.[9] Os efeitos variam de doenças graves de curto prazo a condições crônicas, algumas das quais podem levar à morte.[9]

A maior limitação para o uso desses agentes como arma biológica é a dificuldade de dispersão e transmissão entre humanos.[10] Em abril de 2022, o CDC não lista atualmente nenhum agente fúngico em suas categorias A ou B para agentes biológicos, que são reservadas para patógenos que apresentam maior risco à sociedade no momento.[10]

A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica várias espécies como patógenos de Risco Nível 3, ou seja, apresentam alto risco para as pessoas afetadas, mas não se transmitem facilmente entre elas.[11][12]

Essas espécies incluem:

  • Blastomyces dermatitidis
  • Cladophialophora bantiana
  • Coccidioides immitis
  • Coccidioides posadasii
  • Histoplasma capsulatum
  • Paracoccidioides brasiliensis
  • Penicillium marneffei
  • Rhinocladiella mackenziei

Crescimento de Mofo em Edifícios

O crescimento de mofo ocorre comumente em ambientes úmidos e úmidos e é frequentemente encontrado em edifícios.[2] Esses crescimentos podem afetar pessoas imunocomprometidas ou com alergias a esses organismos e devem ser investigados quando ocorre uma morte relacionada a fungos.[2] Evidências desses crescimentos também podem ser usadas em processos judiciais civis ou reivindicações de seguro por danos causados pela água.[2] Algumas espécies comuns encontradas em edifícios são Aspergillus glaucus, Aspergillus niger, Cladosporium cladosporioides, Cladosporium herbarum e Stachybotrys chartarum, entre outras.[2]

Referências

  1. a b c Forensic mycology: the use of fungi in criminal investigations, Forensic science international (Fator de impacto: 2.1). 03/2011; 206(1-3):1-11. DOI: 10.1016/j.forsciint.2010.06.012], [1]
  2. a b c d e f g h i j k Hawksworth, David and Wiltshire, Patricia E. J. (10 de dezembro de 2015). «Forensic mycology: current perspectives». Research and Reports in Forensic Medical Science. 5: 75–83. doi:10.2147/RRFMS.S83169Acessível livremente – via ResearchGate 
  3. a b c d e f g h i j k l m n o Tranchida, M. C.; Pelizza, S. A.; Elíades, L. A. (2 de janeiro de 2021). «The use of fungi in forensic science, a brief overview». Canadian Society of Forensic Science Journal (em inglês). 54 (1): 35–48. ISSN 0008-5030. doi:10.1080/00085030.2020.1869390 
  4. a b c d e f g van de Voorde, H.; Van Dijck, P. J. (1 de outubro de 1982). «Determination of the time of death by fungal growth». Zeitschrift für Rechtsmedizin (em inglês). 89 (2): 75–80. ISSN 1437-1596. PMID 7180212. doi:10.1007/BF02092372 
  5. a b c d e f g h Tibbet, Mark and Carter, David O. (fevereiro de 2003). «Mushrooms and taphonomy: The fungi that mark woodland graves». Mycologist. 17 (1): 20–24. doi:10.1017/S0269915X03001150 – via ResearchGate 
  6. Sagara, Naohiko (31 de dezembro de 1995). «Association of ectomycorrhizal fungi with decomposed animal wastes in forest habitats: a cleaning symbiosis?». Canadian Journal of Botany (em inglês). 73 (S1): 1423–1433. ISSN 0008-4026. doi:10.1139/b95-406 
  7. Hawksworth, David; Wilkshire, Patricia (20 de março de 2011). «Forensic mycology: the use of fungi in criminal investigations». Forensic Science International. 206 (1-3): 1-11 – via National Center for Biotechnology Information 
  8. U.S. Army Medical Research Institute of Infectious Diseases (agosto de 1996). Medical Management of Biological Casualties (em inglês). Frederick, Maryland: U.S. Army. 4 páginas 
  9. a b c «Mycotoxins». www.who.int (em inglês). Consultado em 14 de abril de 2022 
  10. a b «CDC | Bioterrorism Agents/Diseases (by category) | Emergency Preparedness & Response». emergency.cdc.gov (em inglês). 15 de maio de 2019. Consultado em 14 de abril de 2022 
  11. Schwarz, Patrick; Dannaoui, Eric; Gehl, Axel; Felske-Zech, Heike; Birngruber, Christoph G.; Dettmeyer, Reinhard B.; Verhoff, Marcel A. (1 de julho de 2015). «Molecular identification of fungi found on decomposed human bodies in forensic autopsy cases». International Journal of Legal Medicine (em inglês). 129 (4): 785–791. ISSN 1437-1596. PMID 25398636. doi:10.1007/s00414-014-1118-6 
  12. U.S Department of Health and Human Services (13 de novembro de 2015). «Risk Groups». Public Health Emergency - Science Safety Security. Consultado em 14 de abril de 2022