Discussão:Clarice Lispector

Clarice Lispector e sua "história interrompida" Do livro A Bela e a Fera

por Emilly Morais (Universidade Católica Dom Bosco) [1]

- Clarinha disse que ele se matou! Se matou com um tiro na cabeça... É verdade, é? É mentira, não é?

História interrompida mostra a ansiedade quase mortal de mais uma protagonista anônima de Clarice Lispector. Uma jovem de 22 anos, sonhadora, feliz bastante com uma tarde de verão e que de repente flagra-se apaixonada por W..., sujeito obscuro, metódico, frio, triste e alto.

Ele era triste e alto. Jamais falava comigo que não desse a entender que seu maior defeito consistia na sua tendência para a destruição.

W... vivia num universo fechado, alheio a influência dos joviais vinte e dois anos de sua admiradora. Sentia e carregava o mundo nas costas. Intimamente refutava a conduta humana ao passo que desvendava as intimidades da jovem apaixonada. Sua postura diante da protagonista conferiu-lhe o papel de pivô da história, inerte, pronto a defender-se de forma agressiva, despertou a teimosia da moça.

Sempre aparentando distância de um sentimento supostamente a ele atribuído, o amor, W... seguiu sua destruição e sobrepujamento. De súbito, como o instantâneo nascimento de uma idéia, a protagonista anônima, inspirou-se a salvá-lo das garras de seu próprio martírio. Ela, disposta a impor seus vinte e dois anos, planejou seu golpe de misericórdia. Iria se casar com W...

Não, não. Nada de perguntas. - W..., nós vamos casar.

Sua inspiração transmutada em ansiedade mortal, só se acalmava com a constante repetição de palavras que matavam o sentido de seus sentimentos: "Vida", "Mundo", "Deus", "Eternidade". Sua serenidade retornava lentamente, desta forma, a jovem conseguia manter-se calma e esperar o próximo dia para contar a novidade a W...

Mira, a irmã mais nova, de 14 anos, esbaforida, deu a notícia.

E repentinamente a história se partiu. Nem teve ao menos um fim suave.

in:A bela e a fera. 2ª ed. Editora Nova Fronteira. Rio de Janeiro, 1979.