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O Último Amor do Príncipe Genghi: diferenças entre revisões

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Revisão das 14h41min de 28 de novembro de 2004

O Último Amor do Príncipe Genghi de Marguerite Yourcenar (1903-1987)



Biografia

Marguerite de Crayencour nasceu em Bruxelas em 1903 numa família aristocrática, de mãe belga , que morreu dias depois do seu nascimento, e de pai francês. Desde muito cedo aprendeu inglês, latim e grego. Em 1914 parte com o pai para Paris e, desde essa altura, a maior parte da sua vida vai vivê-la em viagens, sobretudo através da Itália e da Grécia. Começou a escrever na adolescência e continuou a fazê-lo depois da morte do pai que a deixou numa situação financeira confortável. Levou vida de nómada até ao eclodir da 2ª Guerra Mundial, altura em que se fixou nos Estados Unidos. Naturalizou-se americana em 1947. O nome Yourcenar é um anagrama imperfeito do seu nome original Crayencour. As obras literárias de Yourcenar são notáveis pelo seu estilo clássico, a sua erudição e subtileza psicológica. Nos seus livros mais importantes, recria eras e personagens do passado, meditando sobre o destino humano, a moralidade e o poder. A sua obra prima Memórias de Adriano (1951) é um romance histórico sobre as memórias fictícias do imperador do século II . Outro romance histórico, A Obra ao Negro (1968) é uma biografia imaginária de um alquimista e erudito do século XVI. Yourcenar traduziu numerosos romances ingleses e americanos para a língua francesa. Em 1981 torna-se a primeira mulher membro da Academia Francesa, instituído em 1635 por Richelieu. Para se ser membro da Academia Francesa é necessário ter a nacionalidade francesa. Yourcenar tinha-se tornado americana, no entanto, o Presidente da República Francesa concedeu-lhe a dupla nacionalidade em 1979. Em Outubro de 1987, foi-lhe atribuído o Grande Prémio Escritor Europeu do Ano, em Estrasburgo, durante o I Festival Europeu de Escritores. Não se assumindo como fazendo parte de nenhuma corrente literária, Marguerite Yourcenar é mundialmente consagrada como uma das maiores escritoras contemporâneas.


O Conto

Para escrever este conto “O último amor do príncipe Genghi”, Marguerite baseou-se no “Conto de Genghi”, uma obra-prima da literatura japonesa do século XI que fez parte dos monogarati (narrativas em prosa e verso). Em cinquenta e quatro capítulos narra a juventude e maturidade de Genghi, o “príncipe brilhante”, cujo maior talento era a arte do Amor, a mais apreciada na corte. Na última parte, é dominante o princípio budista que aponta para a consciência do efémero. Da autora, Mourasaki Shikibu, sabe-se que morreu a cerca de 1014 e que, tendo entrado ao serviço de Shoshi, uma das consortes do imperador Ichijo, fez parte de um brilhante grupo literário de mulheres, estimulado pela rivalidade existente entre as alas de Shoshi e a de Teishi, outra das esposas do imperador.


Nota da autora da novela

“Em “O último Amor do Príncipe Genghi”, as personagens e o quadro da narrativa foram colhidos (...) num grande texto literário do passado, no admirável romance japonês do século XI Genghi Monogatari, (...), que relata em seis ou sete volumes as aventuras de um Don Juan asiático de grande estilo. Mas, com uma delicadeza muito característica, Mourasaki “escamoteia” por assim dizer a morte do seu heróis e passa do capítulo em que Genghi já viúvo decide retirar-se do mundo para aquele em que o seu próprio fim é um facto consumado. A novela que acabam de ler pretende, se não preencher esta lacuna, pelo menos permitir imaginar o que teria sido esse epílogo se a própria Mourasaki o tivesse composto.”


– O Espaço e o Tempo integrado na estória –

Esta parte do trabalho destina-se à identificação do Espaço e do Tempo. No entanto, não me poderia referir nem ao Espaço nem ao Tempo se não os assimilasse ao texto.

Logo no início do texto, com “Quando Genghi (...) que jamais surpreendeu a Ásia”, a escritora dá-nos uma ideia inicial de Espaço. Portanto, já sabemos que Genghi é um homem asiático, e por isso está incluído numa das inúmeras cidades, vilas ou aldeias em que a Ásia é fértil. Não nos deixando a imaginar erroneamente a estatura e o porte do personagem principal, Yourcenar, escritora do texto, diz-nos que esse personagem se encontra muito próximo do fim da vida. Tinha cinquenta anos, e aprecebeu-se que tinha de começar a morrer. Sabemos, igualmente, que possuí pelo menos três esposas. No texto, há referência a apenas duas, a saber: o nome de sua segunda esposa, Murasaki, a princesa Violeta, e ainda o título da sua terceira mulher, a Princesa do Palácio do Poente. Isto poderia indicar-nos a idade avançada do personagem, ou não.

Depois de Genghi se dar conta de que, daquela vez, sabia que lhe restava o papel de velho, apenas, distribuiu os seus bens, reformou os servos e preparo-se para morrer numa “casita” na encosta de uma montanha local. Aqui, Yourcenar, começa a isolar o seu personagem de todo o mundo no qual foi educado. E, portanto, há uma mudança de espaço. Genghi deixa para trás a sua bem-amada cidade, numa manhã, rumando a essa montanha. Para os amigos que o iriam acompanhar, o príncipe ainda era muito belo, denotando uma certa nostalgia, de tempos de juventude e infância, em que juntos tinham as suas aventuras. Puseram-se, então, a caminho, e demoraram três dias a alcançar o eremitério, situado num campo silvestre, num bordo centenário. A árvore revestia o telhado de colmo, como ouro, pois estavam em Outono. A esta altura, há um pequeno flashback à “turbulenta” juventude de Genghi, comparando o espaço de fim da vida com o espaço de juventude, considerando aquele mais simples e mais duro que este. Um pouco depois (falando ao nível do texto, sendo o “pouco depois” um pouco depois da linha que referi na análise anterior), é anunciado os primeiros frios, o Inverno (“Breve se anunciaram os primeiros frios” (linha 10 da página 160 do manual) ). Os hábitos quotidianos de Genghi são salientados com a frase temporal “Da aurora ao crepúsculo”, durante o amanhecer até ao anoitecer, em que lia as Escrituras. E foi aí que se apercebeu de que estava a perder a visão, estando a ficar cada vez mais próximo da morte.

Após bastantes linhas, surge um personagem a entrar em contacto com o príncipe, a Dama-da-aldeia-das-flores-que-caem, após bastante tempo sem obter resposta às suas cartas enviadas ao príncipe, e há uma nova alusão temporal - “Foi na época em que (...) reconhecia ainda o rosto dos que o visitavam, quando se aproximavam de muito perto” – indiciando uma fase agravada de sua cegueira. E então, psicologicamente, Genghi recorda os dias mortos e os dias de palácio.

Genghi estava, pela primeira vez na vida, a ser cruel, e a Dama observava o progresso da cegueira do príncipe, esperando pelo Fim. Quando isso aconteceu, a nova personagem dirigiu-se para o sítio do fim de vida de Genghi, na Primavera do comum, no Inverno do princípe. Chovia, e a noite estava a cair não tardava muito. O personagem principal achava-se a passear despreocupadamente. Em espírito, não estava lá. Estava longe, só, velho, vazio e embaciado e transmitia decrépicidade, espelhando o que nunca foi. Estava perto do fim, verdadeiramente.

Dirigiu-se para perto da Dama, arrasada por vê-lo, que se chamava Ukifune, filha de So-Hei, cujas palavras se lhe dirigiam: estava perdida, e “ensopada até aos ossos”. Genghi ofereceu-lhe o calor do seu lar e de sua lareira, embora esta ja estivesse a arder havia muito. A dita Ukifune, então, despe-se (uma vez que o príncipe se dizia cego), denotando-se jovialdade e é então que há um novo dado temporal: o príncipe cego ainda não estava completamente cego. É pouco depois que ficamos a saber o tempo de namoro e paixão entre a Dama-da-aldeia-das-flores-que-caem, dezoito anos de amor, e como que houve um renascer, um último primeiro amor, para Genghi e para a Dama. É com isto que o príncipe que já não queria ser príncipe se lembra de que era príncipe, e amaldiciou a Dama, pois “acabas de trazer-me a lembrança do meu pior inimigo, o belo príncipe de olhar aceso cuja imagem me traz desperto todas as noites...”.

Seguiram-se semanas, e o príncipe estava só. Mas, passado dois meses, a Dama-da-aldeia-das-flores-que-caem volta a tentar conquistar o coração de Genghi, endurecido pelo tempo. Era noite quando se aproximou do casebre do ex-príncipe, e era Verão, tempo dos grilos. Apresentou-se com uma nova identidade, sendo Chujo, mulher de Sukazu, fidalgo de sétima ordem de Yamato, e foi então que confirmou a cegueira total de seu antigo amante. Estava um tempo quente e a noite era luminosa, estando a Lua a olhar para Genghi, qual figura de Jade, a partir do firmamento, e, passado um bocado, um pouco longo, também a olhar para Chujo.

No dia seguinte, de manhã cedo, Genghi elogia a Dama, e refere-se a ele próprio em retrospectiva, enaltecendo ainda mais a Dama, e lembrando tempos passados. E foi com a resposta que a personagem chamada Genghi mudou de modos. Até então, poder-se-ia julgar que o príncipe, que já não queria ser príncipe, queria esquecer o seu passado. No entanto assim não parece, porque quando a Dama exclama: “Nunca ouvi falar do príncipe Genghi”, este fica amargado, pois pensa que todos o já não lembram! Então torna-se, durante esse dia, taciturno. No entanto, o que queria que acontecesse aconteceu, e havia algo que o deixou, até certo ponto, feliz.

Eis que chega o Outono, novamente, [Aqui Yourcenar usa uma bela figura de estilo, comparando as árvores, que desde o início são referidas ao mudar uma Estação, a “fadas vestidas de ouro e púrpura”, que embora belas, são efémeras e mortais. Não resisti em referi-la.] e aos poucos, a Dama-da-aldeia-das-flores-que-caem vai contando a Genghi alguns promenores dele próprio, sem nunca ultrapassar o carácter pouco ostensivo. E a toda a hora, a Dama encantava o ex-princípe.

Pelo fim do Outono, chegaram as pestes. Nesta época, que se pensa ser por volta do ano mil depois de Cristo, os surtos de doença, nomeadamente na Ásia, eram enormes e fatais. Neste caso, o próprio personagem principal, já doente, deitou-se, tendo a certeza que nunca mais iria levantar-se. É aqui que tenho de transcrever uma parte do texto – “Envergonhava-se da sua fraqueza e dos cuidados humilhantes a que a doença o obrigava frente à Dama, mas àquele homem, que toda a sua vida procurara em cada experiência aquilo que ela tinha simultaneamente de mais único e de mais dilacerante, apenas restava provar o que aquela intimidade nova e miserável entre dois seres acrescentava às estreitas doçuras do Amor”- para simplesmente dizer que a figura que me aparece à frente, é a de um velho puro-sangue, que em tempos foi belo e altivo, reduzido, agora, a quase cinza, quase pó, quase nada. Um mentiroso cobarde, a morrer, a morrer, a morrer. Numa certa manhã, estando a Dama a massajar-lhe as pernas, Genghi levanta-se um pouco, o pouco que a doença lhe concede, e diz-lhe a verdade: sim, era ele, o Príncipe Genghi! No entanto, a Dama parece ter assumido o seu papel de Chujo até ao fim dos tempos, pois não quis saber se ele era Genghi. De facto, não necessitava de o ser para ser amado! E desde que a cegueira se tinha apossado dele, nunca tinha sentido aquela sensação, a sensação de brilho orgulhoso nos olhos, expressada pelos seus lábios.

É pois, então, que acontece a melhor parte do conto, com um discurso lânguido e derradeiro, em jeito de testamento - “Vou morrer. Não me queixo de uma sorte que partilho com as flores, com os insectos, com os astros. Num universo onde tudo passa como um sonho, seria censurável durar sempre. Não me queixo de que as coisas, os seres, os corações sejam perecíveis, porquanto parte da sua beleza é feita de infortúnio. O que me aflige é que sejam únicos. Antigamente, a certeza de obter em cada instante da minha vida uma revelação que não mais se repetiria constituía o que havia de mais luminoso nos meus prazeres secretos: agora, morro envergonhado como um privilegiado que tivesse assistido sozinho a uma festa sublime que apenas terá lugar uma vez. Queridos objectos, apenas tendes por testemunha um cego à beira da morte... Outras mulheres hão-de florescer, tão sorridentes como as que amei, mas o seu sorriso será diferente, e aquele sinal que me apaixonava na sua face de âmbar ter-se-á deslocado a espessura de um átomo. Outros corações hão-de ceder ao peso de um amor insuportável, mas não serão nossas as suas lágrimas. Mãos húmidas de desejo continuarão a enlear-se sob as amendoeiras em flor, mas nunca a mesma chuva de pétalas se desfolha duas vezes sobre a mesma felicidade humana. Ah! Sinto-me como um homem levado pela cheia, que quisera encontrar ao menos um quinhão de terra seca para aí deixar algumas cartas amarelecidas e alguns leques de cores já desbotadas...Que será de ti quando já aqui não estiver para me enternecer contigo, Recordação da Princesa Azul, minha primeira mulher [refere-se, pela primeira vez, no conto, à primeira mulher do príncipe], em cujo amor apenas acreditei no dia seguinte da sua morte? E de ti também, desolada Recordação da Dama-do-Pavilhão-das-Volúveis, que morreu nos meus braços porque uma rival ciumenta teimara em ser a única a amar-me? E de vós, insidiosas Recordações da minha demasiado bela madrasta e da minha demasiado jovem esposa, que se encarregaram de me ensinar à vez quanto se sobre ao ser-se o cúmplice ou a vítima de uma infidelidade? (...) E sobretudo de ti, de ti, deliciosa Recordação da pequenina Chujo que neste momento me massaja os pés e nem tempo terá de ser recordação? Chujo, que gostaria de ter encontrado mais cedo na minha vida; mas também é justo haver frutos reservados para o Outono mais tardio...” – em que Genghi, nos momentos finais, abençoa a vida que teve, debate consigo próprio a justiça da vida, e, pela última vez, recorda tudo o que passou, o bom, o mau. Esta parte é de uma beleza extrema, e é o discurso que demora mais tempo. No entanto esse discurso deve ter demorado pouco mais que quatro, cinco minutos talvez, enquanto que em duas palavras, se salta de uma Estação para outra.

E triste, triste pela justiça, triste pelas recordações, triste por ter que morrer, e por ser justa a morte, deixa tombar a sua exausta cabeça, sendo este o fim do belo príncipe.

Em esperança, a Dama-da-aldeia-das-flores-que-caem tenta evocar em Genghi um nome, o seu, para confirmar o quão importante foi na vida do ex-princípe. Mas ele já nada podia dizer ou exclamar, pois já estava numa imensa liturgia, da qual ninguém acorda.


– Balanço Final –

Este é, pois, um pequeno trabalho sobre o belo texto chamado “O último amor do príncipe Genghi”, podendo muito mais ser dito. Não me fiquei, apenas, pela análise espacio-temporal, simplesmente porque achei que muito mais teria que ser dito. Se a professora considerar que me devia apenas ter cingido ao que me comprometi, basta apenas ignorar a maior parte da prosa, e apenas ler as referências ao espaço e ao tempo.


Em suma, podemos dizer, concretamente, que a acção se passa há algum tempo atrás. A narração começa com um personagem com uma idade de cinquenta anos. Podemos, então, juntar mais uns dias, sendo eles os de preparação e viagem para o eremitério. Mais tarde, várias vezes durante o texto, e a par das referências temporais diárias, há referências às quatro estações do ano. No início do conto, a estação é a do Outono (“como era Outono” linhas 2 e 3 do 2º parágrafo), mais tarde muda para a Primavera (“A chuva miúda da Primavera caía” linhas 14 e 15 do 7º parágrafo), e depois para o Verão (“O Verão chegara à montanha antes dela” linha 1 do 29º parágrafo) e novamente para o Outono (“O Outono chegou” linha 1 do 47º parágrafo). Há ainda referência ao final do Outono, e, por isso, uma alusão à ameaça do Inverno que, a meu ver, é propositada, uma vez que os dois Invernos (da vida de Genghi e do tempo atmosférico) coincidem. Podemos também concluir, que o texto se baseia num ano da vida de Genghi, aproximadamente (Isto porque cada estação tem três meses. Temos quatro estações, logo doze meses, um ano).

Quanto ao espaço, sabemos apenas que a acção decorre na Ásia e, a julgar pelos nomes (e pela História de Genghi (segundo Yourcenar), ver “Nota da autora da novela”), num país nipónico, nomeadamente o Japão. Sabemos também que o conto começa na cidade de um príncipe, talvez a capital do País, uma vez que estava ligada ao Imperador, e que depois, ao longo de toda a novela, se desenrola numa pequena casita (e arredores) na encosta de uma montanha local, a três dias de caminho, à beira de uma àrvore centenária. Além do espaço físico, psicologicamente, Genghi faz viagens ao passado, com uma terrível nostalgia, acabando por ser esse o desfecho do conto, um testamento de memórias e opiniões.




O texto é de uma beleza imensa, sendo a minha parte favorita a da despedida de Genghi, o que não me surpreendeu, visto já ter ligo a “Obra ao Negro” de Marguerite Yourcenar. No entanto, o que verdadeiramente me surpreendeu, foi o facto de o texto ser de fácil compreensão, e que retrata a vida simples de um homem que gostava de ser simples.

-André Silva-