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Dialética: diferenças entre revisões

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Revisão das 03h05min de 17 de maio de 2004

Dialética

Num sentido materialista, é a teoria e o método de exposição do automovimento do dinheiro na sociedade capitalista – ou, melhor dizendo: "dialético", num sentido rigoroso, é tão somente o movimento objetivo e auto-reflexivo da valorização do Valor, erigido em sujeito (capital). A dialética sistematizada por Hegel é tão-somente a especulação metafísica e ideológica, historicamente exata e conseqüente, do movimento econômico cego e fetichista da sociedade burguesa moderna. Falsa é, portanto, a tentativa de imortalizá-la como condição humana ontológica ou princípio positivo demiurgo da natureza e da vida em geral. A dialética torna-se então uma teoria historicamente determinada, tal como a teoria do valor.

Pois como método, a dialética sempre dependerá da Razão (Vernunft) especulativa, vale dizer, do postulado teórico da unidade dos contrários – e aquilo que isso significa concretamente: a totalização e unificação coercitiva violenta das diferenças reais num fundamento subjetivo abstrato. E é desta unificação racional especulativa de todas as determinações analíticas, postas pelo Entendimento (Verstand), que se pensa qualquer movimento como superação (Aufhebung): todo o Ser, toda a realidade natural e cultural é deduzida a partir da razão do sujeito monadológico, e assim forçosamente espiritualizada e reconciliada na Idéia transcendente. A "filosofia do sujeito" e o panlogismo são congênitos ao pensamento dialético. A dialética, assim, mesmo que invertida pelo materialismo, é inseparável do idealismo absoluto de Hegel. Pois o materialismo não pode recusar o idealismo metafísico de forma abstrata, mas precisa restringir-se à sua crítica imanente (seguindo a lição da própria dialética hegeliana): é assim que o valor apresenta-se como fundamento "metafísico-real" da sociedade moderna, pois esta opera verdadeiramente como uma metafísica social, historicamente determinada, tal como pressupõe a teoria marxista do fetichismo da mercadoria.

Assim, o postulado metafísico do desenvolvimento histórico-natural das contradições - de que tudo na realidade está em processo de construção ou destruição - remete socialmente ao movimento cego e contraditório do valor, feito "por trás das costas" dos agentes reais que, fazem sim a história, mas sem o saber. Por isso, deve-se levar a sério o teorema hegeliano de que "a substância é sujeito" (Fenomenologia do Espírito, Introdução): o valor – cuja substância é o trabalho – é a fonte originária do Negativo que, erigido em Sujeito (valor capitalizado), a tudo transforma, mobiliza, inter-relaciona e subsume, estabelecendo mediações, superando as contradições que ele mesmo pôs para si, enfim, reproduzindo seus pressupostos e sobrevivendo mumificado, como que repousando em si mesmo, como o único sujeito verdadeiro da modernidade. E se para Hegel isto era o triunfo da Razão, para o materialismo trata-se da destruição da realidade social-natural e da própria racionalidade ocidental. Com a forma dialética de pensar, o Iluminismo projeta pela última vez a esperança da reconciliação social, mas também o cativeiro da imanência eterna à forma-valor, assegurado inclusive, nos Princípios da Filosofia do Direito, pelos cães de guarda do Estado forte.

O mistério social constituído pelo fetichismo é esclarecido pelo pensamento dialético materialista justamente através da pesquisa da mediação real dos vários momentos da vida – aparentemente isolados, positivos e externamente diferenciados – pela totalidade do processo de valorização do capital. Para o materialismo isso corresponde ao rebaixamento de tudo a simples meio instrumental da valorização, e por isso, ele dirige-se, tal como diz Adorno na Dialética Negativa, ao particular, àquilo que resiste sob o peso esmagador do falso universal, isto é, àquilo que nega, se move e escapa às redes da troca mercantil. A contradição é sentida dolorosamente. Não pode ser simplesmente apagada por um furtar de olhos, para o desejado reino da pura diferença e do imediato (como no pensamento pós-moderno atual), mas tem de ser enfrentada pela crítica imanente. Pois quem pensa sem dialética na sociedade da mercadoria é vítima da contradição lógica, e cedo ou tarde é obrigado a se contradizer subjetivamente. Pois tudo no capitalismo tende a se inverter em seu contrário: a troca de equivalentes torna-se troca de não-equivalentes e desigualdade social, a racionalidade individual torna-se irracionalidade social, a atividade concreta "consciente" torna-se trabalho abstrato inconsciente, o humanismo torna-se anti-humanismo, ou, este último, o anti-humanismo, pretensamente destruidor da metafísica, torna-se a apologia das condições sociais realmente metafísicas do existente (pós-modernismo). O próprio valor desvaloriza-se no tempo e torna-se potencialmente riqueza material sem valor.

Como sempre, o marxismo tradicional quis ontologizar aquilo que é historicamente determinado: agora a dialética. Em suas mãos ela virava bruxaria metodológica. Como "dialética do processo de trabalho" (o próprio Marx nas linhas em que segue as especulações hegelianas a respeito da atividade produtiva em geral), como "dialética da luta de classes" (o proletariado convertido em "sujeito oculto" da modernidade, tal como em Lukács), como "dialética da natureza" (Engels) ou ainda, talvez no pior dos casos, como no "ABC da dialética materialista" (Trotsky) ou nas "leis da dialética (do socialismo científico)" (Engels, Stalin etc.) temos a conversão da dialética num método subjetivo, como pura Forma platônica que se aplica a qualquer conteúdo da realidade. O marxismo falsamente ontologizado simplesmente ignorava que jazia sob seus pés apenas o fetichismo da mercadoria, vale dizer, a projeção neurótico-obsessiva dos desvarios da forma-valor sobre a mera materialidade do mundo.