Falsificação de conhecimento

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A falsificação do conhecimento é a expressão deturpada feita de forma deliberada daquilo que um indivísuo ou grupo sabe sob pressões sociais. O termo foi cunhado por Timur Kuran em seu livro Private Truths, Public Lies: The Social Consequences of Preference Falsification . [1]

Motivação[editar | editar código-fonte]

De acordo com a análise de falsificação de preferência de Kuran, a falsificação de conhecimento é geralmente um instrumento para se sinalizar uma preferência que difere da preferência privada do indivíduo agente, em outras palavras, ela tem como. objetivo apoiar a falsificação de preferência . [2] A deturpação bem-sucedida das preferências particulares de alguém requer a ocultação do conhecimento sobre o qual elas se baseiam. Assim, as pessoas se envolvem na falsificação de preferências, ou pelo menos a reforçam, deturpando suas informações, interpretações, e entendimento.

Tal deturpação é uma resposta às pressões sociais, econômicas e políticas sentidas pelo indivíduo. As pressões percebidas podem ser parcialmente, quando não totalmente, imaginárias. [3] As pressões podem estar enraizadas na censura imposta por um estado e aplicadas por meio de punições impostas pelo governo deste mesmo estado. Mas, tal como a falsificação de preferências, a falsificação de conhecimento não precisa ser uma resposta apenas, ou mesmo principalmente, às pressões do estatais ou de alguma outra entidade política organizada. A fonte das pressões podem ser, em parte, indivíduos que procuram mostrar conformidade com uma agenda que parece politicamente popular. [4] Em qualquer contexto, a falsificação do conhecimento pode terminar abruptamente, por meio de uma mudança auto-reforçada na opinião pública. [5]

Efeitos sociais[editar | editar código-fonte]

Entre os efeitos da falsificação do conhecimento estão a distorção, corrupção, e empobrecimento do conhecimento no domínio público. À sociedade é negada a exposição ao que se acredita ser verdadeiro na fronteira do conhecimento e, em vez disso, ela acaba exposta a informações que seus portadores consideram falsas. [6] Um outro efeito é a ignorância generalizada sobre as falhas das políticas públicas e sobre as potenciais vantagens das reformas. A falsificação do conhecimento também pode trazer forte cerceamento e ossificação intelectual, prejudicando deste modo a inovação. Ainda outra consequência possível é a persistência de políticas, costumes, normas, modas e instituições que são amplamente desaprovadas pelo. público. [7]

A falsificação do conhecimento não apenas informa mal a coletividade sobre a realidade social, como observa Learry Gagné, [8] mas também leva ao autoengano generalizado. Como as pessoas sistematicamente subestimam as motivações dos outros para manter o conhecimento privado fora do domínio público, indivíduos tendem a ter facilidade em aceitar crenças que pareçam generalizadas. Assim, ao reforçar os incentivos uns dos outros para falsificar o conhecimento, os membros de uma comunidade também impedem uns aos outros de ganhar consciência dos mecanismos pelos quais eles iludem a si mesmos. [8]

Concentrando-se nas ineficiências geradas pela falsificação do conhecimento, Cass Sunstein argumenta que as sociedades se beneficiam de instituições destinadas a minimizá-la. Ele afirma que: “A falsificação do conhecimento, gerada pela inclinação humana natural de ceder à multidão, pode criar sérios problemas para a própria multidão. Se os membros da multidão não estão a revelar o que sabem, erros e até mesmo desastres são inevitáveis.” [9] Com base nisso, ele argumenta que líderes, legislaturas, corporações, escolas, e comitês devam promover deliberadamente a sua própria exposição a discursos dissidentes e não-conformistas. Os tribunais funcionam melhor, ele diz, quando os seus órgãos decisórios incluem pessoas que trazem para as avaliações diversas informações e interpretações dos factos. [10]

Com base nos pensamentos de Sunstein, Graham McDonough [11] argumenta que a falsificação do conhecimento pode até mesmo minar um objetivo central da educação moral: fazer julgamentos pessoais necessários para manter relacionamentos pessoais. O mecanismo pelo qual isso pode acontecer é pelo prejuízo da comunicação de diferenças razoáveis, o que, no processo, reduz a diversidade epistemológica. A comunicação aberta e desimpedida nos entendimentos facilitam a construção de diretrizes morais politicamente, eticamente, e epistémicamente satisfatórias.

Em qualquer questão ou controvérsia, a prevalência da falsificação do conhecimento pode variar sistematicamente entre grupos demográficos que diferem em pressões sociais, culturais e, políticas sofridas a nível individual e coletivo. E os membros de qualquer grupo demográfico podem até mesmo variar o conhecimento que transmitem aos outros, dependendo do público. Nesse sentido, Kuran e Edward McCaffery mostram que as percepções de discriminação transmitidas publicamente diferem sistematicamente dependendo do modo de pesquisa. Em questões controversas de discriminação, por exemplo, os estadunidenses parecem mais dispostos a revelar conhecimento pertinente online do que offline. [12]

Instituições e sociedade[editar | editar código-fonte]

As observações de Kuran e Sunstein ecoam as palavras de Friedrich Hayek sobre as vantagens da democracia. “A democracia é, acima de tudo, um processo de formação de opinião”, escreveu Hayek, e “é em seus aspectos dinâmicos, e não estáticos, que o valor da democracia se comprova.[13] Tomando como ponto de partida a afirmação de Hayek, Michael Wohlgemuth argumenta que as constituições democráticas limitam o escopo tanto da falsificação de preferências quanto da falsificação de conhecimento (nisso ele propõe o termo “falsificação de opinião” como um conceito agregador que captura tanto a falsificação de conhecimento quanto a falsificação de preferências). As constituições democráticas facilitam, por um lado, o processo de purga dos discursos públicos, do conhecimento público artificial, das preferências públicas performativas, e, por outro, a descoberta de conhecimento e preferências que os indivíduos inicialmente mantêm privadas. [14]

Uma tradição intelectual que remonta pelo menos a John Stuart Mill sustenta que a deliberação social significativa tem como precondição a liberdade de expressão de pensamentos e a busca, completamente desimpedida, pelo conhecimento. Com base nessa tradição, Russell Blackford afirma que as sociedades precisam de defesas institucionais não apenas contra os esforços do governo para controlar o conhecimento, mas também contra as pressões comunitárias de caráter conformista que induzem à falsificação do conhecimento. [15] Esta última categoria de instituições inclui normas que asseguram a proteção de hereges, excêntricos, pessoas não-conformistas, artistas, e comediantes pelo enriquecimento que trazem para o conhecimento público. A celebração da disseminação de conhecimento controverso deve ser limitada, afirma Blackford, apenas em casos de discurso de ódio. Esta exceção convida a discussão aprofundada de múltiplos princípios amplamente aceitos, e por isso deve ser tratada caso a caso. Contudo, este mecanismo deverá manter a atenção para a manutenção de incentivos à divulgação do conhecimento útil. [16]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. Kuran, Timur (1995). Private Truths, Public Lies: The Social Consequences of Preference Falsification (em inglês). [S.l.]: Harvard University Press. pp. 19, 157–243. ISBN 978-0-674-70758-0 
  2. Kuran, Timur (1995). Private Truths, Public Lies (em inglês). [S.l.: s.n.] pp. 19, 177–178 
  3. Kuran, Timur (1995). Private Truths, Public Lies (em inglês). [S.l.: s.n.] pp. 76–83 
  4. Kuran, Timur (1995). Private Truths, Public Lies (em inglês). [S.l.: s.n.] pp. 119–123 
  5. Kuran, Timur (1995). Private Truths, Public Lies (em inglês). [S.l.: s.n.] pp. 247–288 
  6. Kuran, Timur (1995). Private Truths, Public Lies (em inglês). [S.l.: s.n.] pp. 176–195 
  7. Kuran, Timur (1995). Private Truths, Public Lies (em inglês). [S.l.: s.n.] pp. 196–243 
  8. a b Gagné, Learry (2007). «Non-rational compliance with social norms: sincere and hypocritical». Social Science Information (em inglês). 46 (3). 457 páginas. ISSN 0539-0184. doi:10.1177/0539018407079726 
  9. Sunstein, Cass R. (2003). Why Societies Need Dissent (em inglês). [S.l.]: Harvard University Press. 20 páginas. ISBN 978-0-674-01768-9 
  10. Sunstein, Cass R. (2003). Why Societies Need Dissent (em inglês). [S.l.: s.n.] 
  11. McDonough, Graham P. (2010). «Why dissent is a vital concept in moral education». Journal of Moral Education. 39 (4). 431 páginas. ISSN 0305-7240. doi:10.1080/03057240.2010.521373 
  12. Kuran, Timur; McCaffery, Edward J. (2004). «Expanding Discrimination Research: Beyond Ethnicity and to the Web*». Social Science Quarterly (em inglês). 85 (3): 713–730. ISSN 0038-4941. doi:10.1111/j.0038-4941.2004.00241.x 
  13. Hayek, F. A. (2020). The Constitution of Liberty: The Definitive Edition (em inglês). [S.l.]: Routledge. pp. 174, 57–198. ISBN 978-0-429-63797-1 
  14. Wohlgemuth, Michael (1 de setembro de 2002). «Democracy and Opinion Falsification: Towards a New Austrian Political Economy». Constitutional Political Economy (em inglês). 13 (3): 223–246. ISSN 1572-9966. doi:10.1023/A:1016156332351 
  15. Blackford, Russell (2019). The Tyranny of Opinion: Conformity and the Future of Liberalism (em inglês). [S.l.]: Bloomsbury Publishing. 92 páginas. ISBN 978-1-350-05602-2 
  16. Blackford, Russell (2019). The Tyranny of Opinion (em inglês). [S.l.: s.n.] pp. 7, 9–11, 195–226