Usuário(a):Felipe Asensi/Judicialização da saúde

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A judicialização em função do aumento do número de processos.

A palavra judicialização alcança significado em algo que tem origem no Poder Judiciário ou que nele se resolve[1]. Em vias mais práticas, é também, o fenômeno jurídico pelo qual se percebe que certa quantidade de casos sobre a mesma matéria estão sendo conduzidos ao Poder Judiciário para que lá encontrem resolução, já que esta não se verificou possível por acordo ou outro método de resolução, quando se estabeleceu o vínculo jurídico entre as partes. Portanto, causa uma massificação de processos judiciais sobre o mesmo assunto.

Contextualização Constitucional do Direito à Saúde[editar | editar código-fonte]

Atualmente, o direito à saúde é garantido pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) com status de direito fundamental social, de segunda dimensão[2], previsto em seu Art. 6º. Além disso, segundo o Art. 196 da CRFB/88, a saúde é um direito de todos e consiste em um dever do Estado de prestar à população para a promoção, proteção e recuperação da saúde[3] em nome da ordem social, Título VIII da CRFB/88.

Judicialização da Saúde[editar | editar código-fonte]

Levando em consideração os princípios constitucionais da universalidade e integralidade no que diz respeito ao acesso a saúde previstos nos artigos 196 e 198, inciso II da CRFB/88, respectivamente, o Estado tem o dever de prover todas as condições para que os cidadãos previnam doenças, curem-se delas e tenham acesso à prestação de serviços em saúde. Entretanto, quando há omissão ou insuficiência por parte do Poder Executivo do entes federativos para efetivar o direito à saúde, os cidadãos que se sintam afetados poderão judicializar a relação que se estabelece entre eles e o Poder Público, conduzindo então o problema ao Poder Judiciário, para que, enfim, conquistem a efetivação de seus direitos.

O SUS e a Judicialização da Saúde[editar | editar código-fonte]

Com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) em 1990 pela Lei 8080[4], o dever do Estado de prover saúde passou a ser descentralizado uma vez que se tornou responsabilidade dos três entes federativos, a União, os Estados e os Municípios, sendo os últimos responsáveis, em grande parte, pela execução de políticas públicas de saúde por estabelecerem uma relação mais próxima com a sociedade enquanto os outros dois entes participam preponderantemente no planejamento e financiamento das políticas públicas. No entanto, essa obrigação coletiva das três esferas do Estado não foi seguramente definida deixando algumas lacunas no que diz respeito às competências, como qual dos entes federativos será responsável por conceder medicamentos, por exemplo[5], diz-se apenas que é o SUS que deverá fornecer, mas não se sabe qual é a origem das verbas que custearão esse dever do Estado, se da União, dos Estados ou dos Municípios.

Vale ressaltar que a maioria dos processos que envolvem conflitos entre os entes federados e particulares em função de falhas na prestação de serviços pelo SUS são referentes ao não fornecimento de remédios. Tendo em vista que a competência não é estritamente definida, os cidadãos costumam acionar primeiramente os Municípios e, depois, os três entes federados em cascata via poder judiciário causando aumento significativo no número de processos. Em 2010, cerca de 240.980 processos tramitaram no Poder Judiciário nos quais se requeria a efetivação do direito a saúde, segundo dados do CNJ[6].

A massificação de ações judiciais relativas à afirmação da universalidade do direito à saúde, constante no Art. 196 da CRFB/88, faz com que o judiciário acabe por interferir na implementação de políticas públicas que, em regra, são exercício do Poder Executivo por caracterizar função típica[7] deste poder do Estado. Isto acarreta gastos ao Poder Público que podem não estar previstos nas leis orçamentárias do Poder Público tendo em vista que os custos de alguns tratamentos são altos e podem ser até mesmo imprevisíveis, levando em conta a baixa frequência com que um ou mais cidadãos são acometidos por uma determinada doença rara. Assim, pode prejudicar a realização das dotações orçamentárias já existentes, uma vez que não é possível determinar um teto a ser gasto no atendimento às necessidades dos cidadãos que adoecerem em razão dos princípios da integralidade do tratamento e acesso a universalidade de procedimentos médicos e tratamentos disponíveis.

Para alguns, esse tipo de interferência dos magistrados em politicas públicas constituiria o que se convencionou chamar de ativismo judicial, conduta dos juízes que deturparia as funções dos Administradores públicos e legisladores em criar política públicas[8]. Por outro lado, há quem considere que atualmente seja necessário uma flexibilização das funções clássicas dos juízes para que o judiciário participe de forma mais intensa nas transformações sociais. Com isso, considera-se que o Poder Judiciário e os outros poderes sejam igualmente responsáveis pela realização de políticas públicas[9].

Papel das Instituições Jurídicas no processo de Judicialização da saúde[editar | editar código-fonte]

Ministério Público[editar | editar código-fonte]

O Ministério Público é capaz de atuar na judicialização da saúde através da propositura de ações civis públicas para garantir, em geral, a devida prestação dos serviços de saúde para os cidadãos quando houver uma relação jurídica basilar entre um grupo de pessoas, que suscite interesse público, de acordo com a Lei Orgânica do Ministério Público em seu Art. 10, inciso IX, alínea “d”[10]. Além de tutelar direitos relativos à coletividade ou a um grupo inserido na coletividade, em nada obsta a propositura de ações civis públicas para garantira defesa direitos individuais indisponíveis e homogêneos, como prevê o Art. 25, inciso IV, alínea “a” da Lei 8625/93.

Defensoria Pública[editar | editar código-fonte]

A Defensoria Pública atende, sobretudo, cidadãos carentes de recursos financeiros para custear o auxílio de advogados. Assim, é outra instituição que propõe muitas ações judiciais para efetivar o direito à saúde. Para que os defensores públicos se especializem pra tratar sobre saúde as Defensorias Públicas estão criando Núcleos de Saúde destinados ao atendimento de pessoas carentes, a exemplo de Minas Gerais[11] e Alagoas[8]. Esses núcleos das defensorias propõem tanto açoes judiciais individuais no exercício de suas funções comuns como ações civis públicas no exercício de sua competência extraordinária conferida pela Lei Complementar nº 132/2009 para a defesa de direitos individuais indisponíveis ou quando o cidadão assistido pelo defensor público já estiver internado ou for incapaz de manifestar suas vontades[8].

Judicialização. Saúde, um direito de todos versus Reserva do Possível[editar | editar código-fonte]

As demandas coletivas e individuais são inúmeras enquanto que a receita pública é limitada. Dessa forma, o Estado precisa definir prioridades e alocar seus recursos qualitativa e quantitativamente nas leis orçamentárias para implementar as políticas públicas de acordo com o princípio da reserva do possível para ser eficaz em suas ações e garantir o mínimo existencial[12], pois se torna impossível atender a todas as necessidades da sociedade.

A partir do momento em que o Poder Judiciário determinar que o Poder Executivo despenda de determinada quantia para realizar um gasto que não estava previsto em orçamento estará afetando os cofres públicos e atuando diretamente na implementação de políticas públicas. Frequentemente os tribunais emitem decisões em relação à saúde que se enquadram no que foi exposto acima. Essas decisões relativas a demandas individuais impõem dificuldades na garantia do mínimo existencial para a coletividade e podem inviabilizar que a saúde seja universal[13] uma vez que os recursos que poderiam seriam destinados a uma dotação específica em prol da sociedade serão realocados para suprir uma demanda individual.

Consequências da judicialização da saúde nas decisões judiciais[editar | editar código-fonte]

O fenômeno da judicialização da saúde possui característica peculiar em função da falta de expertise técnica na área da medicina enfrentada pelos magistrados para julgar se determinado tratameno ou medicamento será concedido ao cidadão que recorrer na esfera judicial, o que costuma causar grande numero de deferimentos por parte dos magistrados. Talvez isso ocorra para reduzir as chances de erros e críticas por parte da opinião pública, já que o direito a saúde possui estreita ligação com o direito a vida, previsto no caput Art. 5º da CRFB/88. A falta de conhecimentos médicos dos juízes também se expressa na concessão de medicamentos e tratamentos não autorizados pela ANVISA[14] nem pelo SUS que são receitados pelos médicos e deferidos pelos juízes, pois estes, muitas vezes, não conhecem alternativas viáveis, como a diferença entre medicamentos de marca e genéricos ou tratamentos alternativos e menos custosos, por exemplo.

Em função desta falta de conhecimentos dos magistrados sobre medicina, o Supremo Tribunal Federal (STF) convocou a Audiência Pública entitulada “Judicialização do direito a saúde”[15] realizada nos meses de abril e maio de 2009 para gerar subsidios aos juízes para que eles julguem questões relativas à concretização do direito à saúde. O que se pode extrair do meio de participação social[16] adotado pelo STF foi transcrito na Recomendação nº 31 do CNJ[17], que trouxe diretrizes para auxiliar os magistrados quando atuarem em causas que tenham como objeto de conflito, afirmação ou violação o direito à saúde.

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. MACIEL, Débora Alves; KOERNER, Andrei. Sentidos da judicialização da política: duas análises. Revista Lua Nova, 2002, nº.57, pp.113-133.
  2. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Rio Grande do Sul: Livraria do Advogado, 2010. p. 55.
  3. «Constituição Federal de 1988.». BRASIL. Constituição (1988), de 5 de outubro de 1988.. Consultado em 24 de novembro de 2012 
  4. «Lei Orgânica do SUS» (PDF). BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.. Consultado em 24 de novembro de 2012 
  5. «Revista Época.» (PDF). Entrevista de Luís Roberto Barroso à Revista Época, de 13 de setembro de 2010. p. 101. Consultado em 24 de novembro de 2012 
  6. «Conselho Nacional de Justiça.» (PDF). Intervenção Judicial na saúde pública. Panorama no âmbito da Justiça Federal e Apontamentos na seara das Justiças Estaduais.. Consultado em 24 de novembro de 2012 
  7. LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la Constituición. Traduzido por Alfredo G. Anabitarte. Barcelona: Ariel Derecho, 1965. p. 83.
  8. a b c NETO, Othoniel Pinheiro. A Defensoria Pública e a Judicialização da Saúde em Alagoas. Olhares Plurais – Revista Eletrônica Multidisciplinar. Vol. 2. Nº 7. 2012. pp. 23-26. Erro de citação: Código <ref> inválido; o nome "NETO" é definido mais de uma vez com conteúdos diferentes
  9. CUNHA JR., Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 3. Ed. Salvador: JusPODIVM, 2009. p. 121.
  10. «Lei nº 8.625,». BRASIL. Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993.. Consultado em 24 de novembro de 2012 
  11. «Entrevista de Bruno Carcola» (PDF). Ajuizar só em último caso. Entrevista de Bruno Carcola à Revista do Núcleo de Saúde da Defensora Pública de Minas Gerais. Consultado em 24 de novembro de 2012 
  12. «Judicialização da Saúde» (PDF). PARADELA, Valesca Athayde de Souza. Judicialização da Saúde. p. 6. Consultado em 24 de novembro de 2012 
  13. «Judicialização da Saúde no STJ». Judicialização da saúde coloca ao STJ o desafio de ponderar demandas individuais e coletivas. Consultado em 24 de novembro de 2012 
  14. «ANVISA». BRASIL. Portal da Anvisa. Consultado em 24 de novembro de 2012 
  15. «Audiência Pública da Saúde no Supremo Tribunal Federal». BRASIL. Audiência Pública convocada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal à época, Ministro Gilmar Mendes, para subsidiar o julgamento de processos que discutiam a concretização do direito à saúde (art. 196 da Constituição Federal), a partir do oferecimento de medicação e tratamento pelo Poder Público.. Consultado em 24 de novembro de 2012 
  16. BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo: Direitos Fundamentais, Democracia e a Constitucionalização. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006.
  17. «Recomendação nº 31». BRASIL. Recomendação nº 31 do Conselho Nacional de Justiça, de 30 de março de 2010.. Consultado em 24 de novembro de 2012