Gruta do Gentio

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Paredão de calcário que forma a Gruta do Gentio II

Gruta do Gentio, ou Gruta do Gentio II, é um sítio arqueológico situado na fazenda Vargem Bonita a cerca de 30km da sede municipal de Unaí, no noroeste do estado de Minas Gerais, distando 180km do Distrito Federal. Possui 200 m2 de área interna e situa-se num paredão calcário com cerca de 2,5 Km de extensão.

Formação calcária interna da Gruta do Gentio II

A gruta foi encontrada em 1973 pelo Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB) e entendida como um lugar de grande potencial arqueológico. A sua identificação foi confirmada no decorrer do Programa de Pesquisas Arqueológicas do Vale do São Francisco no Estado de Minas Gerais (PROPEVALE), coordenado pelo Prof. Dr. Ondemar Dias Jr., braço do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA) [1]. Ao longo das décadas, quatro etapas de escavação foram feitas após a sondagem inicial do PRONAPA: 1976, 1977, 1984 e 1987.

Considerada por arqueólogos como uma conjunção de cavernas e abrigos[2], a gruta apresenta os mais diversificados vestígios vegetais, humanos e animais[3].

Estrutura e Datações[editar | editar código-fonte]

As escavações e as datações arqueológicas delimitaram dois grandes momentos de estabelecimento humano na Gruta do Gentio:

Horizonte caçador-coletor (12000 a 7295 +/- 150 A.P.), associada a uma economia de caça, com a presença de líticos e restos de comida.

Horizonte horticultor (3.490 +/- 120 a 410 +/- 60 A.P.), sendo mais aproximada no tempo, está atrelada a Fase cerâmica Unaí, a mais antiga da Tradição Una encontrada no Vale do São Francisco a noroeste de Minas Gerais[4].

Há interpretações que defendem a presença de um hiato, um período de abandono da gruta, entre as duas fases de ocupação. Tal desaparecimento da presença humana foi enfatizado pela ausência de carvões para datação e de vestígios de ocupação humana, correspondendo a um lapso de tempo de cerca de 3.500 anos[1].

No que tange a geologia do local, a gruta é explicada, na prática, pela subdivisão de 4 camadas de terra principais[1]:

Camada IV - Camada mais antiga, datada em 10.190 +/- 120 A.P. Está atrelada ao horizonte caçador-coletor inicial, predominantemente marrom escuro e espessura de 10 cm.

Camada lll - Camada"intermediária", que, como a camada IV, ainda representa os eventos de ocupação do horizonte caçador-coletor, com datação entre 8.595 +/- 215 e 9.040 +/- 70 A.P., é em grande parte avermelhada com vestígios de carvão.

Camada ll - Última faixa de terra, também avermelhada, associada ao horizonte caçador–coletor. Sua parte mais acima indica uma área de súbito abandono que marca a transição para o horizonte horticultor. Possui quatro datações distintas entre 7.295 +/- 150 e 8.125 +/- 120 A.P., as demais datações são superiores a 8 mil anos.

Camada I Inferior – Porção primária de terra associada ao horizonte horticultor. Possui desmoronamentos pontuais e grande quantidade de vestígios culturais, com datação de 3.490 +/- 120 A.P.

Camada I Superior – Porção secundária acinzentada do horizonte horticultor, datada em 1.820 +/- 75 e 410 +/- 60 A.P, com 30 cm máximo de espessura uma grande quantidade de vestígios culturais.

De uma maneira geral, a gruta é moldada por relevos horizontais ou inclinados, com a presença de 23 blocos calcários e alterações ambientais provavelmente ligados a enterramentos. As quatro camadas principais estão distribuídas heterogeneamente em toda extensão espacial[5]

Contexto Arqueológico[editar | editar código-fonte]

Após a remoção de oxidações e impurezas inorgânicas, foram encontrados vestígios de tinta avermelhada na base rochosa da gruta, abaixo das camadas mais antigas do que 10 mil anos, que podem indicar a presença de pinturas rupestres[6]. Dentre as possíveis pinturas identificadas, lagartos, felinos, aves, cervídeos e outros aparecem nas descrições da gruta. A técnica de confecção das possíveis representações se balizava, sobretudo, em traços finos e/ou entrecuzados, algo único entre o complexo de sítios arqueológicos em Unaí.

Além disso, as excavações sugerem fortemente que a Gruta do Gentio era um lugar cerimonial. A abertura das camadas estratigráficas no sítio evidenciaram a presença de ossos humanos e corpos mumificados naturalmente, por conta do microclima seco do local. Ao todo, 95 enterramentos e 176 indivíduos, distribuídos nas quatro camadas de ambos os horizontes de assentamento humano, foram escavados por arqueólogos e arqueólogas. No que tange ao horizonte caçador-coletor, remanescentes humanos foram encontrados em 26 enterramentos com 38 indivíduos, 7 masculinos, 4 femininos e 27 indeterminados, incluindo 13 crianças. No horizonte horticultor, foram 69 enterramentos, com 138 indivíduos bem divididos sexualmente, 29 masculinos, 26 femininos e 83 indeterminados, sendo a maior parte crianças e adolescentes.

Visão interna da Gruta do Gentio II

De acordo com o Instituto de Arqueologia Brasileira, a evidência coletada mais famosa do sítio foi uma pequena múmia natural de uma menina de aproximadamente 12 anos de idade, batizada "acauã" em homenagem a um comum pássaro na região de Unaí, cujo MtDNA a coloca como uma descendente do haplótipo A2, um dos mais antigos da América. Foi sepultada em uma prateleira natural da caverna, com diversos acompanhamentos funerários. Pernas e braços envolvidos em colares de sementes de capim navalha já lhe atribuem status de criança especial, mas um “arco de fazer fogo” atravessado ao ombro esquerdo e a raiz tuberosa (mandioca) sobre o lado direito do peito, símbolo do feminino encontrado em outros sepultamentos dessa tradição a confirmam. Foi sepultada em uma fina rede de algodão e fechando o fardo um couro de veado a protegeu por 3350 AP, até ser descoberta em 1977 pelas equipes do Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB), em especial o professor Ondemar Dias Jr. Ainda hoje, "Acauã" é alvo de debates acalorados e sequenciadas etapas de estudo pelas mais variadas áreas, desde a biologia até a arqueologia[7].

Por fim, análises de líticos mostraram evidências de rocha como o sílex, cujo potencial para confecção de artefatos de corte, ou "armas brancas", é muito alto. A escolha da matéria prima por parte dos grupos que se estabeleceram na gruta acompanhou o desenvolvimento do próprio sítio, com uma mudança na abundancia e qualidade de compostos líticos durante os dois horizontes culturais[8].

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. a b c Sene G. Indicadores de gênero na pré-história brasileira: contexto funerário, simbolismo e diferenciação social - O sítio arqueológico Gruta do Gentio II, Unaí, Minas Gerais [Tese de Doutorado]. [São Paulo]: Universidade de São Paulo; 2007.
  2. Dias Jr, Ondemar F; Carvalho, Eliana T.; Cheuiche, Lilia M.C. (1976). «Pesquisas arqueológicas em Minas Gerais (Brasil) : O PROPEVALE (Programa de Pesquisas Arqueológicas no Vale do São Francisco).». Actes du XLIIe Congrès International Des Americanistes, Congrès du Centenaire, Paris, 1976. v.9ª 
  3. GURJÃO, Ludmila Lima. Estudo paleoparasitológico e paleogenético do sítio arqueológico Pré-Colombiano Gruta Do Gentio ll, Unaí, Minas Gerais, Brasil. 2019. 95 f. Dissertação (Mestrado em Biologia Parasitária) - Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2019.
  4. McK. Bird, Robert; Dias Jr., Ondemar; Carvalho, Eliana T. de (30 de dezembro de 1991). «Subsídios para a arqueobotânica no Brasil». Revista de Arqueologia (1): 15–31. ISSN 1982-1999. doi:10.24885/sab.v6i1.81. Consultado em 2 de junho de 2023 
  5. Costa B. Resíduos Líticos da Gruta do Gentio II, UNAÍ-MG [Dissertação de Mestrado]. [Rio de Janeiro]: Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2009.
  6. SEDA, Paulo R. G. A caça e a arte, os caçadores-pintores pré-históricos da Serra do Cabral, Minas Gerais. Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998.
  7. https://arqueologia-iab.com.br/artefatos-museu/mumia-acaua/
  8. Costa B. Ocorrência e variabilidade dos tipos litológicos nos resíduos de lascamento da Gruta do Gentio II, Unai-MG [Especialização]. [Rio de Janeiro]: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2007.

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Dias JR., Ondemar F., CARVALHO, Eliana T. Discussão sobre os inícios da agricultura no Brasil. Arquivos do Museu de História Natural, Belo horizonte, v.6/7, p.191-8, 1981/82.
  • _______ Pesquisas arqueológicas no sudeste brasileiro. Boletim do Instituto de Arqueologia Brasileira. Rio de Janeiro: IAB, Série Especial, n.2, p. 3-22, 19755
  • Dias OF, Carvalho E. Aspectos da Arqueologia Amazônica - A participação do Instituto de Arqueologia Brasileira no Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas na Bacia Amazônica –Pronapaba–-1977-1980. Bol Inst Arqueol Bras. 1982;20.
  • Ferreira LF, de Araújo AJ, Confalonieri UE. The finding of eggs and larvae of parasitic helminths in archaeological material from Unai, Minas Gerais, Brazil. Trans R Soc Trop Med Hyg. 1980;74(6):798–800.
  • Haaland, Randi. Emergence of sedentarism: new ways of living, new ways of symbolizing. Antiquity, n.71, p.374-85, 1997.
  • Sene G. Rituais Funerários e Processos Culturais : Os Caçadores-coletores e horticultores Pré-Históricos do Noroeste de Minas Gerais. 1999.
  • Sene G, Seda PRG. Teoria Arqueológica, Gênero e Diferenciação Social na Pré-Historia Brasileira: A Tradição Una - 3. A Tradição Una [Internet]. IBPA. 2012 [citado 8 de março de 2019]. Disponível em: http://ibparj.blogspot.com/2012/04/teoria-arqueologica-genero-e_8973.html
  • Seda PRG, Machado CL, Sene GM, Silva L da PR da. Do cerrado ao mar: a Tradição Una no litoral do Espírito Santo. Rev Maracanan. 31 de dezembro de 2011;7(7):55–82.

Ligações externas[editar | editar código-fonte]