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Massacre de Vassy

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Massacre de Vassy de 1562, impressão de Hogenbergo, final do século XVI.

O Massacre de Vassy (francês: Massacre de Wassy) foi um episódio das Guerras Religiosas Francesas que culminou no assassinato de ao menos 50 huguenotes[1]. O evento ocorreu em 1º de março de 1562, em Wassy, e é tido como marco inicial das Guerras de Religião no país. A tragédia decorreu de uma ação armada de Francisco de Lorena, o Duque de Guise, contra fiéis protestantes que participavam de um culto em um celeiro da cidade.

O Massacre de Vassy foi retratado pelos artistas Tortorel e Périssin em 1569 como parte de uma série de xilogravuras sobre os conflitos entre católicos e protestantes franceses[2][3].

As Guerras de Religião na França aconteceram entre 1562 e 1598, datas do Massacre de Vassy e da assinatura do Édito de Nantes, respectivamente. O conflito, no entanto, não foi uma especificidade francesa, mas parte de um movimento maior no cenário europeu. Publicadas em Wittenberg em 1517, as 95 teses de Lutero inauguraram o período chamado de Reforma Protestante — na França, as teses começaram a ser difundidas já em 1520[4]. Pouco depois, influenciado pelas ideias de modernização do cristianismo, o humanista Jacques Lefèvre publicou uma tradução da Bíblia para o francês em 1523. Para além disso, começaram a surgir críticas sobre a transubstanciação e questionamentos sobre a sacralidade da eucaristia — como o caso do pastor de Neuchâtel, que defendeu, em 1534, que a eucaristia era um ritual pagão[4].

Retrato de Catarina de Médici em trajes de viúva após a morte de Henrique II (1519-1559).

Em 1536, João Calvino lançou o Institutio christianae religionis (1536), que definiu as bases teológicas do que seria conhecido por "calvinismo”. Tanto a publicação de Calvino quanto a adoção oficial da Reforma na cidade de Genebra ocorreram no mesmo ano, e, a partir desses eventos, assistiu-se a uma rápida expansão do protestantismo na França[5]. Tal expansão foi acompanhada por conflitos entre os diferentes fiéis e entre as diferentes facções da nobreza. Sobre o último, é preciso ter em mente que as guerras religiosas foram também uma disputa política desempenhada pela aristocracia francesa. Em especial, três linhagens foram responsáveis por conduzir as guerras: os Bourbon (protestantes), os Guise e os Montmorency (católicos)[6]

Após a morte de Henrique II, em 1559, o trono francês passou para seu filho, Francisco II. O sucessor assumiu aos 15 anos de idade, e seu reinado teve como regente Catarina de Médici, sua mãe. No entanto, a posse do trono foi breve para Francisco, durando dezessete meses, até o dia de sua morte. Esse período foi marcado por uma forte influência da família Guise na regência; em especial, de Carlos e Francisco de Lorena. Todavia, a relação com os Guise seria balançada com a ascensão de Carlos IX ao trono. O rei assumiu aos 10 anos de idade, e Catarina foi, mais uma vez, regente de um filho. A rainha buscou, nesse momento, uma política de tolerância e pacificação, que se nota pela aproximação com o rei de Navarra, Antoine de Bourbon[7] e pela publicação do Édito de Fontainebleu (1561) e do Édito de Saint-Germain (1562). O édito de 1561 concedeu a liberdade de consciência — dentro de espaços domésticos, foram permitidas tanto a reza católica quanto a protestante —; já o Édito de Saint-Germain instituiu a liberdade de culto, limitada e temporária, aos protestantes[8][9].

Édito de Saint-Germain (1562)

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Primeira página do Édito de Saint-Germain.

Imediatamente anterior ao massacre, o Édito de Saint-Germain data de 17 de janeiro de 1562, e, por essa razão, é também chamado de Édito de Janeiro. Foi publicado durante o reinado de Carlos IX (e da regência de Catarina de Médici) como uma tentativa de pacificar o reino diante do contexto de fissura religiosa. O documento é composto de 20 artigos que temporariamente determinam a nova posição do governo frente aos embates entre huguenotes e católicos[10]. Em linhas gerais, o édito:

  • Proíbe os insultos e injúrias religiosas por parte dos dois grupos, sejam eles diretos ou por meio de impressões difamatórias;
  • Proíbe, sob pena de morte, o vandalismo de cruzes e imagens;
  • Permite reuniões para pregação protestante exclusivamente fora das cidades;
  • Determina também que, se feitos fora dos limites urbanos, os cultos reformados não devem ser incomodados ou atacados;
  • Tem como objetivo "a preservação da paz geral e universal de nosso reino e para evitar todos os distúrbios, tumultos e sedições"[11].

Apesar do ímpeto pacificador do Édito, ele foi pouquíssimo efetivo, e a violência religiosa se multiplicou no reino[12].

Francisco, Duque de Guise.

No dia 1 de março de 1562, o Duque de Guise, Francisco de Lorena, está a caminho de Paris. Sua rota passa por Vassy, comuna pertencente à região do Grand Est. Ao se aproximar do local, Francisco é informado sobre uma reunião de huguenotes que estaria ocorrendo em um celeiro no interior da cidade — o que era proibido pelo Édito de Janeiro. O documento, como visto, determinava liberdade de culto, limitada e temporária, aos protestantes, desde que estes organizassem suas celebrações fora dos limites urbanos. Confirmada a veracidade da informação sobre o culto, o Duque de Guise e sua tropa se dirigem ao local, onde uma briga entre a guarda católica e os fiéis huguenotes se inicia. Sabe-se que a violência escalou rapidamente, e, ao final do conflito, somavam-se ao menos 50 mortos e o dobro de feridos[1].

Consequências

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O acontecido no celeiro de Vassy, ao provocar violência interconfessional aberta, serviu como marco inicial para Guerras religiosas na França, tradicionalmente delimitadas entre 1562 e 1598 (data de publicação do Édito de Nantes).

Cerca de duas semanas depois, o Duque de Guise, acompanhado por outros nobres católicos, fez uma entrada triunfal em Paris. O massacre garantiu ao duque um ganho de capital político que foi rapidamente explorado[1]. No final de março, em uma manobra política dos Guise, o rei, Carlos IX, e sua mãe, Catarina de Médici, foram forçados a se dirigirem a Paris. O evento foi, sem exagero, um sequestro da família real pela nobreza católica[1]. Em seguida, a resposta protestante foi rapidamente organizada, tendo como líder o huguenote Príncipe de Condé[1], que figurou em conflitos seguintes, como na Batalha de Dreux de dezembro de 1562, por exemplo. Nessa batalha, Condé foi capturado pelos Guise e Montmorency; já em fevereiro de 1563, Francisco, Duque de Guise foi baleado e morto em batalha pelo huguenote Jean de Poltrot. Publicado pouco após o assassinato, o Edito de Amboise (1563) figura como uma trégua nos conflitos entre católicos e huguenotes.

A partir do Massacre de Vassy, portanto, a guerra religiosa foi instaurada na França. O longo conflito abrigou dezenas de eventos e foi responsável por opor as facções aristocráticas francesas em uma busca por hegemonia política e religiosa[8].

  1. a b c d e Nicolas le Roux, Nicolas (2017). Las Guerras de Religión. Col: Bolsillo Ser. Miguel Martín Martín. Madrid: Rialp, Ediciones, S.A. p. 22 
  2. Collection Michel Hennin. Estampes relatives à l'Histoire de France [Image fixe]. Tome 5, Pièces 437-486, période: 1560-1562. Volume 1.
  3. Ehrmann, Jean (1945). «Massacre and Persecution Pictures in Sixteenth Century France». The Warburg Institute. Journal of the Warburg and Courtauld Institutes. 8: 195. ISSN 0075-4390. doi:10.2307/750174. Consultado em 28 de maio de 2025 
  4. a b Nicolas le Roux, Nicolas (2017). Las Guerras de Religión. Col: Bolsillo Ser. Miguel Martín Martín. Madrid: Rialp, Ediciones, S.A. p. 7
  5. Livet, George (1966). Les Guerres de Religion. Paris: Presses Universitaires de France. p. 7 
  6. Anderson, Perry (2004). Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo: Editora Brasiliense. p. 90 
  7. Nicolas le Roux, Nicolas (2017). Las Guerras de Religión. Col: Bolsillo Ser. Miguel Martín Martín. Madrid: Rialp, Ediciones, S.A. p. 19
  8. a b Nicolas le Roux, Nicolas (2017). Las Guerras de Religión. Col: Bolsillo Ser. Miguel Martín Martín. Madrid: Rialp, Ediciones, S.A. p. 5
  9. Nicolas le Roux, Nicolas (2017). Las Guerras de Religión. Col: Bolsillo Ser. Miguel Martín Martín. Madrid: Rialp, Ediciones, S.A. p. 12
  10. Texto integral do Édit de janvier presente na edição L'édit de Nantes et ses antécédents (1562-1598) organizada pela Ècole Nationale des Chartes
  11. Texto integral do Édit de janvier presente na edição L'édit de Nantes et ses antécédents (1562-1598) organizada pela Ècole Nationale des Chartes, artigo 17 (tradução livre)
  12. Nicolas le Roux, Nicolas (2017). Las Guerras de Religión. Col: Bolsillo Ser. Miguel Martín Martín. Madrid: Rialp, Ediciones, S.A. p. 13