Serpens Endocrania Symetrica

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A serpens endocrania symetrica, também conhecida pelo acrónimo SES, teve a sua nomenclatura atribuída e características descritas por Hershkovitz e colaboradores num artigo publicado em 2002.[1] Esta consiste numa lesão óssea na tábua endocraniana, na qual se dá uma disrupção da superfície com uma aparência labiríntica e padrão ramificado incomum, ligado à presença da artéria meníngea.[1][2]

O processo decorrente da lesão está limitado à porção mais superficial do endocrânio, não existindo envolvimento do osso trabecular, nem do exocrânio, sendo resultado de deposição óssea.[1]

A lesão encontra-se frequentemente associada a processos infeciosos no trato respiratório, embora ainda seja um tema a ser explorado.[1]

Parâmetros de análise[editar | editar código-fonte]

Segundo Herskovitz e colaboradores (2002) existem três parâmetros chave para a análise da lesão: localização no endocrânio; extensão, que poderá ser unifocal ou multifocal; possível seio venoso associado.[1]

Morfologia[editar | editar código-fonte]

A lesão localiza-se na área endocraniana e, em alguns casos, mais especificamente, segue a configuração e os limites do seio sagital superior, encontrando-se perto da sutura sagital, e do seio transverso dominante, identificando-se na região da sutura lambdóide.[1][3]

Ampliação da região parietal, mostrando canais ramificados escavados que produzem uma aparência labiríntica[1]

As características da lesão podem ser verificadas, na sua maioria, macroscopicamente, sendo necessária a presença de vários traços, para ser considerada uma possível ocorrência:[1]

  • Descoloração da zona, uma vez que ocorre remodelação óssea;
  • Dentro da própria lesão e/ou entre indivíduos existirem diversos tipos de textura;
  • Uma aparência ramificada serpenteada demarcada, onde vários canais se conectam, formando, por vezes, canais mais fundos e extensos, sem nunca alcançar o osso trabecular;
  • A lesão apresentar proporções superiores às multifocais, no caso das ocorrências singulares;
  • Em alguns casos, áreas alargadas da lesão, resultantes da junção de pequenas lesões;
  • Nas extremidades da lesão, a existência de pequenos mas numerosos fossos/porosidades;
  • Os contornos da lesão, são por norma bem definidos, por isso proporcionam uma boa distinção entre a área afetada e as regiões adjacentes.

Distribuição[editar | editar código-fonte]

Os ossos mais afetados são: osso frontal, ossos parietais e o osso occipital.[1] Miller (2018) refere que as lesões endocranianas tendem a ocorrer com maior frequência no frontal e parietais, devido a possuírem uma maior quantidade de tecido esponjoso, tornando-os mais suscetíveis a infeções.[4]

Localização anatômica das lesões detetadas no endocrânio, num esqueleto não adulto da Idade Média, encontrado na Igreja dell’Immacolata e di San Zenone em Tassullo, Itália[2]

Hershkovitz e colaboradores (2002) dividiram as zonas afetadas por: calote craniana com exclusão dos seios venosos, seios venosos e calote craniana com inclusão dos seios venosos. Sendo a área da calote a região com maior prevalência. Face à distribuição, esta poderá ocorrer unilateralmente ou bilateralmente, enquanto o foco da lesão poderá ser unifocal ou multifocal. No estudo anteriormente referido, a lesão mostrou ser bilateral em 90,9% (29/32) e multifocal em 82,6% (26/32) dos indivíduos.[1]

É possível observar na Fig.3, um exemplo de distribuição de um possível caso de SES, referente a um indivíduo não-adulto da Idade Média, encontrado na Igreja dell’Immacolata. A lesão manifesta-se bilateralmente, estando presente em ambos os parietais, e multifocalmente, apresenta vários focos de lesão nos parietais e no occipital.[5]

Etiologia[editar | editar código-fonte]

A ausência de uma saliência delimitada na região afetada sugere a textura labiríntica como indicador de anomalia vascular, que consiste em alterações nas artérias anastomóticas, que atravessam superficialmente a dura-máter.[1] O padrão curvo deste tipo de vasos sanguíneos, quando associado a uma inflamação na dura-máter por meio infecioso, faz aumentar o fluxo sanguíneo, que se traduz num aumento da pressão lateral e diminuição a jusante. Sendo por esse motivo que estas artérias são muitas vezes encontradas em locais onde existem grandes exigências metabólicas de caráter temporário, como por exemplo, regiões em contacto com processos inflamatórios.[1][6]

Hershkovitz e colaboradores (2002)[1] sugeriram que a lesão era característica de infeção intratorácica da tuberculose, porém alguns autores [7][8] indicam que, além de lesões cranianas, é essencial procurar por mais sinais esqueléticos para garantir um diagnóstico diferencial mais preciso, como por exemplo, osteopenia ou paralisia, que podem indicar que o indivíduo sofreu uma infeção crónica.[2]

Geralmente, a SES é encontrada com maior frequência em indivíduos não-adultos, provavelmente por apresentarem a dura-máter menos aderida ao crânio, o que proporciona uma maior contração de infeções do aparelho respiratório, como por exemplo, na nasofaringe e pulmões, em relação aos adultos. E é de referir que, os sulcos vasculares no endocrânio tornam-se mais profundos com a idade.[1]

Doenças possivelmente associadas[editar | editar código-fonte]

A lesão serpens endocrania symetrica poderá estar associada a vários grupos de patologias, nomeadamente infecciosas, traumáticas, metabólicas e neoplásicas. No entanto, é mais comumente associada às patologias traumáticas e infeciosas.[9] Vários investigadores sugeriram, que as doenças respiratórias, como a tuberculose ou a meningite tuberculosa, eram a causa mais provável da SES, devido às áreas cranianas afetadas serem um forte indicador que a lesão é característica da tuberculose, por conterem uma maior quantidade de osso esponjoso, favorecendo uma infeção pela Mycobacterium tuberculosis.[10][11]Enquanto outros indicam que essa é uma decisão prematura e que as provas são exíguas.[1][7][12] Surge deste modo, a hipótese da SES, se encontrar relacionada a infeções na zona intratorácica, sem recair necessariamente no possível diagnóstico da tuberculose.[12]

Abbeg e colaboradores (2020) analisaram 4 crianças com possível SES presente nos ossos parietais e occipital. Depois de questionada a origem da lesão, foi ponderada a possível associação a uma patologia traumática, no entanto a pouca severidade dos ferimentos e as semelhanças entre as lesões associadas à tuberculose e a SES, levaram a que se considerasse uma associação às patologias infeciosas.[9]

Lesões possivelmente associadas[editar | editar código-fonte]

Uma das mudanças que poderá estar associada a esta lesão é a osteoartropatia hipertrófica, uma vez que foi observada em 68% dos indivíduos com SES e diagnóstico de tuberculose, na análise efetuada por Hershkovitz e colaboradores (2002).[1]

Essa associação, deve-se ao facto de ambas se manifestarem em áreas ósseas próximas a grandes vasos sanguíneos, onde ocorre formação de osso ao redor destes.[1] A formação de osso novo, por sua vez, é precedida por um crescimento intensivo de tecido conjuntivo vascular na grande maioria das regiões afetadas, pelo menos no que diz respeito à osteoartropatia hipertrófica pulmonar.[13] Porém, o que desencadeia o processo da SES em si ainda não é conhecido.[1]

Outras lesões que afetam a tábua endocraniana[editar | editar código-fonte]

Além da serpens endocrania symetrica, são encontradas mais lesões na tábua endocraniana, tais como:[1][6]

  • Existência de placas ósseas soltas e desorganizadas, sem estrutura labiríntica, causadas por hematomas subdurais.

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s Hershkovitz, Israel; Greenwald, Charles M.; Latimer, Bruce; Jellema, Lyman M.; Wish-Baratz, Susanne; Eshed, Vered; Dutour, Olivier; Rothschild, Bruce M. (julho de 2002). «Serpens endocrania symmetrica (SES): A new term and a possible clue for identifying intrathoracic disease in skeletal populations». American Journal of Physical Anthropology (em inglês) (3): 201–216. ISSN 0002-9483. doi:10.1002/ajpa.10077. Consultado em 20 de maio de 2023 
  2. a b c Janovic, A.; Milovanovic, P.; Sopta, J.; Rakocevic, Z.; Filipovic, V.; Nenezic, D.; Djuric, M. (janeiro de 2015). «Intracranial Arteriovenous Malformations as a Possible Cause of Endocranial Bone Lesions and Associated Neurological Disorder: Aetiology of endocranial lesions». International Journal of Osteoarchaeology (em inglês) (1): 88–97. doi:10.1002/oa.2266. Consultado em 30 de abril de 2023 
  3. Bernard, Shenell; Newell, Kira; Tubbs, R. Shane (1 de janeiro de 2020). Tubbs, R. Shane, ed. «Chapter 2 - The Superior Sagittal Sinus». Philadelphia: Elsevier (em inglês): 9–27. ISBN 978-0-323-65377-0. doi:10.1016/b978-0-323-65377-0.00002-7. Consultado em 30 de abril de 2023 
  4. Miller, Hannah Marie. «Pathological cranial lesions in a juvenile cranial collection». scholarworks.calstate.edu (em English). Consultado em 30 de abril de 2023 
  5. Larentis, Omar; Tonina, Enrica (9 de setembro de 2021). «A possible case of tuberculosis from a medieval site in northeast Italy. The infant of the Immacolata and San Zenone church, Tassullo, Trentino». Medicina Historica (em inglês) (2): e2021021–e2021021. ISSN 2532-2370. Consultado em 30 de abril de 2023 
  6. a b Baker, Joseph Oussama; Chamel, Bérénice; Dutour, Olivier (4 de outubro de 2021). «New Paleopathological Evidence of Tuberculosis in Child Skeletal Remains from Tell Aswad (8,730-8,290 cal. BC, southern Syria)». Paléorient. Revue pluridisciplinaire de préhistoire et de protohistoire de l’Asie du Sud-Ouest et de l’Asie centrale (em inglês) (47-1): 97–108. ISSN 0153-9345. doi:10.4000/paleorient.926. Consultado em 30 de abril de 2023 
  7. a b Lewis, M. E. (março de 2004). «Endocranial lesions in non-adult skeletons: understanding their aetiology». International Journal of Osteoarchaeology (em inglês) (2): 82–97. ISSN 1047-482X. doi:10.1002/oa.713. Consultado em 30 de abril de 2023 
  8. Roberts, Charlotte A.; Pfister, Luz‐Andrea; Mays, Simon (julho de 2009). «Letter to the editor: Was tuberculosis present in Homo erectus in Turkey?». American Journal of Physical Anthropology (em inglês) (3): 442–444. ISSN 0002-9483. doi:10.1002/ajpa.21056. Consultado em 20 de maio de 2023 
  9. a b Abegg, Claudine; Dutour, Olivier; Desideri, Jocelyne; Besse, Marie (maio de 2020). «Cases of serpens endocrania symmetrica in young individuals from Neolithic Western Switzerland: Description and interpretation». International Journal of Osteoarchaeology (em inglês) (3): 401–409. ISSN 1047-482X. doi:10.1002/oa.2863. Consultado em 30 de abril de 2023 
  10. Dawson, Heidi; Robson Brown, Kate (1 de março de 2012). «Childhood tuberculosis: A probable case from late mediaeval Somerset, England». International Journal of Paleopathology (em inglês) (1): 31–35. ISSN 1879-9817. doi:10.1016/j.ijpp.2012.04.001. Consultado em 30 de abril de 2023 
  11. Lewis, Mary E. (1 de março de 2011). «Tuberculosis in the non-adults from Romano-British Poundbury Camp, Dorset, England». International Journal of Paleopathology (em inglês) (1): 12–23. ISSN 1879-9817. doi:10.1016/j.ijpp.2011.02.002. Consultado em 30 de abril de 2023 
  12. a b Minozzi, Simona; Catalano, Paola; Caldarini, Carla; Fornaciari, Gino (2012). «Palaeopathology of Human Remains from the Roman Imperial Age». Pathobiology (em english) (5): 268–283. ISSN 1015-2008. PMID 22722566. doi:10.1159/000338097. Consultado em 30 de abril de 2023 
  13. Holling, H. E.; Brodey, R. S. (9 de dezembro de 1961). «Pulmonary hypertrophic osteoarthropathy». JAMA: 977–982. ISSN 0098-7484. PMID 13908438. doi:10.1001/jama.1961.03040490003002. Consultado em 30 de abril de 2023