Usuário:Lord Mota/Congo

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A crise pós-eleitoral na República Democrática do Congo de 2006-2007 refere-se aos vários protestos, distúrbios e confrontos ocorridos durante e após a eleições gerais na República Democrática do Congo em 2006 entre os partidários e milicianos leais ao candidato derrotado nas eleições, Jean-Pierre Bemba, e os partidários e as forças armadas do governo eleito sob Joseph Kabila.

Contexto[editar | editar código-fonte]

Os acordos que encerraram a Segunda Guerra do Congo estabeleceram um Governo de Transição, que governaria até que as eleições se realizassem, e a adoção do sistema 1+4, ou seja, um presidente da República e quatro vice-presidentes, oriundos dos quatro movimentos rebeldes e da oposição política. Para presidir esse governo provisório foi escolhido Joseph Kabila, que contava com os seguintes vice-presidentes: Azarias Ruberwa, Arthur Z'ahidi Ngoma, Abdoulaye Yerodia Ndombasi e Jean-Pierre Bemba. Um ponto bastante controverso em relação a este governo provisório foi a permissão dada aos vice-presidentes de possuírem um exército pessoal responsável por sua segurança.

A eleição de 2006 foi a primeira, em um período de mais de quarenta anos, em que a República Democrática do Congo escolheu seu presidente. Contudo, como reflexo da instabilidade política e a existência de grupos armados paralelos ao Estado ocorreriam combates entre os partidários e milicianos leais ao candidato derrotado nas eleições e os partidários e as forças do governo eleito.

Confrontos em Kinshasa em agosto[editar | editar código-fonte]

A partir de 20 de agosto, ocorreram em Kinshasa confrontos armados pesados entre as forças leais a Kabila e a Bemba. Ambos os lados se acusaram mutuamente de iniciar os combates. [1]

No dia 21 de agosto, durante uma reunião entre Bemba e embaixadores estrangeiros representando o Comitê Internacional de Transição à Democracia (CIAT) [2], em Kinshasa, eclodiram confrontos entre as forças de Kabila e Bemba e a residência de Bemba, que sediava a reunião, ficou sob ataque. De acordo com um diplomata na residência, os combates incluíram fogo pesado de artilharia e metralhadoras. [3] Bemba e os diplomatas foram transferidos para um abrigo de segurança da residência e não houve relatos de feridos. Planos de evacuação para os diplomatas isolados no abrigo foram elaborados. O helicóptero particular de Bemba teria sido destruído no ataque. [4] Várias horas depois, o porta-voz das Nações Unidas na República Democrática do Congo, Jean-Tobias Okala, anunciou que os diplomatas estrangeiros, incluindo o chefe da MONUC William L. Swing, foram evacuados com sucesso para o quartel general das Nações Unidas pelas forças de manutenção da paz espanholas e uruguaias depois que um general de alta patente de Kabila e o comandante das forças da ONU cooperaram para permitir uma passagem segura. [5]

Assim que o resgate foi concluído, os combates na capital da República Democrática do Congo prosseguiram e, em 22 de agosto, dois tanques do exército congolês foram enviados para a mais recente área de combate.[1] A UE começou a enviar mais tropas de manutenção da paz para Kinshasa e o chefe da MONUC, Swing, solicitou um cessar-fogo imediato. [6] Mais tarde, em 22 de agosto, no terceiro dia de combates, os dois lados assinaram um acordo de cessar-fogo provisório para se retirarem do centro de Kinshasa. A AFP informou que "o acordo foi assinado por representantes de Kabila e Bemba, o exército congolês, a missão MONUC da ONU, a força europeia EUFOR e a missão policial europeia EUROPOL, reunindo como um "grupo de trabalho" no quartel general da MONUC em Kinshasa.".[7] Dezesseis pessoas foram mortas nos combates que tiveram artilharia pesada e fogo de metralhadora, com a polícia informando que mais corpos poderiam ser encontrados. [8] No final do dia, o ministro do Interior, Theophile Mbemba Fundu, colocou o número de vítimas da semana de confrontos em 23 mortos e 43 feridos. [9] Em 24 de agosto, o cessar-fogo permaneceu em vigor, com as forças do exército leais aos dois candidatos remanescentes nos quarteis, mas a situação permaneceu instável. [10] No final do dia, a polícia disparou tiros para o ar para dispersar multidões enfurecidas exigindo que duas das estações de televisão de Bemba fossem reabertas.[8] A South African Airways anunciou que que os voos para Kinshasa seriam retomados em 25 de agosto, depois de estarem suspensos desde o início dos combates.[11]

Em 26 de agosto, Kabila e Bemba anunciaram que ambos haviam concordado em se encontrar.[12] No final do dia, no entanto, as tensões aumentaram quando Bemba não compareceu à reunião.[13] Em 29 de agosto, a MONUC anunciou que os representantes de Kabila e de Bemba deveriam se reunir sob a supervisão da ONU. [14] No final do dia, foi relatado que os próprios Kabila e Bemba se encontraram pela primeira vez desde que os confrontos começaram.[15] Em 30 de agosto, a MONUC anunciou que a reunião resultou na criação de duas subcomissões conjuntas, uma para conduzir uma investigação independente sobre os confrontos e a outra para elaborar regras que evitarão que a violência se repita durante o segundo turno das eleições em 29 de outubro.[16]



Violência de março de 2007 e exílio de Bemba[editar | editar código-fonte]

Depois de sua derrota para Joseph Kabila na eleição presidencial de outubro de 2006, Jean-Pierre Bemba foi eleito senador em Janeiro de 2007 e prometeu liderar uma "oposição republicana" ao seu governo. Entretanto, sua recusa de fundir sua guarda pessoal no exército governamental no início de 2007, levaria a um confronto direto com o governo.

Uma altercação com os guarda-costas de Bemba conduziria, em 22 de março de 2007, a combates em torno de sua residência e escritórios[17]. Segundo o governo central do país, Bemba não poderia manter um contingente de forças armadas sob seu comando; assim, seu exército pessoal deveria renunciar às armas e se integrar às forças regulares do país. Os guardas de Bemba não haviam obedecido a um ultimato, cujo prazo havia expirado em 15 de março, para aceitar sua incorporação ao exército regular[18] exigindo garantias adicionais de segurança. Bemba argumentou que sua casa haveria sido atacada quatro vezes desde sua derrota nas eleições, além de ter seu irmão sequestrado no dia 21 de março. Já o governo acusou Bemba de planejar depor Kabila.[19][20]

Durante os combates, muitos civis ou soldados (pelo menos 60 pessoas) foram mortos. Bemba pediu um cessar-fogo e negociações e se refugiou com sua família na embaixada sul-africana.[21] Os enfrentamentos, segundo moradores, foi caracterizado por um toque de recolher implícito e pela ocorrência de muitos saques na capital. Esses confrontos mataram mais de 200 pessoas em Kinshasa. Com a continuação dos combates em 23 de março, foi emitido um mandado de prisão contra Jean-Pierre Bemba, agora acusado de alta traição.[22] Apesar da sua imunidade parlamentar concedida pelo cargo de senador, o procurador-geral do país afirmou que pediria ao parlamento para removê-la.

Em 26 de março, Kabila declarou que a segurança não poderia ser garantida por meio de negociações e se referiu à importância de restaurar a ordem. Bemba, por sua vez, alertou para uma potencial ditadura e conjecturou seu retiro para o exílio, citando preocupações de segurança. [23]

Esta situação desencadeou um imbróglio diplomático e numa tentativa de apaziguamento o embaixador sul-africano em Kinshasa solicitou ao seu homólogo português para servir de facilitador. As negociações envolveram os governos de Portugal e da República Democrática do Congo e a Missão da ONU no Congo (MONUC) sobre o destino de Bemba. [24] Aproveitando o passaporte português de sua esposa Liliane Teixeira, uma luso-brasileira filha de um emigrante português, e dos filhos e o fato de Bemba ser proprietário de uma residência na Quinta do Lago, no Algarve, a diplomacia portuguesa mediou uma saída negociada de Bemba do país e do cenário político congolês para resolver a situação de crise.[25][26][27]

Assim, no final do mês, foi relatado que Bemba planejava viajar para Portugal sob alegação de submeter-se a tratamentos médicos para uma lesão antiga na perna.[28] Posteriormente, o embaixador português afirmou em 30 de março que Bemba iria a Portugal para tratamento, mas não se exilaria. Em 9 de abril, o Senado aprovou a viagem, por um período de 60 dias.[29] No dia seguinte, Bemba deixou a embaixada sul-africana escoltado por veículos blindados da ONU em direção ao aeroporto internacional de Kinshasa, onde embarcou em seu jato particular, com sua família, para Portugal.[30] Em 12 de abril, o procurador-geral, Tshimanga Mukeba, declarou que havia pedido ao Senado que retirasse a imunidade de Bemba. [31]


Ligações externas[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. a b "Congo-Kinshasa: Fresh Fighting After SA Envoy Rescued in DRC", Cape Argus, 22 de agosto de 2006
  2. "O CIAT inclui os embaixadores dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas: Reino Unido, República Popular da China, França, Rússia e Estados Unidos; além de Angola, Bélgica, Canadá, Gabão, Zâmbia e África do Sul e funcionários da missão de manutenção da paz das Nações Unidas MONUC, da União Europeia e da União Africana."
  3. "DRC: Candidate's residence attacked" Arquivado em 2007-03-11 no Wayback Machine, Mail & Guardian, 21 de agosto de 2006
  4. "Kabila, Bemba Forces Fight in Congo Capital" Arquivado em 2006-08-21 no Wayback Machine, Voice of America, 21 de agosto de 2006
  5. "UN frees diplomats trapped in Congo attack", CBC, 21 de agosto de 2006
  6. "UN presses Congo factions to end Kinshasa fighting", SABC, 22 de agosto de 2006
  7. "DRC rivals withdraw forces" Arquivado em 2007-09-30 no Wayback Machine, AFP, 22 de agosto de 2006
  8. a b "DRC police fire shots as fragile truce holds" Arquivado em 2006-10-13 no Wayback Machine, Mail & Guardian, 24 de agosto de 2006
  9. "23 killed in DRC violence" Arquivado em 2006-08-24 no Wayback Machine, AFP, 24 de agosto de 2006
  10. "Fragile DRC ceasefire holding" Arquivado em 2007-09-29 no Wayback Machine, SABC, 24 de agosto de 2006
  11. "SAA flights resume to DRC", Independent Online, 24 de agosto de 2006
  12. "DRC presidential rivals to meet" Arquivado em 2009-05-02 no Wayback Machine, AFP, 26 de agosto de 2006
  13. "Bemba boycotts Kabila meeting" Arquivado em 2006-09-01 no Wayback Machine, AFP, 26 de agosto de 2006
  14. "Opposing Congo camps to meet under UN supervision", AFP, 29 de agosto de 2006
  15. "DRC poll rivals meet for talks" Arquivado em 2007-09-30 no Wayback Machine, AFP, 29 de agosto de 2006
  16. "Candidates Working to Prevent Violence During Runoff", MONUC, 30 de agosto de 2006
  17. "Sustained gunfire reported in Congo's capital", Associated Press (IOL), 22 de março de 2007.
  18. Eddy Isango, "Congolese armies not backing down", Associated Press (IOL), 17 de março de 2007.
  19. «Violência nas ruas isola grupo em embaixada brasileira no Congo». Folha Online. 23 de março de 2007 
  20. «Exército retoma controle da capital do Congo». BBC News. 24 de março de 2007 
  21. "DR Congo rebel chief seeks refuge", BBC News, 23 de março de 2007.
  22. "Bemba: Wanted for high treason", Reuters (IOL), 23 de março de 2007.
  23. "Kabila defends use of force as clashes go on", AFP (IOL), 26 de março de 2007.
  24. «RDCongo: Exílio de Jean-Pierre Bemba em Portugal levanta polémica». ANGOP. 3 Abril de 2007 
  25. «Detido na Bélgica antigo vice-presidente da RDC». Público. 26 de Maio de 2008 
  26. «Líder da oposição congolesa detido pelo TPI tinha protecção oficial portuguesa». Público. 27 de Maio de 2008 
  27. «O genro congolês do sr. Teixeira que vem passar uns meses a Portugal». Diário de Noticias 
  28. «Jean-Pierre Bemba poderá vir para Portugal para "tratamento médico"». Agência LUSA 
  29. "Bemba 'free to leave' DR Congo" Arquivado em 2007-09-30 no Wayback Machine, Al Jazeera, 10 de abril de 2007.
  30. "Bemba leaves DR Congo", Al Jazeera, 11 de abril de 2007.
  31. "RDC: L’immunité de Bemba en question", VOA Afrique, 13 de abril de 2007.