Chanacomchana

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Chanacomchana (São Paulo, 1981-1987) foi uma publicação independente em formato de boletim, ou zine, dos coletivos paulistas Lésbico-Feminista (LF) e Grupo Ação Lésbica-Feminista (GALF), que desempenhou um papel importante na organização política e resistência da comunidade lésbica durante os anos 1980 no Brasil. O conteúdo do boletim[1] reunia colagens progressistas e revolucionárias e tematizava questões femininas, especialmente lésbicas, a partir da divulgação de atividades e reflexões pertinentes para a comunidade.[2][3][4]

A edição zero foi a única produzida em formato de jornal e precedeu um hiato de publicação de mais de um ano, até voltar a ser produzido em formato reduzido ao final de 1982, quando passou a ser chamado de Boletim Chanacomchana. "Por meio de matérias que investigaram e questionaram os lugares ocupados pelas lésbicas na sociedade, de entrevistas que buscaram trazer à tona vozes silenciadas, de publicações de cartas que formaram extensos fóruns de discussão, encontro e paquera, de poesia e de literatura lésbica e de outros formatos que por fim colocaram a vivência lésbica em foco, o Chanacomchana representou para as homossexuais um espaço inaugural na escrita de sua própria história e da demarcação de sua identidade como potente e política".[5]

A publicação existiu até 1987 e suas últimas edições exploraram temas importantes para a época como a pandemia da AIDS, a Lei da Anistia, e o debate sobre a Constituinte.[6][7]

História[editar | editar código-fonte]

O boletim foi publicado pela primeira vez em 1981, pela ala lésbica do grupo Somos, e voltou a ser publicado pelo GALF em 1982. Em um período bastante conservador, ainda no final da Ditadura Militar no Brasil, a própria circulação da publicação era difícil entre as próprias mulheres lésbicas, que tinham medo de receber uma revista com um nome que sugerisse sua identidade sexual. Dessa forma, as fundadoras do GALF Rosely Roth, falecida em 1990, e Miriam Martinho passaram a comercializar o Chanacomchana na frente do Ferro's Bar, local de encontro de mulheres lésbicas na época.[8]

A manifestação do Ferro's Bar[editar | editar código-fonte]

Situado na rua Martinho Prado, em frente ao atual Museu Judaico de São Paulo, no centro da cidade, o Ferro's Bar era anteriormente frequentado por militantes comunistas, mas com o Golpe Militar na década de 1960, passou a ser um local importante para os encontros LGBT na cidade. Contudo, em 1983, o então dono do bar tentou proibir aos poucos a circulação do Chanacomchana e expulsar as ativistas do local.[9]

Segundo Míriam Martinho, os donos do bar não gostavam da publicação. “A razão pela qual eles começaram a implicar com gente foi porque o boletim era muito explícito, explicitamente lésbico, numa época em que todo o mundo estava no armário. Aquela coisa hipócrita de ‘você pode estar aqui desde que finja que não é homossexual’ rolava lá também. O bar era sustentado pelas lésbicas, mas não podíamos ter nenhuma expressão muito aberta de carinho. Imagine só um boletim chamado Chanacomchana”. [8]

Em resposta às frequentes expulsões violentas, em 19 de agosto de 1983, deu-se início ao protesto que ficou conhecido como o "Stonewall brasileiro".  As ativistas da GALF se organizaram para trazer a presença de outros grupos LGBT, feministas e figuras políticas como o então deputado Eduardo Suplicy, para invadir o interior do Ferro’s e leram um manifesto lésbico contra a censura do bar, exigindo que a venda do jornal fosse permitida e que elas fossem respeitadas.[10]

O ocorrido foi um marco na história da luta por direitos LGBT no Brasil e em sua memória é celebrado o Dia do Orgulho Lésbico. [11][12][13]

Referências

  1. Olhar, Um Outro. «Memória Lesbiana: Míriam Martinho e o processo de produção dos boletins ChanacomChana e Um Outro Olhar». Consultado em 20 de julho de 2022 
  2. «Chanacomchana: Conheça a história do Stonewall brasileiro». observatoriog.bol.uol.com.br. Consultado em 30 de outubro de 2021 
  3. «As mídias alternativas ChanacomChana e Lampião da Esquina: uma trajetória de resistência, identidade e visibilidade». Consultado em 30 de outubro de 2021 
  4. «Na ditadura, mídias alternativas quebraram tabus sobre LGBTs». Jornal da USP. 13 de julho de 2018. Consultado em 30 de outubro de 2021 
  5. LUCRESIA, Emir de Mello; MARQUEZ, Renata Moreira (2022). Anais do 1º Colóquio Design e Memória. Belo Horizonte: Sobrado. p. 563. 671 páginas. ISBN 978-65-998126-0-6 
  6. «ChanacomChana n.12 - "Sexualidade e Saúde"». Acervo Bajubá (em inglês). 19 de setembro de 2017. Consultado em 30 de outubro de 2021 
  7. «Para completar a coleção, ChanacomChana edição 11». Acervo Bajubá (em inglês). 17 de setembro de 2020. Consultado em 30 de outubro de 2021 
  8. a b Queer, iG (5 de janeiro de 2021). «Pequeno Stonewall Brasileiro: protesto que deu origem ao Dia do Orgulho Lésbico». Queer. Consultado em 30 de outubro de 2021 
  9. «Árvore da vida - Gilberto Dimenstein». www1.folha.uol.com.br. Consultado em 30 de outubro de 2021 
  10. Ker, João (27 de agosto de 2020). «Por que celebramos os Dias do Orgulho e da Visibilidade Lésbica». Revista Híbrida. Consultado em 30 de outubro de 2021 
  11. Trabalhadora, Casa da Mulher. «19 de Agosto – Dia do Orgulho Lésbico». Consultado em 30 de outubro de 2021 
  12. «Dia da Visibilidade Lésbica: como surgiu e por que ele é tão necessário?». Capricho. Consultado em 30 de outubro de 2021 
  13. Digital, Máxima (19 de agosto de 2021). «Dia do Orgulho Lésbico Brasileiro: Conheça a história por trás desta data». Máxima. Consultado em 30 de outubro de 2021 

Ligações Externas[editar | editar código-fonte]