Diogo Sardinha

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Diogo Sardinha é um filósofo português nascido em Lisboa em 1971.[1] Autor de livros sobre o pensamento moderno e contemporâneo, estudou primeiro na universidade de Lisboa e depois na universidade de Nanterre sob a orientação de Étienne Balibar. Em 2013 foi eleito presidente do Collège international de philosophie, em Paris, tendo sido o primeiro estrangeiro a ocupar este cargo[2] desde a fundação daquela instituição francesa, em 1983. Durante a crise que afetou o Collège em 2014 por falta de financiamento da parte do estado Francês, Diogo Sardinha conduziu uma mobilização internacional[3][4][5] que culminou com o restabelecimento da verba atribuída e com o reforço da instituição.[6]

Biografia[editar | editar código-fonte]

Diogo Sardinha entrou para a Universidade de Lisboa em 1990 e licenciou-se em 1997.[1][7] A partir de 1998 prosseguiu a sua formação em Paris. Doutorou-se na Universidade de Paris 10-Nanterre (2005)[8] e fez a agregação de filosofia pela Universidade Paris 8 Vincennes Saint-Denis (2016)[9]. Foi pesquisador visitante das universidades Católica de São Paulo (2006),[10] Freie de Berlin (2007-2008)[11] e Columbia de Nova Iorque (2013).[12] No Colégio Internacional de Filosofia, dirigiu o programa de investigação "Violência e política: o motim como forma de movimento selvagem" (2010-2016).[13]

Filosofia[editar | editar código-fonte]

Em seu primeiro livro, Ordem e Tempo na Filosofia de Foucault (em Francês),[14] Sardinha argumenta, contra estudiosos para os quais a obra de Michel Foucault é marcada apenas por ruturas e descontinuidades, que ela é estruturada por um certo tipo de pensamento sistemático. Esta sistematicidade só pode ser compreendida com referências à tradição filosófica clássica, sobretudo Kant, Hegel, Nietzsche e Heidegger. Sua tese é que, sem repetir velhos sistemas filosóficos, Foucault renova a preocupação com uma concepção coerente da experiência.

Esta interpretação suscitou críticas e elogios. Para Étienne Balibar, ela tem a virtude de explorar uma via alternativa a dois caminhos opostos. Como ele escreve: "a interpretação do gesto filosófico de Foucault […] tem ainda hoje dificuldade em se desembaraçar de um dilema, no fundo clássico, entre interpretações e usos empiristas – ou, se preferirmos, pragmáticos – e recuperações dogmáticas, talvez até metafísicas (e também, crescentemente, moralizadoras)."[15] A via proposta por Sardinha passa pelo "efeito de complicação, de deslocamento e, finalmente, de reviravolta, que afeta, durante o percurso, a hipótese (a priori um pouco formal) de uma ordem estruturando a composição e a escrita dos livros de Foucault, ordem que teria nas ‘metáforas’ do fundo e da superfície seus indícios, e cujo cerne seria o conflito das temporalidades, que marca internamente a disposição dos saberes, os dispositivos de poder ou a transformação dos princípios éticos. […] Quando finalmente a ideia de ‘relação fundamental’ for transformada na de ‘sistematicidade sem fim’ (expressão que simultaneamente imita Kant e se desloca sutilmente em relação a ele), a pretensão do autor terá encontrado sua justificação – em todo o caso, ela não poderá mais deixar de ser levada a sério."[16]

Já para Alain Brossat, "com o auxílio de termos ou enunciados tão vagos quanto ‘projeto’ (o que contra tudo e todos unifica a obra a despeito das ruturas e disparidades manifestas que a pontuam), ‘sistematicidade sem fim’, ‘jogo livre’, ‘sentido fundamental’, ‘sistematicidade sintética’… se constrói uma tenaz teleologia fundada na evidência indiscutida segundo a qual o sentido de um trabalho filosófico agenciado em torno a um nome próprio só pode se descobrir afinal na aparição terminal do sentido de uma obra, indissociável de sua unidade contra tudo e contra todos. O fato é que tal leitura só pode impor seu dogma às custas do esquecimento e mesmo da denegação de muitos enunciados nos quais Foucault se pronuncia sobre as disposições qui inspiram seu trabalho, sobre os gestos que ele ativa em sua prática intelectual: a crítica rigorosa das noções de autor e de obra (Que é um autor?), o jogo perpétuo de desassujeitamento em relação às condições da filosofia entendida como campo institucional (‘Não sou filósofo...’), a validação da qualidade heurística das descontinuidades (a ‘descontinuação’ como desdobramento de uma potência própria do investigador – ‘Escrevo para esquecer…’), etc."[17]

Diogo Sardinha publica uma resposta a Alain Brossat, contestando sua leitura: "ele me atribui ideias que me são pelo menos estranhas, para não dizer que correspondem por vezes, e mesmo muitas vezes, exatamente ao oposto não apenas do que eu penso, mas também do que escrevi."[18]

Quando a tradução da obra é publicada em espanhol,[19] é saudada como "um grande acontecimento que amplia nossas formas de compreensão do trabalho de Michel Foucault, rumo a um horizonte hermenêutico inovador, potente, questionante e polêmico."[20]

Em seu segundo livro, A Emancipação de Kant a Deleuze (em Francês),[21] Sardinha mostra o quanto Kant e Deleuze se situam no extremo oposto um do outro. Assim, na historia da emancipação, do Esclarecimento até o final do século XX, Kant lança um apelo a que cada um torne-se adulto, enquanto Deleuze insiste num devir-criança. Sardinha reconstrói os desenvolvimentos que conduziram de um ao outro e os relaciona com outros autores da filosofia (Nietzsche, Benjamin, Heidegger, Sartre e Foucault) e da literatura (Baudelaire, Artaud, Bataille).

Publicações e traduções (seleção)[editar | editar código-fonte]

Alemão[editar | editar código-fonte]

  • "Motus, Meute, Meuterei: Formen wüster Bewegung", Paragrana, n°19, 2010 (1), p.122-139
  • "Spaltung im Innern des Volks: Nation, Pöbel und Kanaille in Kants Anthropologie", in Ch. Delory-Momberger, G. Gebauer, M. Krüger-Potratz, Ch. Montandon e Ch. Wulf (dir.), Europäische Bürgerschaft in Bewegung, Münster/Berlim, Waxmann, 2011, p. 181-191
  • "Was tun mit einem Floß aus Stein? Die Iberische Halbinsel zwischen den Meeren und Kontinenten", in F. Hofmann e M. Messling (dir.), Fluchtpunkt. Das Mittelmeer und die europäische Krise, Berlim, Kadmos, 2017, p. 172-190

Chinês[editar | editar código-fonte]

  • "作为反形而上学原则的关系唯名主义", Tsinghua Studies in Western Philosophy, vol. 3, n° 2, Inverno de 2017, p. 141-154

Espanhol[editar | editar código-fonte]

  • Orden y Tiempo en la Filosofía de Foucault, Medellin, Editorial Universidad de Antioquia, 2014, 234 p.
  • "Una minoría que no dicta la ley. El Kant de la Ilustración releído por Foucault", in J.L. Pardo e M. Díaz Marsá (org.), Foucault y la Cuestión del Derecho, Madrid, Escolar y Mayo, 2017, p.  247-266
  • "Pensar como perros: Foucault y los cínicos", Dorsal. Revista de Estudios Foucaultianos, n° 2, junho 2017, p. 283-300
  • "Marx y Foucault. El nominalismo de la relación como principio anti-metafísico", in José Luis Villacañas Berlanga e Rodrigo Castro Orellana, Foucault y la historia de la filosofía, Madrid, Dado Ediciones, 2018, p. 207-223

Francês[editar | editar código-fonte]

  • "La biopolitique (d’)après Michel Foucault. À partir des cours de 1977-1979 au Collège de France: Sécurité, territoire, population et Naissance de la biopolitique"; coordenação do dossier da revista Labyrinthe, n° 22, 2005 (3)
  • Vivre en Europe. Philosophie, politique et science aujourd’hui, co-dir. com Bertrand Ogilvie e Frieder Otto Wolf, Paris, L’Harmattan, 2010, 299 p.
  • Ordre et temps dans la philosophie de Foucault, Paris, L’Harmattan, 2011, 251 p.
  • "L’homme après sa mort, Kant après Foucault"; coordenação do dossier da revista Rue Descartes, n° 75, 2012 (3)
  • L’Émancipation de Kant à Deleuze, Paris, Edições Hermann, 2013, 246 p.
  • "Pourquoi Balibar?", coordenação com M. Gaille e J. Lacroix do dossier da revista Raison publique, n° 19, nov. 2014
  • La Philosophie et l’archive. Un dialogue international, co-dir. com Franck Jedrzejewski, Paris, L’Harmattan, 2017, 249 p.

Inglês[editar | editar código-fonte]

  • "Dandyism and its Aftermath: Sartre, Bataille, Foucault and Deleuze on Emancipation", in Vanessa Brito e Emiliano Battista (org.), Becoming Major, Becoming Minor, Maastricht, Jan van Eyck Academie, 2011, p. 77-96

Italiano[editar | editar código-fonte]

  • "L’Emancipazione da Kant a Deleuze. Divenir maggiore, divenir minore", Pólemos. Materiali di filosofia e critica sociale, n° 1/2017, p. 123-141

Português[editar | editar código-fonte]

  • "Justiça e produção de verdade. Foucault e a psiquiatria criminal", Philosophica, n° 19/20, 2002, p. 343-358
  • "As duas ontologias críticas de Foucault: da transgressão à ética", Trans/Form/Ação, vol.33, n°2, 2010, p.177-192
  • "A humanidade na animalidade. Kant e a antropologia do bem e do mal", Philosophica, n° 31, 2008, p. 51-64
  • "Sonhar com uma sociedade autêntica", in Jean-Yves Mercury e Nuno Nabais (org.), Corps et signes: no centenário do nascimento de Claude Lévi-Strauss e Maurice Merleau-Ponty, Lisboa, Universidade de Lisboa, 2009, p. 61-75
  • "O sentido profundo de Vigiar e Punir", in A.F. Cascais, J.L.C. Leme e N. Nabais (org.), Lei, segurança e disciplina. Trinta anos depois de Vigiar e Punir de Michel Foucault, Lisboa, Universidade de Lisboa, 2009, p. 111-127
  • "O paradoxo da antropologia", in L. Ribeiro dos Santos, U. R. de Azevedo Marques, G. Piaia, M. Sgarbi, R. Pozzo (org.), Was ist der Mensch? Que é o homem? Antropologia, estética e teleologia em Kant, Lisboa, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2010, p. 179-191
  • "Um silêncio de Foucault sobre o que é a política", in Guilherme Castelo Branco e Alfredo Veiga-Neto (org.), Michel Foucault: filosofia & política, São Paulo, Autêntica, 2011, p. 97-109
  • "A filosofia e os seus cães: dos cínicos à canalha", Aurora, vol. 23, n° 32, 2011, p. 67-80
  • "Kant, Foucault e a antropologia pragmática", Kant e-Prints, série 2, v. 6, n° 2, jul.-dez. 2011, p. 43-58
  • "A antropologia filosófica desarmada pela filosofia antropológica, in S. Tannus Muchail, M. Alves da Fonseca et A. Veiga-Neto, O Mesmo e o Outro: 50 anos de História da Loucura, Belo Horizonte/São Paulo, Autêntica, 2013, p. 157-171
  • "Foucault: Repensar a crítica de Kant para uma outra compreensão do sujeito", in Bruno C. Duarte (org.), Da Crítica, Lisboa, Sistema solar (Documenta), 2016, p. 121-131
  • "Três corpos: Artaud, Foucault, Deleuze", Dois pontos, vol. 14, n° 1, abril 2017, p. 199-212
  • "Foucault pró e contra: das contraciências às anticiências", in Sílvio Gallo e Margareth Rago (org.), Michel Foucault e as insurreições. É inútil revoltar-se?, São Paulo, Intermeios, 2017, p. 119-132

Referências

  1. a b "Diogo Sardinha: Um filósofo em Paris", Jornal de Letras, Artes e Ideias, n° 1178, 25/11/2015, p. 29-31: 30.
  2. "Diogo Sardinha: Um filósofo em Paris", Jornal de Letras, Artes e Ideias, n° 1178, 25/11/2015, p. 29: "Nos 30 anos de existência do Colégio Internacional de Filosofia, sedeado em Paris, é o seu primeiro presidente estrangeiro. Um triunfo do espírito europeu sobre as tradições nacionais."
  3. Diogo Sardinha, "Urgence et mobilisation: le Collège international de philosophie en danger de mort", Le Nouvel Obs en ligne, 17/10/2014
  4. Times Higher Education, « An appeal to protect every citizen’s right to philosophy », 30/10/2014.
  5. Deutschlandradio Kultur - Kulturnachrichten, 23/10/2018.
  6. Change.org : "Sauvons l’espace civique du Collège international de philosophie, pour le droit à la philosophie pour tous!"
  7. https://www.sistemasolar.pt/pt/autor/1753/diogo-sardinha/?ac=autor
  8. https://www.theses.fr/2005PA100106
  9. http://www.llcp.univ-paris8.fr/spip.php?article1310
  10. http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/551-diogo-sardinha
  11. http://repositorio.ul.pt/retrieve/69789/Philosophica%2031-3.pdf
  12. http://heymancenter.org/people/diogo-sardinha/
  13. http://www.ciph.org/spip.php?page=quisommesnousdetail&id_personne=643
  14. Diogo Sardinha, Ordre et Temps dans la Philosophie de Foucault, Paris, L’Harmattan, 2011 (resenha em Materiali Foucaultiani) (ISBN 9782296563278)
  15. É. Balibar, "Comme si une Philosophie Était Née", prefácio a D. Sardinha, Ordre et Temps dans la Philosophie de Foucault, Paris, L’Harmattan, 2011, p. 11-21: p. 12-13.
  16. Idem.
  17. Alain Brossat, «Lectures de Foucault», Appareil.
  18. Diogo Sardinha, "Le livre imaginaire, ou comment oublier une leçon de Foucault", Appareil.
  19. Diogo Sardinha, Orden y tiempo en la filosofía de Foucault, Medellín, Editorial Universidad de Antioquia, 2014 (resenha em Sapientiae) (ISBN 9789587146271)
  20. Alberto Castrillón, "Prólogo a la primera edición em español", in D. Sardinha, Orden y tiempo en la filosofía de Foucault, Medellín, Editorial Universidad de Antioquia, 2014, p. 11.
  21. Diogo Sardinha, L’Émancipation de Kant à Deleuze, Paris, Hermann, 2013 (resenha em La Vie des Idées) (ISBN 9782705687571)