Discussão:João da Cruz

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Jesus Cristo e Maria - uma união erótica - poética de São João da Cruz[editar código-fonte]

O encontro de Jesus Cristo com Maria é a união do filho com a mãe e, ao mesmo tempo, do marido com a esposa. Édipo enfim realizado: essa é a síntese do pensamento místico cristão, versada por vates ao longo da história – uma interpretação inspirada nos sagrados evangelhos.

A união sexual entre filho e mãe é um dos maiores tabus sobre o qual se fundamenta a atual civilização. É, no mínimo, instigante perceber que os mitos / arquétipos “realizam”, no campo dos deuses, aquilo que é extremamente proibido no campo dos homens, algo indigno sequer de ser citado.

O encontro amoroso de Cristo e Maria assume um sentido claramente erótico nas exaltações poéticas dos místicos cristãos, dentre os quais São João da Cruz. Autor de extremas delicadezas, deixava escapar os vestígios do corpo no encontro divinal arrebatador – do qual os versos são o sussurro que induz / conduz / seduz / enfeitiça o leitor a deleitar-se no colo de Deus – em harmonia com o salmo 84:2, um dos preferidos do poeta: “meu coração e minha carne gozaram no Deus vivo”.

Na Espanha católica-conservadora do século XVI, o poeta erigiu versos que adentram bravamente este novo milênio. Sua força poética superou os moralismos daquele tempo e até hoje desafia os ditames da igreja que o assimilou – a mesma que o perseguiu e o encarcerou.

Muitos padres e hermeneutas de São João da Cruz tendem a sublimar a identidade entre o místico e o erótico revelada em seus versos. Como bem apontado pela tradutora Dora Ferreira da Silva, “a tradição ortodoxa sempre preferiu uma aproximação mais intelectual ou mesmo escolástica das verdades últimas do cristianismo”.

Nessa abstração racionalista, que permeou milênios na humanidade, a vivência do amor humano se reduziria a uma função biológico-reprodutora, expulsando os deuses de nosso jardim das delícias. A poesia mística, ao contrário, aponta para o encontro do divino dentro de si – o corpo como a taça onde os anjos bebem o vinho.

Para São João da Cruz, Deus é o mais profundo centro de nossa alma – acessada somente pelas mediações da carne. Cristo, nesse sentido, é a transformação do homem em Deus e vice-versa. Maria, mãe e esposa, é o elemento feminino que rege / recebe / concebe a tenebrosa união – um casamento que se efetiva dentro de cada um de nós.

A poesia, com o sabor de síntese e encanto, reduz o exposto acima a um mero intróito / pretexto para anunciar os versos que seguem abaixo, de autoria do santo espanhol:



Do nascimento

9



Já que era chegado o tempo


em que Ele nascer devia

assim como desposado

de seu tálamo saía

abraçado a sua esposa


que em seus braços a trazia


ao qual a graciosa mãe


num presépio deporia


entre doces animais


que ali no momento havia;


dos homens eram cantares

dos anjos a melodia

festejando os esponsais

que entre aqueles dois havia


mas Deus naquele presépio

só chorava e só gemia

e eram jóias o que a esposa


ao casamento trazia


e a mãe olhava espantada


a troca que ali se via


o pranto do homem em Deus

e no homem a alegria


coisas que num e no outro


tão diverso se cumpria.


Tradução de Dora Ferreira da Silva. Este poema, bem como as aspas citadas acima, estão em “A Poesia Mística de San Juan de La Cruz”. Edição bilíngue, São Paulo: Cultrix, 1984. A versão original em espanhol é um sabor a mais. Vejamos:



Del Nacimiento

9


Ya que era llegado el tiempo


en que de nacer avia

assí como desposado


de su tálamo salía,

abraçado con su esposa

que en sus braços la traýa


al qual la graciosa madre

en un pesebre ponía


entre unos animales

que a la sazón allí avía

los hombres dezían cantares


los ángeles melodía

festejando el desposorio


que entre tales dos avía


pero Dios en el pesebre

allí llorava y gimía

que eran joyas que la esposa


al desposorio traýa

y la madre estava en pasmo

de que tal trueque veýa

el llanto del hombre em Dios

y en el hombre el alegría

lo qual del uno y del outro

tan ajeno ser solía.

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