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Esquizofrenia: diferenças entre revisões

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Revisão das 04h28min de 31 de dezembro de 2004

A Esquizofrenia constitui uma das doenças mentais mais graves, sendo cada vez mais encarada não como uma doença única mas sim como um grupo de doenças, atingindo todas as classes sociais e raças. Manifesta-se habitualmente numa faixa etária mais jovens, mais concretamente entre os 15 e os 25 anos, quando o corpo está sob a grande influência das alterações hormonais e físicas que se processam durante a adolescência e no início da fase adulta, no caso do sexo feminino a doença ocorre com maior frequência um pouco mais tarde, entre os 25 e os 30 anos de idade.

História

As doenças mentais, foram desde sempre, de certo modo devido às características com alguma bizarria, incompreensibilidade e alienação, pouco compreendidas e alvo de varias especulações.

Várias são as explicações que tem surgido ao longo dos séculos, relativamente à origem das doenças mentais, mais concretamente da esquizofrenia.

Segundo Hipócrates, nascido em 460 a.C., a explicação das doenças mentais reside na observação e no raciocínio e não em explicações sobrenaturais. Para Empédocles, deveria-se estudar o homem segundo um microcosmo, defini então quatro elementos fundamentais a que vai corresponder humores: o sangue; a fleuma; a bílis amarela e a bílis negra. A existência destes humores iria gerar um desequilíbrio que conduziria à doença mental. Estas concepções da medicina greco-romana foi perdendo peso e dando lugar às explicações místicas e religiosas da Idade Média.

No século XV e XVI, as explicações sobrenaturais tiveram o seu apogeu, nas quais estes doentes eram considerandos por uns como “possessos pelos Demónios” ou por outros como bruxos ou feiticeiros, chegando muitas vezes a serem perseguidos pela Inquisição.

Na época renascentista, a doença é descrita por Willis (1667) como “ uma forma de «estupidez adquirida» ” (Pedro Afonso, Esquizofrenia: conhecer a doença, 2002), visto que atingia sobretudo indivíduos de faixas etárias jovens que inicialmente não tinham quaisquer problemas mentais e progressivamente iam entrando em demência.

Já em 1850, Morel define a doença que atinge os indivíduos mais jovens como “ demência precoce”. Em 1871, surge o termo “ hebefrenia”, criado por Hecker para explicar a doença que atingia sobretudo os indivíduos mais jovens.

Em 1911, Eugen Bleuler substitui o termo “dementia praecox” por esquizofrenia. A palavra Esquizofrenia deriva do grego, ou seja, schizein, fenda ou cisão, e phrenós, que significa pensamento. Com este novo conceito defendia que a deterioração final não era uma característica central da doença e que haviam perturbações nos processos do pensamento que iam para além das suas consequências como característica central da doença (cf. Delmina, 2000, 46). Ao longo dos anos a esquizofrenia tem sido objecto de vários estudos e o seu conceito ampliado e modificado. Ao falarmos de esquizofrenia é importante referir o movimento “anti psiquiatria”, que teve início nos anos 50 e decorreu na Inglaterra, por David Cooper e Ronald Laing, na Itália por Franco Basaglia e nos Estados Unidos por Thomas Szasz.

Este movimento defendia o encerramento dos hospitais psiquiátricos, visto que eram segundo estes “ como verdadeiras prisões de indivíduos”, estes negavam a existência das doenças mentais, logo também a esquizofrenia. Esta era considerada não como uma doença mas como um estilo de vida, não tem uma natureza biológica mas sim social, politica e legal.

Este movimento foi progressivamente diminuindo até aos finais dos anos 70, em que se iniciaram outras correntes psiquiátricas mais voltadas para a vertente comunitária e de reabilitação.

A Esquizofrenia é uma das doenças menos compreendidas, estando muitas vezes envolta em mitos e ideias vulgarizadas. Ao contrário destas ideias, a esquizofrenia não é a personalidade dividida, nem uma personalidade múltipla. A maioria das pessoas que sofrem desta doença não são violentas nem representam, como a grande parte das pessoas julga, um perigo para a sociedade.

Sintomas

A Esquizofrenia, não é mais do que uma doença da fisiologia do cérebro, que prejudica seriamente a capacidade de pensar de modo ordenado e de estabelecer relações humanas normais.

Actualmente o DSM IV define esquizofrenia como “uma perturbação que dura pelo menos 6 meses e inclui pelo menos 1 mês de sintomas da fase activa (isto é, dois [ou mais] dos seguintes: delírios, alucinações, discurso desorganizado, comportamento amplamente desorganizado ou catatónico, sintomas negativos)“ (Fernandes, 1996, 278).

Os sinais de esquizofrenia não são os mesmos de indivíduo para indivíduo. Os sintomas podem ter uma evolução tão gradual, que no princípio, podem nem ser perceptíveis, ou, pelo contrário podem aparecer subitamente.

Estes podem ser divididos em duas grandes categorias, os sintomas positivos e os negativos. Os sintomas positivos estão presentes com maior visibilidade na fase aguda da doença e são as perturbações mentais “muito fora” do normal, como que “acrescentadas” às funções psicológicas do individuo. Entende-se como sintomas positivos, os delírios -ideias delirantes, pensamentos irreais, “ ideias individuais do doente que não são partilhadas por um grande grupo” (Pedro Afonso, Esquizofrenia: Conhecer a doença, 2002, pg35), por exemplo, um indivíduo que acha que está a ser perseguido pela polícia secreta, e acha que é o responsável pelas guerras do mundo; as alucinações, percepções irreais – ouvir, ver, saborear, cheirar ou sentir algo irreal, sendo mais frequente as alucinações auditivo-visuais; pensamento e discurso desorganizado, elaborar frases sem qualquer sentido ou inventar palavras; alterações do comportamento, ansiedade, impulsos, agressividade. Os sintomas negativos são o resultado da perda ou diminuição das capacidades mentais,” acompanham a evolução da doença e reflectem um estado deficitário ao nível da motivação, das emoções, do discurso, do pensamento e das relações interpessoais” (Pedro Afonso, Esquizofrenia: Conhecer a doença, 2002,39), como a falta de vontade ou de iniciativa; isolamento social; apatia; indiferença emocional; pobreza do pensamento.

Estes sinais não se manifestam todos no indivíduo esquizofrénico, algumas pessoas vêem-se mais afectadas do que outras, podendo muitas vezes ser incompatível com uma vida normal. A doença pode aparecer e desaparecer em ciclos de recidivas e remissões.

“Não há contudo sinais nem sintomas patognomónicos da doença, podendo-se de alguma forma fazer referência a um quadro prodrómico que são em grande parte sintomas negativos, como por exemplo inversão do ciclo de sono, isolamento, perda de interesse por actividades anteriormente agradáveis, apatia, descuido com a higiene pessoal, ideias bizarras, comportamentos poucos habituais, dificuldades escolares e profissionais, entre outras. Posterior a esta fase inicial surge os sintomas positivos” (cf. Freitas, Luís e Ferreira, 2000, 18).

“Diz-se que os primeiros sinais e sintomas de esquizofrenia são insidiosos. O primeiro sintoma de sossego/calma e afastamento, visível num adolescente normalmente passa despercebido como tal, pois remete-se o facto para “ é uma fase”. Pode inclusivamente ser um enfermeiro de saúde escolar ou um conselheiro a começar a notar estas mudanças. (…) É importante dizer-se que é muito fácil interpretar incorrectamente estes comportamentos, associando-os à idade.” (Kathy, Neeb; Fundamentos de Enfermagem de Saúde Mental, 1997, 228).

Causas

Umas das grandes incógnitas que gira em torno da esquizofrenia é a sua causa, mas sabemos actualmente que não existe uma única causa, mas sim várias que concorrem entre si para o seu aparecimento, sendo muitas as teorias que surgiram para explicar esta doença. Assim temos:

Teoria genética

A teoria genética, em que através de vários estudos efectuados parecem existir vários genes envolvidos que juntamente com os factores ambientais contribuem para o desenvolvimento da doença. Sabe-se que a probabilidade de um indivíduo ter esquizofrenia aumenta se este tiver um caso desta doença na família. “No caso de um dos pais sofrer de esquizofrenia, a prevalência da doença nos descendentes directos e de 12%. Na situação em que ambos os pais se encontram atingidos pela doença, esse valor sobe para 40% (Kaplan, 1998). No entanto, mesmo que não haja qualquer familiar afectado, isso não significa que não venha a existir um elemento da família com esquizofrenia.” (Pedro Afonso, 2002). Segundo Gottesman (1991), referenciado por Pedro Afonso (2002), sabe-se ainda que cerca de 81% dos doentes com esquizofrenia não têm qualquer familiar em primeiro grau atingido pela doença e cerca de 91% não têm sequer um familiar afectado.

Teoria nerobiológica

As teorias neurobiológicas, baseiam-se em estudos que referem a esquizofrenia em resultado de alterações cerebrais bioquímicas e estruturais. Alguns relacionam as concentrações de dopamina com a produtividade psicótica da esquizofrenia, e é com essa base que a maioria dos neurolépticos actua, bloqueando os receptores da dopamina. Em contrapartida, alguns sintomas característicos da esquizofrenia podem ser desencadeados por fármacos que aumentam a actividade dopaminérgica (ex: anfetaminas) (cf. Freitas, Luís e Ferreira, 2000, 22). Esta teoria é comprovada pelo facto da maioria dos fármacos utilizados no tratamento da esquizofrenia (neurolépticos) actuarem através do bloqueio dos receptores (D2) da dopamina.

Teoria psicanalítica

As teorias psicanalíticas ou de relação precoce têm como base a teoria freudiana, e remetem para a fase oral desta teoria, na qual “a ausência de gratificação verbal ou da relação inicial entre mãe e bebé conduz igualmente a personalidades “frias” ou desinteressadas (ou indiferentes) no estabelecimento das relações” (Kathy Neeb, Fundamentos de Enfermagem de Saúde Mental, 1997, 230). Assim é proposto que a ausência de relações interpessoais satisfatórias pode surgir na origem do desenvolvimento da esquizofrenia.

Teoria familiar

As teorias familiares apesar de terem bastante interesse histórico são as que menos suporte cientifico têm, surgindo na década de 50 várias teorias, umas baseadas no tipo de comunicação entre os vários elementos das famílias e outras mais ligadas às estruturas familiares. Dos estudos desenvolvidos surge o conceito «mãe esquizofrenizante», mães possessivas, super protectoras e dominadoras em relação aos seus filhos, como gerador de indivíduos esquizofrénicos, no entanto estudos posteriores vieram constatar o contrario, os filhos eram geralmente neuróticos e não esquizofrénicos.


Apesar de existirem todas estas hipóteses para a explicação da origem da esquizofrenia, nenhuma delas individualmente consegue dar uma resposta satisfatória às muitas duvidas que existem em torno das causas da doença, reforçando assim uma provável etiologia multifactorial da esquizofrenia.

Tipos de esquizofrenia

Ao contrário de outras doenças existentes, o diagnóstico da esquizofrenia não é possível de detectar com simples exames laboratoriais, mas sim através das manifestações clínicas da doença ao longo do tempo. Aquando do diagnóstico, é importante que o médico exclua outras doenças ou condições que possam produzir sintomas psicóticos semelhantes (abuso de drogas, epilepsia, tumor cerebral, alterações metabólicas). O diagnóstico da esquizofrenia é bastante difícil de ser feito, e normalmente os médicos só expressam as suas suspeita quando têm a certeza que este é correcto. Para além do diagnóstico é importante que o médico identifique qual é o subtipo de esquizofrenia em que o doente se encontra. Actualmente, segundo o DSM. IV, existem cinco tipos:

Paranóide, é a forma que mais facilmente é identificada à doença, predominando os sintomas positivos. O quadro clínico é dominado por um delírio paranóide relativamente bem organizado. Os doentes com esquizofrenia paranóide são desconfiados, reservados, podendo ter comportamentos agressivos.

Desorganizado, neste caso os sintomas afectivos e as alterações do pensamento são predominantes. As ideias delirantes, embora presentes, não são organizadas. Nalguns doentes pode ocorrer uma irritabilidade marcada associada a comportamentos agressivos. Existe um contacto muito pobre com a realidade.

Catatónico, é caracterizada pelo predomínio de sintomas motores e por alterações da actividade, que podem ir desde um estado de estupor e acinético até à excitação.

Indiferenciado, apresenta habitualmente um desenvolvimento insidioso com um isolamento social marcado e uma diminuição no desempenho laboral e intelectual. Observa-se nestes doentes uma certa apatia e indiferença relativamente ao mundo exterior.

Residual, nesta forma existe um predomínio de sintomas negativos, os doentes apresentam um isolamento social marcado por um embotamento afectivo e uma pobreza ao nível do conteúdo do pensamento.


Estes subtipos não são estanques, podendo um doente em determinada altura da evolução da sua doença apresentar aspectos clínicos que se identificam com um tipo de esquizofrenia, e ao fim de algum tempo poder reunir critérios de outro subtipo.

Segundo a OMS (1998), num folheto informativo para a família “não existe cura para a esquizofrenia e o tratamento é paliativo”, frase muito dura para a família, no sentido de que cada vez mais se fazem investigações no sentido de descobrir novos tratamentos.

Existem várias abordagens terapêuticas na intervenção ao doente esquizofrénico, a medicação, a terapia electroconvulsiva (TEC), a psicoterapia, a intervenção familiar e a psicoeducação são os procedimentos indicados para estes doentes.

Apesar de não se conhecer a sua cura, a medicação pode ajudar muito a tratar os sintomas, e a permitir que os doentes possam viver as suas vidas de forma satisfatória e produtiva. As pesquisas demonstram que o melhor período para o tratamento da esquizofrenia é no aparecimento dos primeiros sintomas. Quando os sintomas psicóticos permanecem sem tratamento por longos períodos o prognóstico do tratamento é menos favorável. Assim é vital o reconhecimento precoce dos sinais da esquizofrenia para que se possa procurar uma ajuda rápida.


A interacção com pacientes

A doença mental é com frequência relacionada com o mendigo que deambula pelas ruas, que fala sozinho, com a mulher que aparece na TV dizendo ter 16 personalidade e com o homicida “ louco” que aparece nos filmes. Esta foi durante muitos anos sinónimo de exclusão social, e quando a um indivíduo lhe era feito o diagnóstico de esquizofrenia, tinha como destino “certo” os hospitais psiquiátricos ou asilos, onde ficavam durante muitos anos. A partir do momento em que surgem os primeiros sintomas da doença – Esquizofrenia, que sentimentos surgem? Que perguntam invadem a sua mente? Que medos?

Normalmente, os indivíduos com esquizofrenia são crianças tímidas introvertidas, com dificuldades de relacionamento e com pouca interacção emocional. As crianças apresentam ainda dificuldades ao nível da atenção e do comportamento. Durante a adolescência o isolamento vai se tornando cada vez maior e o rendimento escolar diminuindo. Estas modificações são frequentemente associadas à crise da adolescência. “Para o adolescente este é um período de confusão, sente-se desconcentrado, não sabe o que se esta a passar com ele. O jovem começa a passar grandes períodos frente ao espelho a observar o seu corpo revelando a presença de alterações do seu esquema corporal que podem surgir associadas à vivência psicótica. Isto não acontece só ao nível do corpo, mas também na consciência de si próprio (perturbação da vivência do «eu») apresentando neste caso sentimentos de despersonalização.” (Pedro Afonso, 2002,59).

Uma crise psicótica pode precipitar-se através de vários factores, como por exemplo, mudar de casa, perder um familiar, rompimento com um(a) namorado(a), entrar na universidade. Neste tipo de doença, raramente o indivíduo tem consciência de que esta realmente doente, o que torna difícil a adesão ao tratamento. Observando-se por isso nos hospitais internamentos na sua maioria compulsivos, com doentes permanentemente questionando o porque de estarem ali.

Um dos maiores medos que a pessoa com esquizofrenia tem, é o preconceito e o estigma que está presente na sociedade que vivemos em relação à doença esquizofrenia. A ideia de incurabilidade, a ideia de que a pessoa é violenta, é má, intrinsecamente perigosa. A rotulagem do individuo como “esquizofrénico” (ou “psicótico”), reduzindo a personalidade de alguém, de uma pessoa, à circunstância esmagadora da doença? A pessoa não é a doença! “ Quero que as pessoas entendam que sou como os outros. Sou um indivíduo e deveria ser tratada como tal pela sociedade. Não deveriam fechar-me numa caixa com a etiqueta de esquizofrenia” (Jane, OMS, 1998, 19).

As pessoas com esquizofrenia têm necessidades semelhantes a qualquer outro indivíduo existente na população em geral, sendo a única diferença que “as pessoas com esquizofrenia frequentemente não estão capacitadas para satisfazer as suas necessidades devido à sua doença” (OMS, 1998, 19). Torna-se importante que o processo de reabilitação seja um processo contínuo, para que possa funcionar com satisfação e sucesso nos vários ambientes de vida, proporcionando uma maior qualidade de vida, maior autonomia e realização pessoal. Para atingir estes objectivos, foram então criadas estruturas de apoio, como os hospitais de dia, centros de dia, residências protegidas, empregos apoiados, áreas de dia, fóruns sócio-ocupacionais. Uma das grandes dificuldades destes doentes é a sua integração no mercado de trabalho, visto existir uma grande competitividade, levando a que muitos acabem por desistir. Daí ser relevante o acompanhamento destes, no período de adaptação.

É bastante útil que o doente tenha conhecimentos sobre a doença e os seus sintomas, devendo estes terem um papel activo no tratamento e controlo sobre a mesma. Sendo por isso vantajoso que estes sigam alguns cuidados, nomeadamente:

  • Permanecer fiel ao seu tratamento, se achar que a medicação não esta a ajudar ou sentir efeitos não desejáveis deve avisar o medico;
  • Ter o cuidado de conservar um ritmo de sono e vigília correcto, com as horas de sono necessárias;
  • Evitar o stress;
  • Deve manter rotinas normais, de higiene, alimentação, actividade em casa e no exterior,
  • Evitar as drogas;
  • Procurar ter horas para dormir, comer, trabalhar;
  • Fixar um programa de actividades para cada dia;
  • Permanecer em contacto com as outras pessoas;
  • Manter o contacto com o psiquiatra/ equipa de saúde mental;
  • Praticar desporto pelo menos uma vez por semana.

Os doentes esquizofrénicos podem apresentar também sintomas depressivos, que nem sempre têm origem em aspectos biológicos ou farmacológicos da doença. “ O desapontamento e a desilusão vivida por alguns deste doentes perante os repetidos fracassos em manterem um emprego, em conseguirem voltar a estudar ou terem um grupo de amigos torna-se uma realidade incontornável.” (Pedro Afonso, 2002, 43), levando a sentimentos de frustração. Um outro aspecto associado à depressão na esquizofrenia é a questão do suicídio, que pode ter origem em vários factores: o sofrimento psíquico associado à própria vivência psicótica, o aspecto crónico e recorrente da doença que afecta muitos jovens.

A família

A família é um sistema muito complexo, uma vez que não existem duas famílias iguais, é a principal unidade básica de desenvolvimento pessoal a que pertence um individuo e, igualmente o local onde se vivência um conjunto de experiências fundamentais para a formação da sua personalidade. Desde sempre tem havido a consciência de que a família é uma estrutura social importante, que tem um impacto crucial no desenvolvimento e na saúde do indivíduo.

O conceito de família tem vindo a mudar ao longo dos tempos, acompanhando as mudanças económicas, culturais e religiosas no contexto onde se encontra inserida. Todas as famílias passam por várias crises durante o seu desenvolvimento, provocando uma série de mudanças nas suas funções, originando a aquisição de um maior ou menor grau de capacidade de reestruturação do seu modo de vida, estabelecendo-se um padrão próprio para lidar com a crise. Quando surge uma nova etapa ou um novo elemento, se esta família não tiver capacidade de se organizar surge então o conflito.

Se a doença que surge num dos membros da família for do foro da saúde mental, é vivida pelos familiares de forma mais dramática, originando uma situação de crise que modifica a estrutura habitual da família e o movimento natural do ciclo de vida familiar.

A esquizofrenia é uma doença que afecta profundamente a família, e o aceitar que um familiar sofre desta doença leva o seu tempo. Na nossa sociedade ainda existe um grande estigma em volta das pessoas que sofrem de doenças mentais, não havendo um grande conhecimento sobre elas, daí que quando esta surge na família, estes não sabem como agir com o seu familiar, a quem recorrerem, não compreendendo os comportamentos cada vez mais anormais, ficando por isso sujeitas as grandes pressões.

Não posso crer que isto me aconteceu. A doença mental era a sina do pobre, das pessoas em condições inferiores, não eu. Mesmo assim, fui a uma reunião do grupo de apoio – surpreendeu-me – onde havia famílias procedentes de todas as classes sociais, muitas delas em circunstâncias parecidas com as minhas.” (Inge, uma mãe, in OMS, 1998).

Quando um filho tem esquizofrenia, ele sofre e também sofre a família. Depois do diagnóstico da doença, é perfeitamente normal que surjam nas famílias sentimentos de culpa, de ressentimento, de raiva, de vergonha e de amargura. Num primeiro movimento tenta-se esconder a doença por causa do preconceito social. Quando a doença não passa e os sonhos se desfazem, a preservação da imagem não tem mais sentido porque a doença é mais grave que o preconceito. A perda da esperança surge com a tristeza e o sentimento de perda de vida, da perspectiva, do futuro daquele que adoeceu tem de ser superado. Quando alguém na família adquire esquizofrenia é necessário que toda a família mude, se adapte para continuar a ser feliz apesar da dor.

A presença de uma pessoa com esquizofrenia em casa pode resultar em sobrecarga financeira, afectar o trabalho e a vida social dos membros da família e ser emocionalmente extenuante, especialmente quando há uma recaída.

Nem sempre a família lida bem com esta situação, acabando muitas vezes por negligenciar o seu familiar, chegam mesmo a desejar a morte deste. Têm medo de falar na doença, devido aos seus próprios estigmas, preconceitos e às reacções das pessoas. Tentativas de controlar o comportamento do doente, por criticas exageradas e super protecção, podem conduzir a recaídas do doente.

Nos anos 70, com o trabalho de Brown sobre as emoções expressas, a família passou a ser vista como um factor de grande relevância na evolução clínica do quadro. Estes autores procuraram avaliar o «ambiente familiar» das famílias destes doentes, utilizando para tal um questionário (Camberwell Family Interview) semi-estruturado, que deveria ser aplicado às famílias. Neste são então avaliadas três dimensões, que estão relacionadas com as recaídas:

  • Comentários críticos;
  • Hostilidade;
  • Sobre implicação emocional.

Estes estudos descreveram uma associação entre um nível elevado de emoção expressa pelos familiares e um aumento do número de recaídas dos doentes esquizofrénicos, em que esta emotividade expressa das famílias funciona como um factor de stress.

Dos vários estudos desenvolvidos posteriormente a estes, conclui-se que em familiares de doentes onde havia um alto nível de E.E (comentários críticos, hostilidade, rejeição ou sobreenvolvimento), os doentes recaíam com maior frequência. Num desses estudos “ 92% dos doentes com familiares com alto nível de E.E, recaíram em 9 meses, contra 15% de recaídas em doentes com familiares de baixo nível de E.E. (aceitação da doença e do doente). (Cotovio, 1996, 332).

Citando novamente Cotovio (1996), “um dos objectivos terapêuticos seria modificar os níveis negativos de E.E. através de Intervenções Psicopedagógicas com os familiares dos doentes com Esquizofrenia. Neste modelo das E.E. o objecto de estudo desloca-se da etiologia para a evolução, da causa para o percurso, entrando no domínio da prevenção da recaída, ao fazer diminuir os factores de risco.

Com a realização de intervenções familiares, de modo a reduzir a emotividade expressa destas, procura-se deste modo aproximar o psiquiatra da família, promovendo uma melhor comunicação entre os vários elementos da família. As intervenções familiares ajudam as famílias destes doentes a encontrar algumas respostas sobre a doença, a reformular expectativas mais realistas e a enfrentar a doença de uma forma mais encorajadora e positiva. É importante dar esperança à família, reforçando em relação ao prognóstico, que muitas pessoas que desenvolvem esquizofrenia podem melhorar e serem capazes de fazer uma vida relativamente normal fora do hospital.

Não é produtivo dizer aos elementos da família que não devem ser críticos ou sobreenvolvidos. As pessoas simplesmente não conseguem deixar de se comportar de uma determinada só porque são aconselhadas a fazê-lo, particularmente se o seu comportamento assenta em emoções. No entanto, é importante que a família tenha em mente que deve proporcionar uma atmosfera calma em vez de argumentativa, com atitudes previsíveis em vez de inconsistentes, com apoio e tolerância para com o doente, em vez de rejeição.

Para que a família possa caminhar ao lado do doente, e não no sentido contrário, é imprescindível que os vários elementos da família respeitem as necessidades de cada um, devem decidir que tipo de comportamento é inaceitável e deveram ser capazes de impor esses limites. Quando é um dos elementos do casal, é importante manter um equilíbrio de poder entre eles, ajustar os papéis dos membros da família para que o doente possa encontrar ema área de competência que contribua para o bem-estar da família, assegurar que o outro membro do casal possa ter um tempo para si.

O stress pessoal é algo que frequentemente se desconhece. A pessoa doente converte-se numa prioridade e esquecemo-nos das nossas próprias necessidades. As tarefas do dia-a-dia envolvidas no cuidado de um familiar (crises repentinas, preocupação, problemas financeiros, (…)) consomem-nos e alteram o nosso carácter. Ocasionalmente, por fim chega o esgotamento por stress e isto pode conduzir-nos a uma depressão, ansiedade, esgotamento e a doenças psicossomáticas.” (Smith, OMS, 1998).

O papel activo da família é essencial para o tratamento, reabilitação e reinserção social do seu familiar que sofre de esquizofrenia. Muitas famílias procuram o apoio junto dos técnicos de saúde, permitindo assim que estas superem e sobrevivem às dificuldades que encontram, no entanto, há aquelas que não o fazem levando ao seu adoecimento, ou seja, não conseguem lidar com as crises, conduzindo à sua desestruturação ou destruição.

A família deve estar preparada para o facto do doente puder ter recaídas ao longo do tempo, o que pode conduzir a um possível internamento hospitalar. É bastante importante o apoio da família ao doente durante o tempo da sua permanência no hospital, através de reforço positivo, comunicação, visitas, mostrar interesse em saber como vai a evolução da sua doença.

É natural que muitas dúvidas surjam na família em relação ao comportamento que vão ter de adoptar perante esta nova etapa da vida do seu familiar. Primeiro que tudo é importante que o familiar comece por se colocar no lugar da outra pessoa.

Os problemas que geralmente ocorrem na família do esquizofrénico são os seguintes:

  • Medo… “Ele poderá fazer mal a si ou às outras pessoas?”
  • Negação da gravidade… “Isso daqui a pouco passa”
  • Incapacidade de falar ou pensar noutra coisa que não seja a doença… “Toda a nossa vida gira em torno do nosso filho doente”
  • Isolamento social… “As pessoas até nos procuram, mas não temos como fazer os programas que nos propõem”
  • Constante busca de explicações… “Ele está assim por algo que fizemos?”
  • Depressão… “Não consigo falar da doença do meu filho sem chorar”.

Em suma, o impacto que uma pessoa com esquizofrenia tem na família e a forma como esta se adapta face à situação depende da singularidade de cada um dos seus membros, mas também da forma como a doença surge (insidiosa ou abrupta), o seu curso, a suas consequências, no sentido de haver risco de vida ameaçada ou não (fase de crise à fase crónica), e ao grau de incapacidade gerado. Todos estes factores têm de ser vistos numa perspectiva psicossocial e não isoladamente. O que precisamos de ter em atenção é que o próprio esforço de adaptação por parte da família pode ter como consequência um estado de exaustão por parte da família como é referido por Helena Luís.

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