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Usuário(a):Filipe Ryu/Decolonialidade

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A decolonialidade ou o pensamento decolonial é uma escola de pensamento utilizada essencialmente pelo movimento latino-americano emergente que tem como objetivo libertar a produção de conhecimento da episteme eurocêntrica. Criticando a suposta universalidade atribuída ao conhecimento ocidental e o predomínio da cultura ocidental. As perspectivas decoloniais veem essa hegemonia como sendo a base do imperialismo ocidental. [1]

Contexto[editar | editar código-fonte]

O movimento decolonial abrange diversas formas de crítica teórica, articuladas por várias camadas de pensamentos, que tem como principal intuito libertar o campo do conhecimento, e recentemente vem ganhando maior destaque no ideário da América Latina. No meio acadêmico, ele se manifesta pela análise da distinção de classes, dos estudos étnicos, estudos de gênero e estudos regionais. Sendo descrito, em sua composição, de opções analíticas (no sentido semiótico) e práticas que “confrontam e desvinculam […] a matriz colonial do poder” [2] ou de uma “matriz da modernidade” enraizada no colonialismo. [3] [4] Considerando o colonialismo “a lógica subjacente da fundação e do desenvolvimento da civilização ocidental desde o Renascimento até hoje”, embora essa relação seja frequentemente menosprezada. (Mignolo 2011:2). Essa lógica é geralmente chamada de matriz colonial de poder ou colonialidade de poder. Havendo também contribuições para construção dos estudos do pensamento decolonial através do conhecimento vindo das metodologias críticas do discurso e da sabedoria dos povos originários indígenas. [5]

Aníbal Quijano, sociólogo peruano conhecido por ter desenvolvido o conceito de "colonialidade do poder".

Apesar da colonização formal e explícita tenha terminado com a descolonização das Américas durante os séculos XVIII e XIX e a descolonização de grande parte do Sul Global no final do século XX, seus sucessores, o imperialismo ocidental e a globalização perpetuam a desigualdade. A matriz colonial de poder produziu as circunstâncias que resultam na discriminação social codificada de várias maneiras como racial, étnica ou nacional de acordo com contextos históricos, sociais e geográficos específicos (Quijano 2007: 168). A decolonialidade emergiu à medida que matriz colonial de poder foi colocada em prática durante o século 16. [carece de fontes] É, na realidade, um confronto contínuo, e desvinculação, com o eurocentrismo.

A decolonialidade é sinônimo de “pensar e fazer” decolonial (Mignolo 2011: xxiv) e questiona ou problematiza as histórias de poder procedentes da Europa. Essas histórias fundamentam a lógica da civilização ocidental (Quijano 2007: 168). Por isso, a decolonialidade se refere as abordagens analíticas e práticas socioeconômicas e políticas opostas aos pilares da civilização ocidental: colonialidade e modernidade. Deste modo, a decolonialidade se torna um projeto tanto político quanto epistêmico (Mignolo 2011: xxiv-xxiv).

Fundando uma forma de “desobediência epistêmica” (Mignolo 2011: 122-123), “desvinculação epistêmica” (Mignolo 2007: 450) e “reconstrução epistêmica” (Quijano 2007: 176). Nesse sentido, o pensamento decolonial é o reconhecimento e a aplicação de uma gnose de fronteira ou subalterna (Mignolo 2000: 88), um modo de eliminar a tendência simplória de assumir que as formas de pensar da Europa Ocidental são universais (Quijano 2000: 544). Em aplicações menos teóricas – como os movimentos pela autonomia indígena – a decolonialidade é considerada um programa de desvinculação dos legados contemporâneos da colonialidade (Mignolo 2007: 452), uma resposta as necessidades não atendidas pelos governos modernos de direita ou esquerda (Mignolo 2011: 217), ou, de forma mais ampla, movimentos sociais em busca de uma “nova humanidade” (Mignolo 2011: 52) ou a busca pela “libertação social de todo poder organizado que tem como padrão a desigualdade, a discriminação, a exploração e a dominação” (Quijano 2007: 178).

Ideias Relacionadas[editar | editar código-fonte]

Constantemente a decolonialidade acaba por ser confundida com o pós-colonialismo, a descolonização e o pós-modernismo. Entretanto, os teóricos decoloniais traçam distinções claras nas definições em relação a essas vertentes correlatas. O pós-colonialismo é frequentemente incluído nas práticas gerais de oposição por “pessoas de cor”, “intelectuais do Terceiro Mundo” ou grupos étnicos (Mignolo 2000: 87). A decolonialidade – tanto como uma abordagem analítica quanto programática – “se movimenta para longe e além do pós-colonial” porque “a crítica e a teoria pós-colonialismo são um projeto de transformação acadêmica dentro da academia” (Mignolo 2007: 452).

Tal questão se mantém sujeita a discussões, em virtude de alguns estudiosos pós-coloniais que reputam a crítica e a teoria pós-colonial os atributos de serem tanto um projeto analítico (acadêmico, teórico e epistêmico) quanto uma posição programática (prática e política) (Said 1981: 8). Essa divergência é um exemplo da ambiguidade - "às vezes perigosa, às vezes confusa e geralmente limitada e inconsciente do uso" - do termo “pós-colonialismo”, que tem sido aplicado à análise da expansão colonial e de sua descolonização, em contextos como a Argélia, os Estados Unidos e o Brasil do século XIX (Mignolo 2007: 87).

Estudiosos decoloniais consideram a colonização das Américas uma pré-condição para a análise pós-colonial. O texto mais influente dos estudos pós-coloniais, Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente, de Edward Said, descreve a invenção europeia do Oriente no século XIX como uma região geográfica considerada racialmente e culturalmente inferior, e distinta à Europa. Porém, sem a descoberta europeia das Américas no Século XVI, que eventualmente é chamada de ocidentalismo – em oposição a noção de orientalismo –, a posterior invenção do Oriente teria sido impossível (Mignolo 2011: 56). Isso significa que o pós-colonialismo se torna problemática quando usado à América Latina pós-século XIX (Mignolo 2007: 88).

Descolonização[editar | editar código-fonte]

A descolonização é geralmente, no âmbito político e histórico, entendido como o fim do período de dominação territorial das terras principalmente no Sul Global por potências europeias. Os estudiosos da decolonialidade afirmam que há distinção entre os dois termos e também que o colonialismo não desapareceu com a descolonização formal.

É importante perceber as diferenças entre os aspectos históricos, geográficos e socioeconômicos da colonização em suas diversas manifestações pelo globo. Todavia, a colonialidade – no sentido de sua composição segmentada em classes socioeconômicas e políticas, racializadas e de gênero, segundo um padrão eurocêntrico inventado – era comum a todas as formas de colonização. A decolonialidade desafia e se opõe a essa estratificação eurocêntrica que se manifesta antes da descolonização de jure. E por decorrência do que foi mencionado acima, que se mantém de várias formas, devido as influências que advém do colonialismo não cessarem com a independência teórica adquirida. Gandhi na Índia, Fanon na Argélia, Mandela na África do Sul e o Movimento Zapatista do início do século 20 no México são todos exemplos de projetos decoloniais que existiam antes da descolonização.

Pós-modernismo[editar | editar código-fonte]

O conceito de “modernidade” é complementar à colonialidade. A colonialidade é chamada de “o lado mais sombrio da modernidade ocidental” (Mignolo 2011). E os aspectos problemáticos da colonialidade são frequentemente negligenciados ao descrever a totalidade da sociedade ocidental, cujo advento é, em vez disso, repetidamente enquadrado como a introdução da modernidade e da racionalidade, um conceito que vem sendo criticado por pensadores pós-modernos pela perceptível incoerência. No entanto, essa crítica é principalmente “limitada e interna à história europeia e à história das ideias europeias” (Mignolo 2007: 451). Embora os pensadores pós modernos reconheçam a natureza problemática das noções de modernidade e racionalidade, esses pensadores frequentemente se esquecem do fato que a modernidade como conceito surgiu a partir de quando a Europa definiu si mesmo a posição de centro do mundo. Nesse sentido, aqueles que são vistos como periféricos são tidos assim por efeito do referencial da autodefinição feita pela Europa. Resumindo, assim como a modernidade, a pós-modernidade constantemente acaba por reproduzir a “falácia eurocêntrica” fundamental para modernidade. Portanto, ao contrário de criticar os terrores da modernidade, o pensamento decolonial critica a modernidade e a racionalidade eurocêntricas por causa do “mito irracional” que elas dissimulam (Mignolo 2007: 453-454). As abordagens decoloniais buscam, desse modo, “politizar a epistemologia a partir das experiências daqueles que estão na ‘fronteira’, e não desenvolver mais uma epistemologia da política” (Laurie 2012: 13).

Decolonialidade Contemporânea[editar | editar código-fonte]

Quijano resume os objetivos da decolonialidade da seguinte maneira: reconhecer que a instrumentalização da razão pela matriz colonial do poder produziu paradigmas distorcidos no âmbito do conhecimento e apodreceu as promessas libertadoras da modernidade e, com esse reconhecimento, realizar a destruição da colonialidade global do poder (Mignolo 2007: 452).

Existem exemplos de programática e analítica decoloniais contemporâneas pelas as Américas. Fazem parte dos movimentos decoloniais os governos Zapatistas contemporâneos do sul do México, movimentos indígenas pela autonomia em toda a América do Sul, ALBA [6] , CONFENIAE no Equador, ONIC na Colômbia, o movimento TIPNIS na Bolívia e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra no Brasil. Esses movimentos realizam ações orientadas para os objetivos apresentados na declaração de Quijano acima, de se dedicar na busca por liberdades sempre maiores, desafiando o raciocínio por detrás da modernidade, já que a modernidade é de fato um aspecto da matriz colonial do poder.

Outros casos de análises decoloniais contemporâneas são as práticas e conceituações em constante expansão do feminismo e da teoria queer, bem como programas de estudos étnicos em vários níveis educacionais. Desde programas de informação e educação que tratam dos temas culturais decoloniais em bibliotecas escolares, esses voltados para público infantil e/ou adolescente, até programas universitários de longa data. Estudiosos que estão acostumados com o uso da análise e que falham em reconhecer a conexão entre política ou decolonialidade e a produção do conhecimento – entre programática e analítica – são aqueles que com maior possibilidade de reproduzirem “uma aceitação subjacente da modernidade capitalista, da democracia liberal e do individualismo” (Juris & Khasnabish 2013: 6) valores que a decolonialidade batalha para enfrentar.

Veja também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Quijano, Aníbal (2007). «COLONIALITY AND MODERNITY/RATIONALITY». Cultural Studies Vol. 21 - Issue 2-3: Globalization and the De-Colonial Option: 168-178. Consultado em 30 de novembro de 2020 
  2. Mignolo, Walter D. (2011). The Darker Side of Western Modernity: Global Futures, Decolonial Options. Durham, Carolina do Norte: Duke University Press 
  3. Levine, Mark (2005). Overthrowing Geography – Jaffa, Tel Aviv and the Struggle for Palestine 1880–1948. Berkeley, Califórnia, EUA: University of California Press 
  4. Levine, Mark (2005). Why They Don't Hate Us: Lifting the Veil on the Axis of Evil. Londres: Oneworld Publications. 
  5. Denzin,, Norman K.; Lincoln, Yvonna S.; Smith, Linda Tuhiwai (2008). Handbook of critical and indigenous methodologies. Thousand Oaks, Califórnia, EUA: SAGE Publications 
  6. Al-Kassimi, Khaled. «ALBA: A decolonial delinking performance towards (western) modernity – An alternative to development project». Cogent Social Sciences. Vol. 4, no. 1. Consultado em 30 de novembro de 2020 
  • Juris, Jeffrey S; Khasnabish, Alex; Khasnabish, Alex, eds. (2013). Insurgent Encounters. doi:10.1215/9780822395867. ISBN 978-0-8223-5349-2.
  • Laurie, Timothy Nicholas (2012). "Epistemology as Politics and the Double-bind of Border Thinking: Lévi-Strauss, Deleuze and Guattari, Mignolo". PORTAL: Journal of Multidisciplinary International Studies. 9 (2). https://doi.org/10.5130/portal.v9i2.1826
  • LeVine, Mark 2005a: Overthrowing Geography: Jaffa, Tel Aviv and the Struggle for Palestine. Berkeley: University of California Press.
  • LeVine, Mark 2005b: Why They Don't Hate Us: Lifting the Veil on the Axis of Evil. Oxford, UK: Oneworld Publications.
  • Mignolo, Walter 2000: (Post)Occidentalism, (Post)Coloniality, and (Post)Subaltern Rationality. In The Pre-Occupation of Postcolonial Studies. Fawzia Afzal-Khan and Kalpana Seshadri-Crooks, eds. pp. 86–118. Durham: Duke UP.
  • Mignolo, Walter D. (2007). "Delinking". Cultural Studies. 21 (2-3): 449-514. https://doi.org/10.1080/09502380601162647
  • Quijano, Aníbal 2000: Coloniality of Power, Eurocentrism, and Latin America. Nepantla: Views from South 1(3): 533-580.
  • Quijano, Aníbal and Immanuel Wallerstein 1992: Americanity as Concept: Or the Americas in the Modern World-System. International Social Science Journal 131: 549-557.
  • Said, Edward 1981: Covering Islam: How the Media and the Experts Determine How We See the Rest of the World. London: Routledge & Kegan Paul.
  • Vallega, Alejandro A. 2015: Latin American Philosophy: from Identity to Radical Exteriority. Indiana University Press.

Fontes adicionais[editar | editar código-fonte]

  • Walsh, Catherine. (2012) "“Other” Knowledges,“Other” Critiques: Reflections on the Politics and Practices of Philosophy and Decoloniality in the “Other” America." TRANSMODERNITY: Journal of Peripheral Cultural Production of the Luso-Hispanic World 1.3.
  • Wan-hua, Huang. (2011) "The Process of Decoloniality of Taiwan Literature in the Early Postwar Period." Taiwan Research Journal 1: 006.
  • Bhambra, G. (2012). Postcolonialism and decoloniality: A dialogue. In The Second ISA Forum of Sociology (August 1–4). Isaconf.
  • Drexler-Dreis, J. (2013). Decoloniality as Reconciliation. Concilium: International Review of Theology-English Edition, (1), 115-122.
  • Wanzer, D. A. (2012). Delinking Rhetoric, or Revisiting McGee's Fragmentation Thesis through Decoloniality. Rhetoric & Public Affairs, 15(4), 647-657.
  • Saal, Britta (2013). "How to Leave Modernity Behind: The Relationship Between Colonialism and Enlightenment, and the Possibility of Altermodern Decoloniality". Budhi: A Journal of Ideas and Culture. 17. doi:10.13185/BU2013.17103.
  • Mignolo, Walter D. (2007). "Introduction". Cultural Studies. 21 (2–3): 155–167. doi:10.1080/09502380601162498.
  • Asher, Kiran (2013). "Latin American Decolonial Thought, or Making the Subaltern Speak". Geography Compass. 7 (12): 832–842. doi:10.1111/gec3.12102.
  • Chalmers, Gordon (2013) Indigenous as ’not-Indigenous' as ’Us'?: A dissident insider's views on pushing the bounds for what constitutes 'our mob'. Australian Indigenous Law Review, 17(2), pp. 47–55. http://search.informit.com.au/documentSummary;dn=900634481905301;res=IELIND
  • Smith, Linda Tuhiwai (2012) Decolonizing Methodologies: Research and Indigenous Peoples (2nd edition). London: Zed Books.


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