Crime preterdoloso
O termo "praeterintention" (também escrito "preterintention") é uma expressão latina legal que significa "para além da intenção".[1][2] Portanto, cometer um crime "praeter intentionem" significa ter cometido um crime involuntário que foi mais grave do que o crime pretendido.[3][4]
Em direito penal, crime preterdoloso, agravação pelo resultado, crime qualificado pelo resultado ou crime preterintencional[5] caracteriza-se quando o agente pratica uma conduta dolosa, isto é, intencional, menos grave, porém obtém um resultado mais grave do que o pretendido, na forma culposa.
Conceito
[editar | editar código-fonte]Nos crimes preterdolosos, geralmente há dolo inicial na conduta do agente e culpa no resultado mais gravoso. Em outras palavras, dolo no antecedente e culpa no consequente do crime.[6] Quando, numa ação, forem encontradas as duas modalidades da conduta (dolo e culpa), estamos diante de um crime preterdoloso, pois há um misto de dolo na conduta inicial e a culpa no resultado advindo (resultado final).
Conceitua o doutrinador de direito penal, Guilherme Nucci: “trata-se de crime que possui um fato-base, devidamente sancionado, contendo, ainda, um evento qualificador, passível de lhe aumentar a pena, em razão da sua gravidade objetiva, existindo entre ambos um nexo de ordem física e subjetiva"[7]
Exemplificando: o agente age dolosamente, mas o resultado lesivo é diferente do almejado, mais gravoso - é o que ocorre quando o agente quer o mínimo de dano à vítima, causando-lhe, contudo, dano desastroso, como por exemplo, uma lesão corporal seguida de morte.[8]
Tentativa
[editar | editar código-fonte]Não se admite, em regra, tentativa nos crimes preterdolosos, haja vista que, o resultado lesivo gravoso está fora do campo de vontade do agente, sendo produzido de forma culposa.[9]
No Código Penal brasileiro, em geral não se admite tentativa nos crimes culposos por lhe faltar livre vontade e consciência de querer praticar um crime e obter um resulto diferente do almejado. Vontade livre e consciência são elementos da conduta dolosa. Assim ficaria afastada a possibilidade de ocorrência da tipicidade, que é o amoldamento perfeito da conduta praticada pelo autor com o tipo penal; e o agente não responderia por dolo nesta última modalidade.
Contudo existem exceções que admitem tentativa. Ex: Aquele que tenta provocar aborto em determinada mulher, ele não consegue provocar o aborto, mas gera lesões corporais, ou seja, o dolo (provocar aborto) não se consumou (tentativa) e a lesão corporal sim (resultado culposo).[9]
Aplicação da pena
[editar | editar código-fonte]Na aplicação da pena, não se considera a ocorrência de dois crimes.[10] O agente responde pela conduta almejada dolosamente, enquanto o resultado atingido culposamente servirá como qualificadora.[7][11] Um caso notável no Brasil é o do primeiro feminicídio de 2019, cuja justiça entendeu que o assassino não tinha intenção de matar a esposa.[12] A responsabilidade penal "praeter intencional" é regulamentada em muitos países, incluindo Itália, França,[13] Alemanha,[14] América Latina,[15] países anglo-saxónicos,[16] etc.[17]
Qualificação do crime
[editar | editar código-fonte]O crime pode ser qualificado pelo resultado do mesmo, sendo estes:
- Conduta dolosa no antecedente e consequente: Ex. Crime de roubo agravado pela morte, latrocínio; (art. 157, §3º)
- Conduta Culposa no antecedente e dolosa no consequente: EX: Crime de lesão corporal culposa, cuja pena é aumentada de 1/3, se o agente, dolosamente, deixa de prestar imediato socorro à vítima; (art. 129, §7º)
- Conduta dolosa e resultado agravador culposo: Apenas essa espécie de crime qualificado pelo resultado que é considerado Crime preterdoloso. Ex: Crime de lesão corporal seguida de morte, no caso em que o agente não queria produzir o resultado morte;
- Conduta culposa e resultado agravador Culposo: Crime de incêndio culposo agravado pela morte culposa. (art. 250, §2º, c/c art. 258, 2ª parte)
O artigo 19 do Código Penal Brasileiro define os crimes preterdolosos, como sendo aqueles que são qualificados pelo resultado.
Referências
- ↑ Netto, Santos Fiorini (11 de março de 2014). Direito Penal Parte Geral V.i. [S.l.]: Clube de Autores
- ↑ Stone, Jon R. (2 de setembro de 2003). More Latin for the Illiterati: A Guide to Medical, Legal and Religious Latin (em inglês). [S.l.]: Routledge
- ↑ Trigueiros, Arthur (11 de setembro de 2023). Super-Revisão OAB Doutrina - Direito Penal. [S.l.]: Editora Foco
- ↑ Mirabete, Julio Fabbrini; Fabbrini, Renato N. (5 de fevereiro de 2024). Manual de Direito Penal: Parte Geral - Arts. 1o a 120 do CP. [S.l.]: Editora Foco
- ↑ Ambar, Jeanne (6 de outubro de 2017). «Jus Brasil - Crime Preterdoloso». JusBrasil. Consultado em 6 de outubro de 2021
- ↑ Lemes, Giovanni Bugni (24 de janeiro de 2018). Teoria Geral Do Crime. [S.l.]: Clube de Autores. p. 45
- ↑ a b «Agravação pelo resultado». Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Consultado em 7 de outubro de 2021
- ↑ Oliveira, Ana Laura Marteli de (2017). «CRIME PRETERDOLOSO». ETIC - ENCONTRO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA - ISSN 21-76-8498 (13). Consultado em 15 de novembro de 2022
- ↑ a b CAPEZ, FERNANDO (23 de março de 2020). Curso de Direito Penal - Volume 1 - Parte Geral. [S.l.]: Saraiva Educação S.A.
- ↑ «Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça». www.dgsi.pt. Consultado em 15 de novembro de 2022
- ↑ «O que se entende por crime preterdoloso? - Denise Cristina Mantovani Cera». Jusbrasil. Consultado em 15 de novembro de 2022
- ↑ «Acusado pelo 1º feminicídio de 2019, no DF, é condenado a 8 anos de prisão em regime semiaberto». G1. Consultado em 18 de novembro de 2022
- ↑ Pradel, Jean (14 de setembro de 2016). Droit pénal comparé. 4e éd. (em francês). [S.l.]: Editis - Interforum
- ↑ Reed, Alan; Bohlander, Michael (22 de agosto de 2022). Fault in Criminal Law: A Research Companion (em inglês). [S.l.]: Taylor & Francis
- ↑ Rincones, José Martínez (6 de julho de 2022). El homicidio preterintencional (em inglês). [S.l.]: Temis
- ↑ «01-Journal of Law 2017-1» (PDF)
- ↑ Reed, Alan; Bohlander, Michael (22 de agosto de 2022). Fault in Criminal Law: A Research Companion (em inglês). [S.l.]: Taylor & Francis