Descarrilamento de Piquet Carneiro

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Descarrilamento de Piquet Carneiro


Mapa: localização de Piquet Carneiro.
Foto superior: vista aérea do acidente.

Descrição
Data 17 de dezembro de 1951
Hora 6h10
Local Piquet Carneiro, Ceará
País  Brasil
Linha Linha Tronco
Operador Rede de Viação Cearense
Tipo de acidente Descarrilamento
Causa Excesso de velocidade e acionamento indevido dos freios de emergência por um passageiro
Estatísticas
Comboios/trens 1
Mortos 56
Feridos 200

O Descarrilamento de Piquet Carneiro foi um grave acidente ferroviário ocorrido em 17 de dezembro de 1951, na cidade de Piquet Carneiro, no interior do Ceará. O desastre deixou um saldo de 56 mortos e centenas de feridos, sendo a maior tragédia ferroviária da história do Ceará.

O trem[editar | editar código-fonte]

Locomotiva Baldwin-Whitcomb 66T nº 612, envolvida no acidente.

O trem envolvido no descarrilamento era formado por uma locomotiva diesel-elétrica Baldwin-Whitcomb 66T, nº 612 e carros de passageiros de madeira. A locomotiva, com truques ferroviários do tipo C-C (truques com 3 eixos com motores de tração), foi fabricada nos EUA pela empresa Whitcomb Locomotive Works, subsidiária da Balswin Locomotive Works e fazia parte de um lote de trinta locomotivas fornecidas ao Brasil. O governo brasileiro repassou quinze das máquinas adquiridas para a empresa estatal Rede de Viação Cearense.[1][2] Numeradas como 600 a 614, as locomotivas Whitcomb C-C entraram em circulação em 1950, sendo as primeiras máquinas diesel da Rede de Viação Cearense.[3]

A chegada das novas locomotivas era parte de um grande plano de modernização que incluiu a aquisição de carros de passageiros, vagões [4] e permitiu a empresa implantar trens rápidos entre Fortaleza e Crato.[5]

O acidente[editar | editar código-fonte]

Na madrugada de 17 de dezembro de 1951 partiu de Crato o trem PR2 com destino a Fortaleza. Comandado pela locomotiva diesel Baldwin-Whitcomb 66T nº 612, o trem rápido com nove carros de passageiros partiu de Iguatu por volta das 5 horas quando ocorreu um primeiro descarrilamento do primeiro truque da locomotiva 612 no quilômetro 374 em Acopiara. Apesar de ter percorrido centro e cinquenta metros descarrilado, o truque não sofreu danos severos e pôde ser reencarrilado. Assim a viagem foi retomada com certo atraso.[6]

Cinquenta e dois quilômetros depois, no município de Piquet Carneiro, seis carros da composição descarrilaram às 6h10. O descarrilamento provocou o tombamento e engavetamento telescópico de seis vagões de passageiros, esmagando dezenas de passageiros. A locomotiva 612 e os carros 76, 416 e 312 permaneceram nos trilhos.[7]

O acidente causou a morte imediata, entre as ferragens, de trinta e seis passageiros. Para livrar os sobreviventes dos destroços, médicos e populares tiveram que realizar amputações com serrotes.[8] Como a cidade de Piquet Carneiro não tinha de hospital ou serviço médico adequado (haviam apenas dois médicos em Piquet Carneiro[9]), centenas de feridos foram transportados em outro trem para Fortaleza. O lento resgate causou a morte de mais dezenas de passageiros.[10]

Em meio ao desastre e a resposta lenta das autoridades, criminosos passaram a saquear as bagagens e os cadáveres ainda presos aos destroços retorcidos.[11] O destacamento da Polícia Militar em Piquet Carneiro, composto por um delegado, uma viatura e dois soldados, nada pôde fazer.[12] Três dias após o desastre, o número de mortos era de cinquenta e seis e o presidente Vargas foi informado oficialmente sobre o desastre.[13]

Acusado por alguns passageiros por excesso de velocidade, o maquinista João Cruz foi defendido pelos seus colegas e pelo diretor da Rede de Viação Cearense. Cruz era apelidado pelos seus colegas de "Meia-Noite", por ser cauteloso e acumular atrasos em suas viagens.[14] Em depoimento prestado para a imprensa na época, Cruz afirmou que o desastre teria sido causado pelo acionamento indevido do freio de emergência por um passageiro. Naquela viagem do PR-2, o freio teria sido acionado duas vezes, segundo Cruz, uma primeira vez entre os distritos de Luna e Ibicuã (Miguel Calmon) e a segunda vez em Piquet Carneiro (local do acidente).[15]

Alguns dias depois circulou em Fortaleza a informação que as autoridades e a direção da Rede de Viação Cearense recusaram auxílio do Aeroclube do Ceará que se dispôs a transportar medicamentos e feridos entre o local do acidente e a capital.[16][17]

Consequências[editar | editar código-fonte]

Apesar do reparo dos trilhos, alguns dias depois, em 21 de dezembro, ocorreu um segundo descarrilamento no mesmo local.[18] A Rede de Viação Cearense anunciou em 21 de dezembro que apenas os passageiros de primeira classe e ou seus parentes seriam indenizados por conta de suas passagens terem um seguro feito pela empresa enquanto que os passageiros de segunda classe não estavam contemplados pelo seguro por decisão da ferrovia.[19]

A má conservação da ferrovia ocasionou outro acidente na mesma região dezenove anos depois. Em 13 de dezembro de 1971, um trem de passageiros da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) descarrilou no quilômetro 319 em Piquet Carneiro, deixando um morto e treze feridos. O acidente ocorreu cerca de três quilômetros do acidente de 1951.[20]

Algum tempo depois foi erguido em Piquet Carneiro um Cruzeiro em lembrança aos mortos do acidente.[21]

Referências

  1. «Vias de comunicação: Plano Decenal de Transportes». O Observador Econômico e Financeiro, ano XI, edição 121, página 122/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. Fevereiro de 1946. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  2. «A Rede Viação Cearense adquiriu quinze locomotivas "Diesel"». Revista das Estradas de Ferro, ano XXIII, edição 474, página 4709/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. Maio de 1947. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  3. Rede Ferroviária Federal (1963). «Locomotivas em tráfego: 3. Diesel 1948/61». Anuário Estatístico da RFFSA 1948-1961, página 8/Biblioteca do Ministério da Fazenda no Rio de Janeiro-republicado pelo Internet Archive. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  4. «A modernização da Rede de Viação Cearense». Brasil Constrói, ano III, edição 6, página 8/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. 1950. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  5. «Novo trem rápido entre Fortaleza e Crato». A Noite, ano XL, edição 13854, página 2/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. 30 de julho de 1951. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  6. «Catastrófico desastre ferroviário no Ceará». Correio da Manhã, ano LI, edição 18020, página 10/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. 18 de dezembro de 1951. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  7. «O grave desastre ferroviário no Ceará: viraram cinco carros repletos de passageiros». A Noite, ano XL, edição 13972, página 16/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  8. Meridional (18 de dezembro de 1951). «Cenas dantescas de amputações de pernas e braços com serrotes comuns». Diário da Noite, ano XXIII, edição 5247, página 1/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  9. «E». Diário da Noite, ano XXIII, edição 5248, página 4/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. 19 de dezembro de 1951. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  10. «Pavoroso desastre de trem no Ceará». Diário de Noticías, ano XXII, edição 8942, página 6/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. 20 de dezembro de 1951. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  11. Meridional (19 de dezembro de 1951). «Saquearam os cadáveres do desastre ferroviário do Ceará». Diário da Noite, ano XXIII, edição 5248, página 1/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  12. Meridional (20 de dezembro de 1951). «O mais espantoso desastre de trem no Nordeste». Diário da Noite, ano XXIII, edição 5249, página 30/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  13. «56 mortos no tremendo desastre ferroviário no Ceará». Diário da Noite, ano XXIII, edição 5250, página 9/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. 21 de dezembro de 1951. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  14. Meridional (19 de dezembro de 1951). «Novos detalhes sobre o desastre ferroviário de Piquet Carneiro». Diário de Pernambuco, ano 127, edição 292, página 1/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  15. Meridional (29 de dezembro de 1951). «Algum passageiro puxou o freio de emergência e o comboio tombou». Diário da Noite, ano XXIII, edição 5256, página 7/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  16. Meridional (28 de dezembro de 1951). «Displicência da RVC no desastre». O Jornal, ano XXXII, edição 9712, página 4/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  17. Meridional (28 de dezembro de 1951). «Orientação criminosa na Rede Viação Cearense». Diário da Noite, ano XXIII, edição 5255, página 2/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  18. Asa Press (22 de dezembro de 1951). «Ceará:novo descarrilamento». Diário de Notícias, ano XXII, edição 8944, página 7/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  19. Meridional (22 de dezembro de 1951). «Inepta a administração da empresa ferroviária». Diário de Pernambuco, ano 127, edição 295, página 1/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  20. Meridional (14 de dezembro de 1951). «Virada de trem fere 13». Diário de Pernambuco, ano 147, edição 287, página 1/republicado pela Biblioteca Nacional-Hemeroteca Digital Brasileira. Consultado em 16 de setembro de 2023 
  21. Leonardo Maia (16 de dezembro de 2021). «Há 70 anos, maior acidente ferroviário do Ceará deixava 100 mortos em Piquet Carneiro». O Povo. Consultado em 16 de setembro de 2023