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Grande Diálogo Nacional

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Joseph Dion Ngute, primeiro-ministro dos Camarões, visita a sala de sessões plenárias do Palais des Congrès em Yaoundé, em 29 de setembro de 2019, na véspera do Grande Diálogo Nacional.

O Grande Diálogo Nacional (em francês: Grand dialogue national) é o nome oficial de um diálogo entre o governo camaronês e vários partidos da oposição, com o objetivo de resolver a crise separatista nos Camarões. O evento ocorreu entre 30 de setembro e 4 de outubro de 2019.[1]

Durante décadas, os camaroneses anglófonos na área anteriormente conhecida como Camarões do Sul ressentiram-se do governo central por marginalizá-los.[2] Em outubro de 2016, grandes protestos eclodiram em cidades das regiões anglófonas. O governo camaronês respondeu enviando soldados para reprimir os protestos.[3] Seis semanas depois das manifestações, seis manifestantes foram mortos e mais de 100 foram presos.[4] Em setembro de 2017, os separatistas anglófonos começaram a pegar em armas contra o governo camaronês e, em 1 de outubro, a Frente Unida do Consórcio Ambazônia dos Camarões do Sul declarou a independência da República Federal da Ambazônia.[5] A situação evoluiu para um conflito militar, incluindo violações de direitos humanos.[6]

Negociações

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Em 10 de setembro de 2019, o presidente de Camarões, Paul Biya, anunciou em um discurso televisionado que um "grande diálogo nacional" ocorreria antes do final do mês. O diálogo teria lugar "no contexto da constituição", excluindo assim a independência da Ambazônia, e incluiria a diáspora anglófona dos Camarões.[7] Posteriormente, foi lançado um site do governo, onde as pessoas poderiam apresentar propostas antes do diálogo.[1]

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30 de setembro

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O diálogo começou com uma cerimônia de abertura, onde ex-combatentes separatistas cantaram o hino nacional de Camarões.[8] Em seguida, o primeiro-ministro Joseph Ngute desafiou os participantes a "fazer história" e encontrar soluções para "os problemas que nos separaram física e intelectualmente nos últimos anos".[9]

Os debates começaram plenamente no segundo dia de diálogo. Oito comissões haviam sido nomeadas, cada uma com foco em um assunto específico; uma para o multiculturalismo e bilinguismo, uma para o sistema educacional, uma para o sistema judicial, uma para a questão dos refugiados, um para a reconstrução, uma para o desarmamento, uma para a diáspora e uma para a descentralização.[10]

No final do segundo dia, o advogado Akere Muna do "Now Movement" disse que se retiraria do diálogo se a forma do Estado não fosse discutida.[11]

O terceiro dia teve o mesmo foco do segundo dia. O advogado Felix Agbor Balla declarou que o diálogo seria inútil a menos que a forma do Estado fosse discutida, insistindo que a descentralização seria insuficiente.[12]

No quarto dia, as comissões apresentaram suas recomendações ao primeiro-ministro.[13] À medida que o Grande Diálogo Nacional se aproximava de sua conclusão, o presidente Paul Biya emitiu um decreto que suspendeu os processos judiciais contra 333 ativistas anglófonos.[14]

Em resposta à presença de generais separatistas no diálogo, o Conselho de Autodefesa da Ambazônia emitiu uma declaração alegando que esses separatistas eram falsos.[15]

O Cardeal Christian Tumi, ao centro, durante o Grande Diálogo Nacional no Palais des Congrès em 4 de outubro de 2019 em Yaoundé.

No quinto dia, as resoluções finais foram lidas.[16] A comissão de descentralização propôs um status especial para as regiões anglófonas, bem como mais autonomia local.[17] Outras recomendações incluíram a construção de um aeroporto e um porto marítimo nas regiões anglófonas, a renomeação do país para "República Unida dos Camarões", medidas contra a corrupção e um esforço intensificado para reabilitar antigos combatentes separatistas.[18]

O partido governante acolheu as recomendações das comissões. Alguns participantes criticaram a estrutura do diálogo, bem como o fato de a secessão não ter sido debatida como alternativa. Outros caracterizaram o evento de cinco dias como uma farsa.[19] Os separatistas reafirmaram sua rejeição ao diálogo, prometendo intensificar a guerra.[18]

Em dezembro de 2020, as Nações Unidas instaram o governo de Camarões a abordar as questões levantadas no Grande Diálogo Nacional e a continuar o processo de diálogo com todas as partes envolvidas. François Loucemy Fall, chefe do Escritório Regional das Nações Unidas para a África Central, afirmou que "a implementação das recomendações do grande diálogo nacional, além do diálogo contínuo com todas as partes, continua sendo crucial para a construção de uma paz e desenvolvimento duradouros".[20]

Consequências

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No dia seguinte à conclusão do diálogo, o presidente Biya ordenou a retirada dos processos judiciais de alguns apoiadores do Movimento pelo Renascimento dos Camarões, incluindo seu líder Maurice Kamto.[21] Esta medida estava diretamente ligada ao Grande Diálogo Nacional.[22] Em 16 de novembro, duas delegações governamentais iniciaram uma missão nas regiões anglófonas para conquistar o apoio popular para as conclusões do Grande Diálogo Nacional. Em particular, as delegações pretendiam convencer a população de que um "status especial" para as regiões anglófonas resolveria suas queixas.[23] Isso resultou no "Código Geral das Autoridades Regionais e Locais", que foi aprovado pelo parlamento camaronês em 18 de dezembro de 2019.[24]

A guerra nas regiões anglófonas se intensificou nas semanas seguintes ao diálogo. Mantendo sua abordagem militar para resolver a crise, o governo camaronês começou a se concentrar na criação de grupos locais de vigilantes para combater a guerrilha separatista. Os separatistas intensificaram sua guerra de guerrilha contra Camarões, principalmente ao assassinar um general separatista poucos dias depois de ter deposto as armas.[25]

Referências

  1. a b Cameroon: Gov't creates website for reception of contributions ahead of National dialogue, Journal du Cameroun, 19 de setembro de 2019.
  2. Anyangwe, Carlson. Betrayal of Too Trusting a People. The UN, the UK and the Trust Territory of the Southern Cameroons: The UN, the UK and the Trust Territory of the Southern Cameroons, pp. 108–111. African Books Collective, 2009.
  3. «(True or False?) Two Anglophone lawyers beaten up in Buea – StopBlaBlaCam». StopBlaBlaCam (em inglês). Consultado em 13 de setembro de 2017. Cópia arquivada em 3 de setembro de 2017 
  4. «Arrests in Cameroon language protests». BBC News (em inglês). 23 de novembro de 2016. Consultado em 13 de setembro de 2017. Cópia arquivada em 11 de setembro de 2017 
  5. «English speakers protest in Cameroon, demand equal rights amid calls for secession». DW.COM. 22 de setembro de 2017. Cópia arquivada em 25 de janeiro de 2018 
  6. CHRDA publishes shocking list of military atrocities in Cameroon’s NW, SW regions Arquivado em 2018-08-22 no Wayback Machine, Journal du Cameroun, 22 de agosto de 2018.
  7. Cameroon: Paul Biya convenes national dialogue to solve Anglophone crisis, Journal du Cameroun, 10 de setembro de 2019.
  8. Cameroon: Ex Ambazonia fighters sing National Anthem at Major National Dialogue, Journal du Cameroun, 30 de setembro de 2019.
  9. PM Dion Ngute urges Cameroonians to make history with Major National Dialogue, Journal du Cameroun, 30 de setembro de 2019.
  10. Cameroon: Major National Dialogue enter day two, Journal du Cameroun, 1 de outubro de 2019.
  11. Cameroon: Akere Muna storms out of Major National Dialogue, Journal du Cameroun, 1 de outubro de 2019.
  12. Cameroon: Agbor Balla insists form of State should be discussed at Major National Dialogue, Journal du Cameroun, 2 de outubro de 2019.
  13. Cameroon: Committees of Major National Dialogue submit reports today, Journal du Cameroun, 3 de outubro de 2019.
  14. Cameroon: Paul Biya orders discontinuance of case against 333 detainees of Anglophone crisis, Journal du Cameroun, 3 de outubro de 2019.
  15. Cameroon: Ambazonia Forces say Generals Presented in Yaounde are fake, Journal du Cameroun, 3 de outubro de 2019.
  16. Cameroon: Final resolutions expected as Major National Dialogue wraps up today, Journal du Cameroun, 4 de outubro de 2019.
  17. Cameroon: Delegates propose special status Anglophone regions at Major National Dialogue, Journal du Cameroun, 4 de outubro de 2019.
  18. a b Cameroon's Anglophone conflict: Will the National Dialogue make any difference?, BBC, 5 de outubro de 2019.
  19. «A war of words / English-speaking villages are burning in Cameroon / A report from a forgotten conflict» (em inglês) (7 de novembro de 2019). Parágrafo 8, p. 41: The Economist impresso semanalmente e web (artigo completo com inscrição ou inscrição gratuita). 9 de novembro de 2019. pp. 41–42. Signs of compromise are scant. Separatist groups do not even have a common position among themselves, despite efforts by the Centre for Humanitarian Dialogue, a Swiss NGO, to help them find one. For his part, President Riya in September raised hopes by announcing a “National Dialogue”. Yet it was a sham. The meeting was not just about the crisis; it gave Cameroonian leaders from all regions a chance to air complaints (and collect per-diems). Many important Anglophones were either not invited or left in prison. “It was not a sincere effort,” says Alice Nkom, a lawyer. 
  20. Cameroon:UN wants govt to address core issues raised by Major National Dialogue, Journal du Cameroun, 11 de dezembro de 2020.
  21. Cameroon orders release of main opposition leader Maurice Kamto, France24, 5 de outubro de 2019.
  22. Cameroon: Paul Biya discontinues case against ‘some’ Pro Kamto supporters, Journal du Cameroun, 5 de outubro de 2019.
  23. Cameroon: Gov’t dispatches post dialogue missions to Anglophone regions, Journal du Cameroun, 18 de novembro de 2019.
  24. Cameroon: Parliament adpts bill according ‘special status’ to Anglophone regions, Journal du Cameroun, 20 de dezembro de 2019.
  25. Why has violence increased since Cameroon’s National Dialogue?, African Arguments, 29 de outubro de 2019.