Hifomicetos Aquáticos

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Os hifomicetos aquáticos, hifomicetos anfíbios, hifomicetos de água doce, fungos de água doce, ou fungos ingoldianos são um grupo polifilético dos chamados fungos imperfeitos, que habitam e se reproduzem exclusivamente em ambientes aquáticos. Os hifomicetos aquáticos se reproduzem por esporos assexuais (conídio e clamidósporo) formados a partir da mitose, com poucas espécies em que se conhece seu ciclo sexuado. Majoritariamente possuem representantes dos filos Ascomycota e Basidiomycota. O termo fungos ingoldianos remete ao taxonomista que os isolou, identificou e descreveu pela primeira vez: Cecil Terence Ingold. Em 1942, enquanto buscava por representantes de Chytridiomycota, Ingold descreveu um grupo de fungos que se reproduziam apenas em ambientes aquáticos, diferentemente dos grupos aero-aquáticos ou aquáticos facultativos. O primeiro espécime descrito deste grupo foi Heliscus lugdunensis (Sacc. & Therry, 1880), encontrado em cascas de pinheiros na cidade de Lyon (França), sendo considerado o primeiro devido às suas funções ecossistêmicas semelhantes aos demais hifomicetos aquáticos.

Ocorrências e habitats

Os hifomicetos aquáticos ocorrem em ambientes de água doce no mundo todo, em diferentes latitudes e altitudes. Podem ocorrer desde lagoas artificiais, projetadas para fins turísticos e paisagísticos em centros urbanos,[1] como em riachos e rios no Ártico.[2]


Taxonomia

O corpo de um hifomiceto aquático é denominado micélio, um conjunto de hifas. Não é usual distinguir espécies de acordo com o micélio, os taxonomistas geralmente utilizam os conídios, para a identificação das espécies e o desenvolvimento de chaves de identificação.[3] Os conídios podem apresentar formatos únicos que variam entre ramificados, sigmóides, tetrarradiados ou multirradiados.

Em geral, hifomicetos aquáticos possuem representantes nas famílias Leotiomycetes (Helotiales), Dothideomycetes (Dothideales e Pleosporales), Orbiliomycetes (Orbiliales) e Sordariomycetes (Hypocreales), além de alguns em famílias de basidiomicetos.[4]


Importância ecológica

As espécies têm seu valor intrínseco na existência[5] e o simples fato de coabitarem neste planeta com as pessoas é algo a ser celebrado, sendo todas partes da mesma biosfera, derivada de um ancestral comum de tempos imemoriais. Além de seu valor intrínseco, os serviços ambientais (ecossistêmicos) são imprescindíveis à humanidade. Os hifomicetos aquáticos exercem: serviços de regulação, como decomposição de detritos foliares e capacidade de autodepuração de rios, lagos e áreas úmidas; serviços de suporte, como ciclagem de nutrientes e bioindicação de condições ambientais; serviços de provisionamento, como metabólitos e água limpa; serviços culturais, como educacional e valores inspiracionais.[6] Esses são exemplos de serviços que grande parte das espécies de hifomicetos aquáticos exercem, garantindo maior qualidade da água para a biota (que inclui a população humana). É importante salientar que se fosse precificar os serviços ambientais realizados pelos ecossistemas no mundo todo, estimativas apontam para valores gigantescos: total global por ano de 33 trilhões de dólares americanos (US $33.000.000.000.000,00 por ano;[7] outra estimativa é por hectare por ano de rios, lagos e áreas úmidas de: 113 mil dólares americanos (US $113.000,00 por hectare por ano[8]). Os hifomicetos aquáticos provêm parte desses serviços em conjunto com as demais espécies dos ecossistemas, o que torna economicamente inviável prover serviços dos hifomicetos aquáticos e de outras espécies caso fossem extintos, o que levaria a um colapso dos ecossistemas.


Importância sanitária

Apesar de algumas espécies serem patogênicas e poderem causar prejuízos sanitários a plantas e animais, e consequentemente econômicos a agricultura e pecuária, espécies de microfungos, em sua maioria, são altamente benéficas para a sociedade. Por exemplo, o desempenho em diversos serviços ecossistêmicos para a qualidade da água (ver Importância ecológica). Algumas espécies podem atuar como inibidoras da atividade de outros fungos conhecidamente como patógenos, como o hifomiceto Tetracheatum elegans no combate do Fusarium oxysporum.[9]

Potencial biotecnológico

O potencial biotecnológico dos hifomicetos aquáticos tem sido estudado e pesquisas envolvendo a capacidade de tratamento de efluentes foram desenvolvidas nos últimos anos. Exemplos de aplicações com potencial econômico são a metabolização (degradação) de vários poluentes ambientais orgânicos que são encontrados em ecossistemas aquáticos: incluindo nonilfenóis,[10] fragrância de almíscar policíclico,[11] metabólitos de pesticidas,[12] e tintas sintéticas.[13] Um grupo de enzimas que tem sido estudado são as lacases, cuja função na degradação desses poluentes tem sido estudada recentemente. Portanto, o uso econômico do grupo ainda é pequeno comparado ao potencial de degradação de efluentes.


Conservação

O primeiro e único esforço (projeto) de conservação que incluía esse grupo de fungos foi realizado entre 2007 e 2010 e financiado pela UK Darwin Initiative. O projeto focou na conservação dos microfungos nos ecossistemas terrestres, de água doce e marinhos.[14] As causas para esse desprezo do grupo provavelmente estão ligadas ao foco que as iniciativas de conservação de espécies têm perante espécies macroscópicas, que normalmente ignoram a biota microscópica. Outros empecilhos são falta de informações, de taxonomistas, limitações na capacidade científica, acessibilidade a regiões geográficas e financiamento insuficiente. Dessa forma, a falta de informações sobre a biodiversidade e distribuição desse grupo[15] impede a elaboração e execução de planos de conservação adequados.[14]


Hifomicetos aquáticos e mudanças climáticas

Por serem cosmopolitas e os estudos detectarem sua ocorrência em diferentes condições, experimentos têm sido conduzidos para identificar a influência das mudanças climáticas nas comunidades de hifomicetos aquáticos. Até o momento sabe-se que a temperatura reduz a diversidade de conídios e altera as taxas de decomposição (principal atividade destes microrganismos),[16] no entanto carecem de trabalhos para as demais características das mudanças climáticas.


Referências

  1. Rasvailer, Vinícius da Silva; Scoarize, Matheus Maximilian Ratz; Benedito, Evanilde (1 de setembro de 2020). «DIVERSIDADE DE FUNGOS AQUÁTICOS EM UMA LAGOA URBANA DA MATA ATLÂNTICA». Arquivos do Mudi (2): 84–97. ISSN 1980-959X. doi:10.4025/arqmudi.v24i2.52474. Consultado em 30 de janeiro de 2023 
  2. Müller-Haeckel, A.; Marvanová, L. (1 de agosto de 1979). «Periodicity of aquatic hyphomycetes in the subarctic». Transactions of the British Mycological Society (em inglês) (1): 109–116. ISSN 0007-1536. doi:10.1016/S0007-1536(79)80080-7. Consultado em 30 de janeiro de 2023 
  3. Fiuza, Patrícia O.; Pérez, Taimy Cantillo; Gulis, Vladislav; Gusmão, Luís F. P. (12 de maio de 2017). «Ingoldian fungi of Brazil: some new records and a review including a checklist and a key». Phytotaxa (3). 171 páginas. ISSN 1179-3163. doi:10.11646/phytotaxa.306.3.1. Consultado em 30 de janeiro de 2023 
  4. Shearer, Carol A.; Pang, Ka-Lai; Suetrong, Satinee; Raja, Huzefa A. (27 de agosto de 2014). 2. Phylogeny of the Dothideomycetes and other classes of freshwater fissitunicate Ascomycota (em inglês). [S.l.]: De Gruyter 
  5. Vucetich, John A.; Bruskotter, Jeremy T.; Nelson, Michael Paul (abril de 2015). «Evaluating whether nature's intrinsic value is an axiom of or anathema to conservation: Nature's intrinsic value». Conservation Biology (em inglês) (2): 321–332. doi:10.1111/cobi.12464. Consultado em 30 de janeiro de 2023 
  6. Seena, Sahadevan; Baschien, Christiane; Barros, Juliana; Sridhar, Kandikere R.; Graça, Manuel A. S.; Mykrä, Heikki; Bundschuh, Mirco (19 de outubro de 2022). «Ecosystem services provided by fungi in freshwaters: a wake-up call». Hydrobiologia (em inglês). ISSN 1573-5117. doi:10.1007/s10750-022-05030-4. Consultado em 30 de janeiro de 2023 
  7. Costanza, Robert; d'Arge, Ralph; de Groot, Rudolf; Farber, Stephen; Grasso, Monica; Hannon, Bruce; Limburg, Karin; Naeem, Shahid; O'Neill, Robert V. (maio de 1997). «The value of the world's ecosystem services and natural capital». Nature (em inglês) (6630): 253–260. ISSN 1476-4687. doi:10.1038/387253a0. Consultado em 30 de janeiro de 2023 
  8. de Groot, Rudolf; Brander, Luke; van der Ploeg, Sander; Costanza, Robert; Bernard, Florence; Braat, Leon; Christie, Mike; Crossman, Neville; Ghermandi, Andrea (1 de julho de 2012). «Global estimates of the value of ecosystems and their services in monetary units». Ecosystem Services (em inglês) (1): 50–61. ISSN 2212-0416. doi:10.1016/j.ecoser.2012.07.005. Consultado em 30 de janeiro de 2023 
  9. Sati, S. C.; Arya, P. «Antagonism of Some Aquatic Hyphomycetes against Plant Pathogenic Fungi». The Scientific World Journal (em inglês): 760–765. ISSN 2356-6140. PMC PMC5763948Acessível livremente Verifique |pmc= (ajuda). PMID 20454756. doi:10.1100/tsw.2010.80. Consultado em 30 de janeiro de 2023 
  10. Martin, Claudia; Corvini, Philippe F. X.; Vinken, Ralph; Junghanns, Charles; Krauss, Gudrun; Schlosser, Dietmar (julho de 2009). «Quantification of the Influence of Extracellular Laccase and Intracellular Reactions on the Isomer-Specific Biotransformation of the Xenoestrogen Technical Nonylphenol by the Aquatic Hyphomycete Clavariopsis aquatica». Applied and Environmental Microbiology (em inglês) (13): 4398–4409. ISSN 0099-2240. PMC PMC2704831Acessível livremente Verifique |pmc= (ajuda). PMID 19429559. doi:10.1128/AEM.00139-09. Consultado em 30 de janeiro de 2023 
  11. Martin, Claudia; Moeder, Monika; Daniel, Xavier; Krauss, Gudrun; Schlosser, Dietmar (1 de agosto de 2007). «Biotransformation of the Polycyclic Musks HHCB and AHTN and Metabolite Formation by Fungi Occurring in Freshwater Environments». Environmental Science & Technology (em inglês) (15): 5395–5402. ISSN 0013-936X. doi:10.1021/es0711462. Consultado em 30 de janeiro de 2023 
  12. Augustin, Torsten; Schlosser, Dietmar; Baumbach, Renate; Schmidt, Jürgen; Grancharov, Konstantin; Krauss, Gudrun; Krauss, Gerd-Joachim (1 de março de 2006). «Biotransformation of 1-Naphthol by a Strictly Aquatic Fungus». Current Microbiology (em inglês) (3): 216–220. ISSN 1432-0991. doi:10.1007/s00284-005-0239-z. Consultado em 30 de janeiro de 2023 
  13. Junghanns, Charles; Krauss, Gudrun; Schlosser, Dietmar (1 de março de 2008). «Potential of aquatic fungi derived from diverse freshwater environments to decolourise synthetic azo and anthraquinone dyes». Bioresource Technology (em inglês) (5): 1225–1235. ISSN 0960-8524. doi:10.1016/j.biortech.2007.02.015. Consultado em 30 de janeiro de 2023 
  14. a b Barros, Juliana; Seena, Sahadevan (janeiro de 2022). «Fungi in Freshwaters: Prioritising Aquatic Hyphomycetes in Conservation Goals». Water (em inglês) (4). 605 páginas. ISSN 2073-4441. doi:10.3390/w14040605. Consultado em 30 de janeiro de 2023 
  15. Duarte, Sofia; Bärlocher, Felix; Pascoal, Cláudia; Cássio, Fernanda (1 de fevereiro de 2016). «Biogeography of aquatic hyphomycetes: Current knowledge and future perspectives». Fungal Ecology. Aquatic Fungi (em inglês): 169–181. ISSN 1754-5048. doi:10.1016/j.funeco.2015.06.002. Consultado em 30 de janeiro de 2023 
  16. Gentilin-Avanci, Camila; Pinha, Gisele Daiane; Ratz Scoarize, Matheus Maximilian; Petsch, Danielle Katharine; Benedito, Evanilde (1 de outubro de 2022). «Warming water and leaf litter quality but not plant origin drive decomposition and fungal diversity in an experiment». Fungal Biology (em inglês) (10): 631–639. ISSN 1878-6146. doi:10.1016/j.funbio.2022.08.003. Consultado em 30 de janeiro de 2023