Maria Elaine Rodrigues Espíndola

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Maria Elaine Rodrigues Espíndola (Porto Alegre, 23 de março de 1947) é uma artista, professora, mestra griot e uma liderança no movimento negro e quilombola de Porto Alegre.[1][2]

Biografia[editar | editar código-fonte]

Filha de José Francisco Rodrigues, funcionário da Cervejaria Brahma, e Maria Eulália dos Santos, empregada doméstica e musa da Escola de Samba da Praiana, passou a infância em São Sebastião do Caí junto da avó materna Maria Alaíde dos Santos e de familiares que viviam no Quilombo do Macaco Branco. Pensou em entrar para a vida religiosa, mas acabou decidindo se tornar professora de braile. Cursou magistério em Montenegro, lecionou em escolas de Pareci Novo e Capela de Santana, e iniciou o curso de Direito e Letras na Unisinos. Casada com Cláudio Espíndola, tem os filhos Cláudio, Daniela e Cristiane.[1][3]

Nos anos 1970 participou da fundação da Mocambo — Associação de Remanescentes de Quilombo Amigos e Moradores do Bairro Cidade Baixa e Arredores, que ainda não tinha este nome, então liderada por seus tios João Florêncio e Romilda Rodrigues. Nos anos 1990 foi reconhecida como mestra griot pelo Mestre Lua (José Alves Bitencourt), durante os trabalhos de criação do Centro de Referência Afro-Brasileiro.[1] Atua em atividades de ensino, pesquisa e extensão universitária, promovendo encontros sobre africanidades, história e cultura afro-gaúcha.[2] No Projeto Territórios Negros: Patrimônios Afro-Brasileiros em Porto Alegre, desenvolvido pela UFRGS, ministrou o curso Encontro de Saberes.[4] Atuou em conselhos comunitários de saúde da Prefeitura;[3] em 2016 foi nomeada membro da Comissão Organizadora da Semana da Consciência Negra, uma parceria entre a Assembleia Legislativa e o Movimento Negro, que concede o Troféu Deputado Carlos Santos, que destaca cidadãos que contribuíram na luta antirracismo;[5] em 2018 foi nomeada membro titular da Comissão Especial de Concursos da Defensoria Pública do Estado;[6] em 2019 foi nomeada membro titular do Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra,[7] e em 2022 era membro suplente do Conselho Municipal de Cultura como representante da Região Centro do Orçamento Participativo.[8] Ainda em 2022 foi nomeada prefeita da Praça Doutor Pedro Borba, num projeto da Prefeitura que reúne lideranças comunitárias para colaborar no cuidado de logradouros públicos.[9]

O monumento O Tambor na Praça Brigadeiro Sampaio, integrado ao Museu de Percurso do Negro

Descendente de Lanceiros Negros, também tem ligações com o tradicionalismo gauchesco, e em 2010 se tornou a primeira patrona negra de um piquete do Acampamento Farroupilha, repetindo o patronato por dez anos sucessivos.[3][1][10] É artista plástica e participou da criação do monumento O Tambor, primeira obra pública realizada pelo movimento negro organizado na Capital, instalado na praça Brigadeiro Sampaio e integrado ao Museu de Percurso do Negro em Porto Alegre.[1][3]

É a líder do Quilombo da Mocambo, um dos onze quilombos urbanos de Porto Alegre, e há muitos anos preside a Associação Mocambo, que até 2015 funcionou na sua casa. Sob sua liderança a Mocambo tem desenvolvido intensa atividade cultural e política; em torno de 2000 passou a centralizar a luta pelo reconhecimento da comunidade como quilombo e pela regularização fundiária, em 2012 foi declarada Patrimônio Cultural pela Prefeitura de Porto Alegre, e em 2020 a Mocambo obteve da Assembleia o reconhecimento do quilombo como Área de Relevante Interesse Cultural do Rio Grande do Sul.[1]

Reconhecimento[editar | editar código-fonte]

Em 2010 a Câmara de Vereadores a reconheceu como primeira mulher griot da cidade, durante a Semana da Consciência Negra.[1][4] Em 2018 recebeu da Assembleia Legislativa o Troféu Deputado Carlos Santos, pela sua luta antirracismo, na qualidade de líder quilombola.[11] Em 2022 recebeu da UFRGS o título de Mestra de Notório Saber, equivalente à titulação acadêmica de Doutorado.[12][13]

Para professora de história Edília Viegas, a sua trajetória "é singular no sentido de confluir distintas formas de construir conhecimentos, individuais e coletivos, em prol das lutas sociais por emancipação das pessoas negras", reunindo em si uma formação acadêmica e uma tradicional, que "andam lado a lado e se encontram no fortalecimento de uma trajetória de resistência aos percalços sociais do apagamento cultural de espaços comunitários como o Quilombo da Mocambo. [...] Tais saberes compõem as possibilidades de compreensão completa da história de Porto Alegre e são fundamentais para o ensino de história comprometido com a luta antirracista".[14]

Segundo Duan Porto Barcelos, a Mocambo tem uma "história de pioneirismo e resistência", atuando em temas como carnaval, moradia, patrimônio cultural, saúde, Movimento Tradicionalista Gaúcho, Museu de Percurso do Negro, cotas raciais, acrescentando que o foco de sua pesquisa foi "o reconhecimento da Mocambo e de sua liderança, na qualidade de educadoras, com saberes próprios e de fundamental valor para o conhecimento histórico de Porto Alegre. [...] Os resultados parciais apontam para a originalidade dessa liderança feminina, que mescla griotagem e memória, dentro de uma historicidade própria. Igualmente indicam a potência das práticas distintas da Mocambo, em defesa da população negra da cidade".[15]

Lembrando de sua atuação no curso Encontro de Saberes da UFRGS e seu papel como griot, guardiã das memórias e tradições, a jornalista e pesquisadora Luana Silva da Cruz disse:

"A mestra Elaine disse Olá e eu chorei. Ela explicou que gostava de começar com Olá, pois este simples cumprimento retomava todo o caminho percorrido por todos os seus antepassados até chegar àquele momento. Ela é da quinta geração de mulheres pós-abolição. Contou, com a voz calma de quem aprendeu a narrar a vida, um pouco da sua história. Não poderia ser de outra forma, como ela mesma defende, pois a oralidade é o modo como são preservadas as memórias de seu povo. Mestra Elaine trouxe o passado, mas também trouxe o presente. Ela carrega no olhar todos os tempos da história, inclusive a esperança no futuro. Aos acadêmicos de ouvidos atentos, sugeria que contribuíssem também escrevendo, pois a cultura oral não é devidamente reconhecida nas universidades. Falou da sua vida, da sua família e, semanas depois, também caminhou com a turma pelo Museu do Percurso do Negro no centro de Porto Alegre. Do Tambor ao Painel Afrobrasileiro, os passos ganharam outro significado, sentido e cor. [...]
"Acredito que essa vivência serviu para ajudar a compreender como pode se dar essa responsabilidade. Os caminhos que posso indicar e os questionamentos que posso produzir, a fim de que a universidade perceba, um dia, a educação como um encontro de saberes, de todos os saberes".[16]

Referências

  1. a b c d e f g Pires, Cláudia Luisa Zeferino et al. "Quilombo da Mocambo". In: Pires, Cláudia Luisa Zeferino & Bittencourt, Lara Machado (orgs). Atlas da Presença Quilombola em Porto Alegre/RS, Volume 1. Letra 1, 2021, pp. 343-372
  2. a b Viegas, Edília da Silva. Mestra Griô Elaine: confluências na formação em processos comunitários, escolares e acadêmicos. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2022. p. 9
  3. a b c d Gomes, Luís. "No Acampamento Farroupilha, patroa negra lidera piquete que conta a história de seus ancestrais". Sul 21, 20/09/2017
  4. a b "Mestra griô Maria Elaine Rodrigues Espíndola. UFRGS, 2021
  5. Osellame, Luiz. "Definida programação da VII Semana da Consciência Negra da ALRS". Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 21/10/2016
  6. "Portaria nº 704/2018". Diário Eletrônico - DPE/RS, 14/08/2018
  7. "Portaria nº 056/2019". Diário Oficial do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 28/08/2019, p. 129
  8. "Protocolo: 365387". Diário Oficial de Porto Alegre, 14/06/2022
  9. "Porto Alegre já conta com 169 prefeitos de praças voluntários". Prefeitura de Porto Alegre, 10/09/202
  10. "Gaúcha negra lidera há dez anos casa no Acampamento Farroupilha". Folha de São Paulo, 20/09/2018
  11. Pinheiro, Ana Carolina. "Semana da Consciência Negra lota o Plenário Otávio Rocha". Câmara de Vereadores de Porto Alegre, 11/12/2018
  12. Sobierajski, Sérgio. "CEPE/UFRGS aprova Notório Saber para Mestres e Mestras de saberes tradicionais". Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural - UFRGS, 24/02/2022
  13. Rosa, Pedro Fernando Acosta da. "Aprovada a concessão do título de Notório Saber na UFRGS com outorga aos mestre e mestras de saberes tradicionais Associação Brasileira de Etnomusicologia, 16/02/2022
  14. Viegas, pp. 10; 34-35
  15. Barcelos, Duan Porto "Pedagogia da Mocambo: trajetória do movimento negro educador em Porto Alegre". In: XXXISalão de Iniciação Científica da UFRGS. UFRGS Campus do Vale, 2019
  16. Cruz, Luana Silva da. "Encontro de saberes na UFRGS: entre o sentir e o saber". In: Neumann, Camila Vencato & Toss, Luciane (orgs.). A Transversalidade dos Direitos Humanos. Editora Fi, 2021, pp. 256-261