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Joaquim Lopes (patrão de salva-vidas)

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(Redirecionado de Patrão Joaquim Lopes)
Joaquim Lopes
Patrão Joaquim Lopes in O Occidente (1900)
Outros nomesPatrão Joaquim Lopes
Joaquim da Falua
Nascimento
Morte
21 de dezembro de 1890 (90 anos)

Nacionalidadeportuguês
OcupaçãoPescador e patrão de salva-vidas

Patrão Joaquim Lopes (Olhão, 15 de Outubro de 1798Paço de Arcos, 21 de Dezembro de 1890) foi um pescador e patrão de salva-vidas, um benemérito heróico reconhecido em Portugal e no estrangeiro pelas vidas que salvou do mar.[1]

Biografia

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Primeiros anos

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Joaquim Lopes nasceu na vila de Olhão, em 15 de Outubro de 1798, filho de Francisco Lopes, pescador, e de Rosa Maria.[2] Frequentou a escola, algo de raro naquela época entre as camadas mais humildes, tendo aprendido a ler e escrever, mas logo aos dez anos de idade deixou de estudar para trabalhar na pesca.[3] Algum tempo depois estabeleceu-se como pescador em Gibraltar, mas sem sucesso, motivo pelo qual mudou-se para Paço de Arcos.[3]

Carreira em Paço de Arcos

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Em 1820 entrou para a tripulação da falua Bugio, como remador.[3] Destacou-se pela sua coragem e intrepidez naquele posto, tendo sido promovido pelos seus companheiros como patrão do barco, quando o antigo patrão morreu.[3] Nesta época ele já era conhecido pelos seus salvamentos, tendo provavelmente o primeiro sido o resgate de dois rapazes no Rio de Oeiras, que tinham tentado atravessar o rio a vau durante um dia de festa.[3] Em 1828 deu-se outro caso, quando salvou a vida de um sargento veterano que estava em risco de se afogar junto à Torre do Bugio.[3] Em 1856 resgatou a tripulação da escuna inglesa Howard Primrose, e três anos depois parte da tripulação de um outro barco inglês, o British Queen, tendo sido condecorado pelo governo britânico.[3] Salvou igualmente a tripulação de um navio espanhol, motivo pelo qual também foi condecorado pelo governo daquele país.[3]

Estação de Socorros a Náufragos de Paço de Arcos, igualmente conhecida como Estação de Socorros a Náufragos Patrão Lopes.
Busto num jardim de Paço de Arcos

Inicialmente utilizava a sua pequena canoa para as operações de salvamento.[3] Algum tempo depois, foi instalado um barco salva-vidas em Lisboa, mas este revelou-se pouco útil por chegar sempre atrasado em relação à embarcação de Joaquim Lopes, pelo que este foi nomeado como patrão do salva-vidas, que foi baseado em Paço de Arcos.[4] Nem todas as operações de salvamento que realizou foram utilizando um barco; o Diário Illustrado refere um caso em que uma embarcação se tinha virado na baía de Paço de Arcos durante um temporal, encurralando um rapaz por debaixo. Joaquim Lopes atirou-se ao mar a partir do cais, e foi a nadar até ao barco, regressando depois com o rapaz seguro debaixo dos braços.[4] No entanto, o regresso à praia revelou-se muito perigoso devido à forte ondulação que os empurrava contra os rochedos, tendo sido ajudado pelo seu companheiro João da Cruz, que, «bem seguro na rocha, aproveitou uma leva de mar para me deitar a mão, que ajudou a salvar-me a mim e ao rapaz».[4]

O seu sucesso nas operações de resgate deu-se não só devido à sua coragem, mas também à sua firmeza moral e ao rigor que exercia sobre as tripulações.[4] Com efeito, o seu companheiro João da Cruz, comentou que

Ao pé d'aquelle velhito que V. ali vê, não havia remedio senão ser se destemido. So elle via na cara de algum dos seus tripulantes a mais ligeira sombra de receio, era homem para arrancar a canna do leme e partir-lhe com ella a cabeça![4]

Falecimento

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Morreu na madrugada do dia 21 de Dezembro de 1890, aos 93 anos, na sua casa em Paço de Arcos.[4] O Diario Illustrado publicou no dia seguinte um extenso obituário, onde recordou Joaquim Lopes como o «benemerito homem do mar» e «a personificação do altruismo e da heroicidade».[4] O corpo foi transportado até ao Arsenal da Marinha a bordo do salva-vidas, rebocado pelo barco Lidador, num cortejo em que também participaram o iate Amélia e os vapores Victoria, Relampago e Marianno de Carvalho.[3] No Arsenal, foi feita a cerimónia da encomendação do corpo na Capela de São Roque,[3] e depois o féretro foi levado pelos Bombeiros Voluntários de Belém até ao Cemitério dos Prazeres.[4] O cortejo funerário foi acompanhado por altas figuras do governo, alunos da Escola Naval, vários jornalistas, e as bandas de música da armada e da Sociedade Guilherme Cossoul, tendo as honras militares sido prestadas por uma força do Regimento de Caçadores n.º 2.[3]

Apesar do grande número de condecorações e homenagens que recebeu ao longo da vida, estava numa situação empobrecida quando faleceu, tendo o Diario Illustrado comentando que «não deixa bens de fortuna».[4] Recebia uma pensão de 240$000 réis, concedida pelo parlamento.[2] Aquele periódico descreveu a sua habitação como «uma casa terrea», de «pobre apparencia», situada «no lado esquerdo da estrada, junto ao posto fiscal».[4] Na frontaria da casa encontrava-se uma lápide oferecida pelo Marquês de Fronteira e pelo conselheiro Tomás Ribeiro, com dois versos em sua homenagem.[4] No interior, «Escostada a uma parede uma pequena commoda tendo em cima um crucifixo e 2 castiçaes. Dependurado da parede n'um pequeno caixilho, dourado, viam-se as medalhas que em tempo conquistou, 3 d'ouro e 4 de prata, nacionaes e estrangeiras; o fallecido tinha mais 3 inglezas que as devolveu ao ministro inglez em janeiro d'este anno».[4] Nas paredes encontravam-se vários «diplomas conferidos por sociedades humanitarias portuguezas e estrangeiras, de quadros com as suas medalhas, nada menos de dez, de ouro e de prata, cada uma das quaes commemorava uma das suas luctas com o mar, luctas das quaes sahia sempre victorioso».[4] De acordo com o jornal Porvir, o conjunto das suas condecorações era composto por uma medalha de prata e outra de ouro da Associação Humanitária do Porto, uma medalha de ouro do governo espanhol, uma medalha de prata do governo francês, uma medalha de ouro da Câmara Municipal de Oeiras, uma medalha da Câmara Municipal de Veiroso colar da Torre e Espada, uma medalha da Associazione dei Salvatori, de Nápoles, uma medalha da Associação Humanitária dos Salvadores, de Aveiro, e medalhas de prata e ouro de vários monarcas europeus, como D. Maria II, Napoleão III, Isabel II e Vítor Emanuel.[2]

O Diario Illustrado referiu que deixou sete filhos quando faleceu,[4] mas o jornal Porvir mencionou apenas cinco filhos, além de trinta netos e trinta e cinco bisnetos.[2] Já era viúvo quando morreu, pelo que a pensão do governo transitou para a sua filha Emilia Augusta Lopes Beleza.[2]

Condecorações e homenagens

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Joaquim Lopes foi condecorado com o grau de oficial da Ordem da Torre e Espada[4] pelo Rei D. Luís, e a patente de 2.º Tenente da Armada pela Marinha.[carece de fontes?] Aquando do seu falecimento tinha o posto de tenente honorário da Marinha Real.[4]

Teve funeral nacional organizado pela Marinha Portuguesa, a qual também atribuiu o seu nome a um vapor de salvação, o NRP Patrão Lopes.[carece de fontes?]

No cemitério de Oeiras pode-se visitar o seu mausoléu, e em Paço de Arcos existe um monumento de homenagem na rotunda da Avenida Marquês de Pombal.[carece de fontes?]

Na sua terra natal, Olhão, no Jardim Patrão Joaquim Lopes, inaugurado em 1957 em frente à Ria Formosa, foi colocado um seu busto em 1976 com alguns versos de Tomás Ribeiro:

Monumento a Joaquim Lopes, em Olhão.

Bibliografia passiva

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  • O Patrão Joaquim Lopes, de Tomás Lino da Assunção (Lisboa, Tipographia da Companhia Nacional Editora, 1898) OCLC 50799681
  • O Homem que Venceu o Mar (Patrão Joaquim Lopes), de Antero Nobre (Faro, Tipografia União, 1950) OCLC 5438163
  • Monólogo do Patrão Joaquim Lopes , de Oliva da Mata Artur, Ramalho Ortigão e Tomás Ribeiro (Olhão, Câmara Municipal de Olhão, 1984) OCLC 16921357

Excerto de O Homem que venceu o Mar

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Da biografia de Joaquim Lopes, O Homem que venceu o Mar, escrita por Antero Nobre, foi retirado este excerto que foi publicado no jornal O Olhanense em 15 de Outubro de 2002:

No dia 24 de Fevereiro de 1862, Joaquim Lopes recebia, na sua pobre casa de Paço d'Arcos, uma visita inesperada e que sobremaneira o honrava. O Rei D. Luís, em pessoa, visitava o patrão do salva-vidas, o humilde "Joaquim da Falua" para felicitá-lo pelo salvamento heróico da tripulação do Almirante!

Foi longa essa visita, que pôs em jubiloso alvoroço a já numerosíssima família do velho "lobo do mar" e até a vila de Paço d'Arcos. Foi longa e, ao que dizem os jornais da época, cordialíssima e nada protocolar. D. Luís demorou-se uma tarde inteira a conversar com Joaquim Lopes, sem etiquetas, falando com ele "como de marinheiro para marinheiro", porque El-Rei também fizera a sua educação de príncipe nas fainas do mar: quis conhecer pormenorizadamente todos os actos de heroísmo que praticara na sua já longa vida de salvador de vidas, quantos barcos socorrera e quantas pessoas arrancara às fúrias do mar, quais as condecorações e recompensas que recebera, quais os seus vencimentos e dificuldades com que vivia; interrogou-o sobre a sua família, que quis lhe fosse apresentada, sobre a vida que faziam seus filhos e netos e a forma como honravam o sangue generoso do seu heróico progenitor. E o Patrão a tudo respondeu, com a sinceridade e por vezes rudeza dos homens do mar, que nada sabem de etiquetas, mas dão lições de sinceridade e são mestres de lealdade.

El-Rei mostrou-se encantado com tudo quanto viu e ouviu, não o escondendo do cortesão que o acompanhava e nem sequer daquele a quem honrava com a sua visita. E, ao retirar-se, convida o patrão do salva-vidas da barra do Tejo a visitá-lo no seu Paço de Caxias, ali bem perto onde acidentalmente se encontrava.

Joaquim Lopes não se fez rogado tanto mais que considerava uma obrigação ir agradecer a Sua Majestade a honra que concedera à sua humilde casa e à família.

E, logo no dia seguinte, apresenta-se em Caxias, envergando a sua melhor andaina, sobre a qual brilhavam já então cinco medalhas de ouro e três de prata. D. Luís recebeu-o afectuosamente, de novo conversou longamente com ele, principalmente sobre coisas do mar e, ao despedir-se, apertando com entusiasmo a mão calosa de Joaquim Lopes, lançou-lhe sobre os ombros o colar de Oficial da Torre e Espada, de Valor, Lealdade, e Mérito. El-Rei reparava, assim, por um acto puramente pessoal, magnânima e expressivamente, as injustiças anteriormente cometidas; começava a verdadeira consagração do herói! E Joaquim Lopes, compreendendo-o e sentindo-o na sua alma singela e generosa, não pode, por isso, deixar de chorar nos braços do seu Rei!

À Imprensa, que tanto se batera para que fosse feita justiça ao bravo patrão do salva-vidas, rejubilou com a atitude do Rei e o coro de louvores foi unânime.

Mais uma vez, porém, Joaquim Lopes recebia honras, embora, muito justas, mas não recebia dinheiro e a vida continuava difícil na sua casa. É que isso não dependia do Rei e sim do Governo e esse... tinha mais em que pensar. A política absorvia-o de todo, com as suas intrigas, e recompensar um herói era coisa de somenos importância e de menor urgência. E foi preciso que um deputado levantasse a questão no Parlamento, fazendo dela um motivo de ataque ao Governo, para que o caso tivesse remédio; mas não foi também o Governo quem lho deu, pois tornou-se necessário ainda que o próprio Parlamento o decidisse espontaneamente, para que a recompensa se efectivasse.

Com efeito, as Câmaras, por sua própria iniciativa, acabaram por votar a Joaquim Lopes uma pensão anual de 240$00 com transferência para sua mulher ou filhas. E só depois disso, a 23 de Agosto de 1866, por iniciativa do Visconde da Praia Grande, ao tempo Ministro da Marinha, o Governo lhe concedeu a graduação de segundo tenente da Armada.

Não foram, porém, só estes os actos definitivamente consagratórios do Patrão Joaquim Lopes como verdadeiro herói nacional. Em 1885, por iniciativa do grande poeta Tomás Ribeiro e do Marquês da Fronteira, seus devotados amigos e incondicionais admiradores (o segundo já lhe oferecera, até as dragonas de ouro, o chapéu armado e a espada, quando ele fora graduado em segundo tenente), foi inaugurada uma expressiva lápide na humilde casa de Paço d'Arcos onde o Patrão vivia, junto do velho posto de socorros a náufragos; ainda lá está hoje, essa lápide glorificadora (a casa do bravo "lobo do mar" foi, como relíquia que é, poupada nas demolições a que forçou a construção da encantadora estrada marginal Lisboa-Cascais) e nela se lêem, além do ano da inauguração e dos nomes dos dois homenageantes, que na própria legenda se intitulam seus amigos e admiradores, estes dois expressivos versos de Tomás Ribeiro:

"Quando o Patrão, já velho, ao pé do mar assoma,

Só de encarar o Oceano o atemoriza e doma".

E pouco depois, a Sociedade Beneficente do Pará e o Centro Promotor das Classes Trabalhadoras nomeavam seu sócio honorário o bravo Joaquim Lopes.

A última destas Sociedades foi, mesmo, mais longe: inaugurou, no seu principal salão, o retrato de Joaquim Lopes, colocando-o entre os dois estadistas Manuel da Silva Passos e José Estêvão Coelho de Magalhães, numa festa que ficou memorável e a que assistiu, comovidíssimo, o próprio homenageado. Foi a propósito desta festa, que Tomás Ribeiro, o consagrado poeta do D. Jaime escreveu o seu poema Novas Conquistas em que o Patrão Joaquim Lopes é evocado e enaltecido nestes termos:

"Ao pé de tais varões, à sombra desta glória,

quem podes tu supor que estava ali? Que história

te parece condigna à história destes dois,

que desse um companheiro às sombras dos heróis?"

Referências

  1. «Patrão Joaquim Lopes (1.º centenário do nascimento)». Hemeroteca Municipal de Lisboa. O Occidente (779): 0182,0183. 20 de Agosto de 1900. Consultado em 28 de maio de 2016 
  2. a b c d e «(sem título)» (PDF). O Porvir. Ano 3 (111). Olhão. 28 de Dezembro de 1890. p. 1-2. Consultado em 21 de Setembro de 2025 – via Hemeroteca Digital do Algarve 
  3. a b c d e f g h i j k l ALBERTO, Caetano (1 de Janeiro de 1891). «Joaquim Lopes». O Occidente. Volume XIV (433). Lisboa. p. 3. Consultado em 20 de Setembro de 2025 – via Hemeroteca Municipal de Lisboa 
  4. a b c d e f g h i j k l m n o p «Patrão Joaquim Lopes» (PDF). Diário Illustrado. Ano 19 (6367). Lisboa. 22 de Dezembro de 1890. p. 1. Consultado em 19 de Setembro de 2025 – via Biblioteca Nacional Digital 

Ligações externas

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