Três Belezas dos Nossos Dias
Três Belezas dos Nossos Dias 当時三美人 Tōji San Bijin | |
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Autor | Kitagawa Utamaro |
Data | c. 1793 |
Técnica | Nishiki-e (xilogravura multi-colorida) |
Dimensões | 37,9 × 24,9 |
Localização | Museu de Belas Artes de Boston, Boston |
Três Belezas dos Nossos Dias (当時三美人 Tōji San Bijin?) é uma xilogravura colorida usando a técnica nishiki-e, datada de c. 1792–93, do artista japonês de ukiyo-e Kitagawa Utamaro (c. 1753–1806). A composição triangular ilustra os bustos de três mulheres célebres pela sua beleza, no seu tempo: a gueixa Tomimoto Toyohina, e as empregadas de uma casa de chá, Naniwa Kita e Takashima Hisa. O trabalho també é conhecido por Três Belezas do Kansei Era (寛政三美人 Kansei San Bijin?) e Três Belezas Famosas (高名三美人 Kōmei San Bijin?).
Utamaro era o principal artista ukiyo-e na década de 1790, género de pinturas bijin-ga de mulheres bonitas. Era conhecido pelo seu ōkubi-e, que se centrava nas cabeças. As três modelos deste trabalho foram habituais nos retratos de Utamaro. Cada figura da pintura está marcada com um símbolo heráldico japonês, que identifica a sua família. Os retratos mostram uma versão idealizada das caras dos modelos e, numa primeira abordagem, as suas faces parecem semelhantes, mas estão presentes diferenças subtis nos seus traços e expressões—um nível de realismo que, naquele tempo, era pouco usual no ukiyo-e, e um contraste com a beleza estereotipada dos primeiros mestres como Harunobu e Kiyonaga. A impressão de alta qualidade foi publicada por Tsutaya Jūzaburō, sendo realizada com vários blocos de madeira—um para cada cor—, e o fundo polvilhado com moscovita para produzir um efeito brilhantes. Pensa-se que o retrato foi bastante popular, e a disposição em triângulo dos modelos tornou-se habitual na década de 1790. Utamaro produziu várias pinturas com a mesma disposição das mesmas três mulheres, e todas apareceram em vários retratos elaborados por Utamaro e outros artistas.
Antecedentes
[editar | editar código-fonte]A arte Ukiyo-e esteve em voga no Japão durante o Período Edo entre os séculos XVII e XIX, e tinha como temas as cortesãs, actores kabuki e outros ligados ao estilo de vida do "mundo flutuante" dos distritos do prazer. Juntamente com as pinturas, as impressões em madeira produzidas em massa eram a principal forma do género.[1] Em meados do século XVIII, as impressões nishiki-e a cores tornaram-se comuns, sendo imprimidas com diversos blocos de madeira, um para cada cor.[2] No final do século XVIII deu-se um aumento generalizado tanto em quantidade como em qualidade dos trabalhos realizados.[3] Um dos géneros mais destacados era o bijin-ga, ou "pinturas de belezas", as quais ilustravam, habitualmente, cortesãs e gueixas em lazer, e promoviam o entretenimento que podia ser encontrado nos distritos do prazer.[4]
Katsukawa Shunshō introduziu a "pintura de grandes cabeças" ōkubi-e na década de 1760;[5] ele e outros membros da Escola Katsukawa, como Shunkō, popularizaram a forma de impressões de actores yakusha-e, tal como a colocação de pó de mica no fundo das pinturas para produzir um efeito brilhante.[6] Kiyonaga foi um dos primeiros retratistas de belezas nos anos 1780, e as altas e elegantes beldades no seu trabalho tiveram uma grande influência em Kitagawa Utamaro (c. 1753–1806), que o sucederia na fama.[7] Utamaro estudou com Toriyama Sekien (1712–1788), que o treinou na Escola Kanō de pintura. Por volta de 1782, Utamaro começou a trabalhar para o editor Tsutaya Jūzaburō.[8]
Em 1791, Tsutaya publicou três livros de Santō Kyōden, no género literário sharebon, de contos humorísticos nos quartos do prazer ; rotulando-os como demasiado fúteis, o governo militar puniu o autor com 50 dias preso com algemas, e confiscou-lhe metade dos seus bens. A sua sorte foi revertida pouco depois com um novo sucesso: Utamaro começou a produzir o primeiro bijin ōkubi-e, adaptando o ōkubi-e ao género de retratos de mulheres bonitas bijin-ga. A sua popularidade devolveu o bem-estar a Tsutaya[9] e fez de Utamaro famoso nos anos 1790.[10]
Descrição e anaálise
[editar | editar código-fonte]Considerado um dos trabalhos mais representativos da fase inicial de Utamaro,[11] Três Belezas dos Nossos Dias ilustra os bustos de três bonitas celebridades da década de 1790 de Edo (actual Tóquio).[12] Os modelos de Utamaro não eram cortesãs, como habitual no ukiyo-e, mas jovens mulheres conhecidas em Edo pela sua beleza.[13] Estas três era, frequentemente, tema da arte de Utamaro, aparecendo juntas em vária ocasiões.[14] Cada uma delas é identificada por um mom (símbolo heráldico japonês).[15]
Ao centro está Tomimoto Toyohina,[nota 1] uma gueixa famosa da casa Tamamuraya do distrito do prazer de Yoshiwara.[16] Ela foi apelidada de "Tomimoto" por causa da música Tomimoto-bushi [ja] tocada com um shamisen.[14] Tal como os outros dois modelos, ela usa o seu cabelo penteado como o então estilo em voga Shimada. Mas, contrastando com as vestes das outras duas raparigas, trabalhadoras numa casa de chá, ela está vestida como uma gueixa.[17] Na manga do seu quimono está o desenho de uma primula japonesa que era o símbolo de Tomimoto.[18] Desconhece-se a data de aniversário de Toyohina.[19]
À direita encontra-se Naniwaya Kita,[a] também conhecida como "O-Kita",[12] a filha do dono de uma casa de chá em Asakusa[20] perto do templo Sensō-ji. Diz-se que ela teria 15 anos de idade[nota 2] No retrato,[19] no qual ela veste um quimono preto[12][17] ela segura um leque uchiwa com o símbolo da sua família, uma paulownia.[14]
À esquerda pode observar-se Takashima Hisa,[nota 3][12] ou "O-Hisa", de Yagenbori [ja] em Ryōgoku.[21] Ela era a filha mais velha de Takashima Chōbei, o dono de uma casa de chá à beira de uma estrada perto de sua casa, chamada Senbeiya,[14] na qual Hisa trabalhava para atrair clientes.[19] A tradição refere que a sua idade seria de 16 anos[nota 4] quando o retrato foi feito, e pode observar-se uma subtil diferença de maturidade nas faces das duas jovens da casa de chá.[22] Ela segura uma pequena toalha sobre o ombro esquerdo,[17] e tem o seu símbolo identificativo da sua família no quimono: três folhas de carvalho daimyo.[14]
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Folha de carvalho daimyo de Hisa
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Primula japonesa de Toyohisa
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Paulownia de Kita
Ao invés de tentar capturar um retrato realista dos três, Utamaro idealiza as suas semelhanças.[12] Para muitos observadores, os rostos neste e em outros retratos da altura parecem pouco individualizados, ou talvez não. Outros dão ênfase as diferenças subtis[14] que distinguem os três nas formas das bocas, narizes,[12] e os olhos:[20] Kita tem bochechas rechonchudas e uma expressão inocente;[19] seus olhos são em forma de amêndoa, e a ponte do nariz alto;[20] Hisa tem uma expressão mais rígida e orgulhosa[23] e a ponte do nariz de Hisa é mais baixa, e os seus olhos mais redondos do que os de Kita;[20] As características de Toyohina situam-se no meio de ambas,[20] e ela aparenta de ser mais velha e mais intelectual.[19]
A impressão é um ōban vertical de 37,9 cm × 24,9 cm,[24] e é uma impressão nishiki-e - uma impressãoukiyo-e a cores de vários blocos de madeira, uma para cada cor; os blocos de tinta são pressionados em papel japonês feito à mão. Para produzir um efeito brilhante, o fundo é polvilhado com moscovita, uma variedade de mica. A imagem insere-se os géneros de bijin-ga ("retratos de belezas") e ōkubi-e ("imagens de cabeça e ombros"), sendo este último um género em que Utamaro foi pioneiro e estava fortemente associado.[12]
A composição das três figuras é triangular, um arranjo tradicional que Tadashi Kobayashi compara aos Três Degustadores de Vinagre,[b] no qual Confúcio, Sidarta Gautama e Lao Zi simbolizam a unidade do Confucionismo, do Budismo e Taoismo; da mesma forma, diz Kobayashi, Utamaro demonstra a unidade das três célebres belezas no seu trabalho.[15]
Publicação e legado
[editar | editar código-fonte]A impressão foi projetada por Utamaro e publicada por Tsutaya Jūzaburō no quarto ou quinto ano da Era Kansei das divisões tradicionais das eras japonesas[14] ( c. 1792-93 ).[24] O selo da editora de Tsutaya está impresso à esquerda, acima da cabeça de Hisa, e um selo redondo da censura aparece por cima dele. A assinatura de Utamaro est impressa no canto inferior esquerdo.[22]
Fumito Kondō considerou a impressão revolucionária; tais rostos expressivos e individualizados não são vistos nas figuras estereotipadas nas obras dos predecessores de Utamaro, como Harunobu e Kiyonaga[19], e foi a primeira vez na história do ukiyo-e que as belezas foram retiradas da população urbana geral, em vez dos quartos de prazer.[25]
Os registos indicam que Kita estava altamente classificada nos rankings das casas-de-chá, e que os fãs curiosos iam em massa à casa-de-chá do seu pai; diz-se que isso fez com que ela se tornasse arrogante e deixasse de servir chá a menos que fosse solicitada. Hisa estava classificada numa posição mais baixa, embora ainda pareça ter sido bastante popular - um comerciante abastado ofereceu 1500 ryō por ela, mas os seus pais recusaram-se e ela continuou a trabalhar na casa-de-chá.[26] Utamaro aproveitou esta rivalidade na sua arte chegando a retratar as duas belezas dos salões-de-chá em diversas competições, com deidades associadas às suas vizinhanças a apoiá-las: a divindade protectora budista Acala foi associada a Yagenbori, e apoiou Hisa; [[Guanyin], a Deusa da Misericórdia, foi associada ao templo Sensō-ji em Asakusa, e apoiava Kita.[27]
O posicionamento triangular das três figuras tornou-se uma moda nas impressões de meados da década de 1790. As Três Belezas da Era Kansei normalmente referem-se às três que aparecem nesta impressão; por vezes, Utamaro substituiu Toyohina por Kikumoto O-Han.[14] Utamaro colocou as três belezas na mesma composição, três ou quatro anos depois, numa impressão chamada Três Belezas,[c] na qual Hisa segura um pires na mão esquerda em vez de um lenço, e Kita segura um leque em ambas as mãos. Para Eiji Yoshida, as figuras desta impressão não possuem a personalidade que que caracterizaram o charme transmitido do anterior. Yoshida deu menos importância às outras personalidades indiferenciadas de uma impressão posterior com a mesma composição triangular, Três Belezas a Segurar Sacos com Comida,[d] publicado porYamaguchiya.[11] Como testemunho da sua popularidade, os três modelos apareceram frequentemente nas obras de outros artistas[22] e Utamaro continuou a usá-los em outras impressões, individualmente ou em pares.[14]
Não há registos do volume de vendas da época ukiyo-e em que a impressão foi feita. Determinar a popularidade de uma impressão requer meios indirectos, um dos quais é comparar as diferenças nas cópias sobreviventes. Por exemplo, quanto mais impressões forem impressas, mais os painéis de madeira se desgastam, resultando em perda de clareza e detalhes. Outro exemplo é o facto de as editoras geralmente alterarem os blocos em impressões posteriores. Os pesquisadores usam pistas como estas para determinar se as impressões foram repetidas com frequência - um sinal de sua popularidade.[28] A impressão original das Três Belezas dos Nossos Dias tinha o título em forma de marcador no canto superior direito com os nomes das três belezas à esquerda. Pensa-se que apenas duas cópias deste estado tenham sobrevivido; elas encontram-se nas colecções do Museu de Belas Artes de Boston e do Museu de Arte Koishikawa Ukiyo-e em Tóquio.[12] As impressões posteriores não têm título, os nomes das belezas, ou ambos, e a posição dos selos da editora e da censura varia ligeiramente.[22] Os motivos das mudanças estão sujeitas a especulações, como a que refere que as belezas podem ter-se ido embora, ou sua fama pode ter caído.[22] Com base em evidências como estas mudanças, os pesquisadores acreditam que esta impressão foi um sucesso popular para Utamaro e Tsutaya.[29]
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As variações surgiram em impressões posteriores—os nomes não aparecem nesta cópia do Museu de Arte de Toledo.
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Três Belezas, c. 1792–93
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Três Belezas a Segurar Sacos com Comida, c. late 1790s
Notas
Referências
- ↑ Fitzhugh 1979, p. 27.
- ↑ Kobayashi 1997, pp. 80–83.
- ↑ Kobayashi 1997, p. 91.
- ↑ Harris 2011, p. 60.
- ↑ Kondō 1956, p. 14.
- ↑ Gotō 1975, p. 81.
- ↑ Lane 1962, p. 220.
- ↑ Davis 2004, p. 122.
- ↑ Gotō 1975, pp. 80–81.
- ↑ Kobayashi 1997, pp. 87–88.
- ↑ a b Yoshida 1972, p. 240.
- ↑ a b c d e f g h Matsui 2012, p. 62.
- ↑ Kondō 2009, p. 131.
- ↑ a b c d e f g h i Nihon Ukiyo-e Kyōkai 1980, p. 96.
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- ↑ Yasumura 2013, p. 66; Nihon Ukiyo-e Kyōkai 1980, p. 96.
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- ↑ Kobayashi 2006, p. 15.
- ↑ a b c d e f Kondō 2009, p. 132.
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- ↑ Kondō 2009, p. 131; Kobayashi & Ōkubo 1994, p. 35.
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- ↑ Kondō 2009, p. 133.
- ↑ Kondō 2009, pp. 135–137.
- ↑ Kondō 2009, p. 136.
- ↑ Kondō 2009, pp. 133–134.
- ↑ Kondō 2009, p. 134.
Bibliografia
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