Usuário(a):Mitopoética da Cidade/Imaginário

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A ciência de caráter puramente objetivo está hoje em revisão. Neste início de século XXI, o Ocidente se propõe uma autocrítica ao se deparar com fatos históricos que legaram guerras, conflitos, miséria, para uma sociedade que partilhava expectativas de descobertas e progresso. As teorias clássicas parecem ultrapassadas, a física avança e, consequentemente, a proposição fenomenológica de compreensão do ser humano para além de uma condição objetiva é aceita. É neste contexto que ganha força o estudo, até então tão disperso, do imaginário.

É possível destacar o homem dos demais seres vivos por sua faculdade própria de dar sentido ao mundo. É ela que o leva a tanto modificar o que lhe foi posto pela natureza, seja em seu próprio corpo ou no meio em que vive. O processo de significação, ou seja, de criar significado, é atividade de uma função da mente - a imaginação. Se, por um lado, o homem pode, por meio do raciocínio, da razão -outra função da mente- analisar os fatos, relacioná-los, por outro, só há significação diante da imaginação.

Para Sartre, a imagem, enquanto imagem, só é descritível por um ato de segundo grau com o que o olhar se desvia do objeto para dirigir-se sobre a maneira como esse objeto é dado. É o ato reflexivo que permite o julgamento “eu tenho uma imagem”. Recuperando Descartes por meio de sua asserção de que uma consciência reflexiva entrega dados absolutamente certos e da conclusão de que o homem que, num ato de reflexão, toma consciência de “ter uma imagem” não poderia se enganar, Sartre define um conteúdo imediatamente certo no ato de reflexão: a essência da imagem. Segundo o pensador, o homem fez da consciência um lugar povoado de pequenos simulacros, sendo estes as imagens. Para ele, sem dúvida alguma, a origem dessa ilusão deveria ser procurada no hábito de pensar no espaço e em termos de espaço. Ela encontraria em Hume sua expressão mais clara, sendo aqui a idéia equiparada à imagem. Em outras palavras, uma imagem é implicitamente assimilada ao objeto material que ela representa.

Sartre exemplifica este racioncínio com a figuração da cadeira. Não se trata, na realidade, de um simulacro da cadeira que penetra imediatamente na consciência e não tem nenhuma relação extrínseca com a cadeira existente.Trata-se de um certo tipo de consciência, isto é, de uma organização sintética que se relaciona diretamente com a cadeira existente e cuja essência íntima é precisamente relacionar-se de tal e tal maneira à cadeira existente.

A palavra imagem não poderia, pois, segundo ele, designar nada mais que a relação da consciência ao objeto. A imagem é um certo modo que o objeto tem de aparecer à consciência, ou, um certo modo que a consciência tem de se dar um objeto. Assim, na trama dos atos sintéticos da consciência aparecem por vezes certas estruturas que chamamos consciências imaginantes. Uma consciência imaginante se dá a si mesma como consciência imaginante, isto é, como uma espontaneidade que produz e conserva o objeto como imagem.

Perceber, conceber, imaginar, tais são, com efeito, os três tipos de consciência pelos quais um mesmo objeto pode nos ser dado, segundo o pensador.

Vemos agora que a imagem é um ato sintético que une a elementos mais precisamente representativos um saber concreto, não imaginado. A imagem tem uma pobreza essencial, uma vez que é apenas a consciência que se tem de um objeto. Nossa atitude em relação ao objeto da imagem poderia chamar-se, assim, quase-observação, como diz Sartre.

O tipo de existência do objeto imaginado, na medida em que é uma imagem, difere em natureza do tipo de existência do objeto apreendido como real. Este nada essencial do objeto da imagem, basta para diferenciá-lo dos objetos da percepção.

A condição essencial para que uma consciência possa formar imagens é que tenha a possibilidade de colocar a tese da irrealidade. É preciso, concomitantemente, que possa colocar o mundo em sua totalidade sintética e que possa colocar o objeto imaginado como fora do alcance em relação a esse conjunto sintético, ou seja, colocar o mundo como um nada em relação à imagem.

Para imaginar, portanto, a consciência deve ser livre em relação a toda realidade particular, e essa liberdade deve poder definir-se por um estar no mundo que é, ao mesmo tempo, constituição e nadificação do mundo. A situação concreta da consciência do mundo deve, a cada instante, servir de motivação singular à constituição do irreal. Dessa maneira, o irreal que é sempre duplo nada - nada de si mesmo em relação ao mundo, nada do mundo em relação a si - deve sempre ser constituído sobre o fundo do mundo que ele nega, ficando bem entendido, além disso, que o mundo não se entrega somente a uma intuição representativa e que esse fundo sintético requer simplesmente ser vivido como situação.

Sartre também diz que a imaginação não é um poder empírico, mas sim a consciência por inteiro, na medida em que realiza sua liberdade. Toda situação concreta e real da consciência no mundo está impregnada de imaginário, já que se apresenta sempre como ultrapassagem do real. O imaginário representa a cada instante o sentido implícito do real.

Gilbert Durand ultrapassa a concepção sartriana de imaginário quando o entende como a capacidade mesma de fundar o real e percebê-lo. Para Durand, o imaginário é como um “museu” de todas as imagens passadas, possíveis, produzidas e a serem produzidas e determina o trajeto antropológico em um dado espaço de tempo. Associado à linguagem simbolicamente conformada por cada cultura humana, o imaginário funda o sentido único e característico de cada uma delas.

É a partir desta constatação que Durand distancia categoricamente as civilizações ocidentais das não-ocidentais partindo de um critério de organização cultural segundo o qual estas últimas teriam sempre concatenado as informações (ou “verdades”) fornecidas pela imagem e aquelas fornecidas pelos sistemas de escrita. Seus universos mental, individual e social foram estabelecidos em fundamentos pluralistas e, conseguintemente, diferenciados. Referindo-se a Max Weber, Durand afirma que o “politeísmo de valores” que orienta estas civilizações engloba diferenças percebidas cada qual como uma figuração diferenciada com qualidades figuradas imaginárias e, por isso, todo “politeísmo” ipso facto seria receptivo às imagens, quando não aos ídolos.

O Ocidente, por sua vez, civilização esta sustentada a partir do raciocínio socrático e seu subsequente batismo cristão, deseja ser considerado o herdeiro de uma única Verdade e quase sempre desafiou as imagens. Contudo, Durand atenta para o paradoxo que se instaurou sob esta civilização, uma vez que, do lado da filosofia fundamental, demonstrou uma desconfiança iconoclasta endêmica e, por outro lado, proveu, com o mundo das técnicas em constante desenvolvimento, a produção, a reprodução e a comunicação das imagens.

Bibliografia:

DURAND, Gilbert. Les structure anthropologiques de l’imaginaire - Introduction a l`archétypologie générale. Grenoble: Presses Universitaires de France, 1960.

DURAND, Gilbert. O imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. 5a ed. Rio de Janeiro: DIFEL, 2011.

PITTA, Danielle Perin Rocha. Iniciação à teoria do imaginário de Gilbert Durand. Rio de Janiero: Atlântica Editora, 2005.

SARTRE, Jean-Paul.O imaginário. São Paulo: Editora Ática, 1996.