Vaginite aeróbica

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

A vaginite aeróbica (VA) é uma forma de vaginite descrita por Donders et al. em 2002.[1][2] Caracteriza-se por uma perturbação mais ou menos severa da população lactobacilar e pela presença de inflamação, atrofia e pela presença de flora predominantemente aeróbica (bactérias entéricas, comensais ou patogénicas).[3]

Pode ser considerada o equivalente aeróbico da vaginose bacteriana. A falha em estabelecer o diagnóstico diferencial entre as duas entidades pode ter levado a resultados e conclusões incorrectas em estudos realizados no passado.[4] A entidade descrita como "vaginite descamativa inflamatória" mais não será do que uma forma grave de vaginite aeróbica.[5]

Sinais e sintomas[editar | editar código-fonte]

As mulheres com vaginite aeróbica, habitualmente, apresentam enantema, atrofia, erosões e ulcerações da mucosa vaginal. Podem ter um corrimento amarelado, abundante, contudo, sem o cheiro "a peixe", típico da vaginose bacteriana. O pH habitualmente encontra-se elevado. Os sintomas podem incluir ardor, picadas e dispareunia - podem estar presentes desde há muito tempo, por vezes anos. É comum que estas mulheres tenham uma história de vários tratamentos com antibióticos e antibióticos, sem alívio da sintomatologia.[6] Existem casos de vaginite aeróbica assintomática - mulheres apenas com critérios microscópicos; a sua proporção é desconhecida. [6]

Diagnóstico[editar | editar código-fonte]

O diagnóstico é realizado por critérios microscópicos. Idealmente, deve ser utilizado um microscópio com contraste de fase, com uma ampliação de 400x (campo de grande aumento - CGA).[7] Para cálculo do índice de pontuação ("AV score"), para além do número relativo de leucócitos, da proporção de leucócitos tóxicos, da flora de fundo e da proporção de epiteliócitos, o grau lactobacilar tem que ser avaliado:

Grau I
numerosos lactobacilos pleomórficos; sem presença de outras bactérias
Grau IIa
flora mista, mas com predomínio de lactobacilos
Grau IIb
flora mista, mas a proporção de lactobacilos está severamente diminuída, com predomínio de outras bactérias
Grau III
lactobacilos muito raros ou ausentes, com sobrecrescimento de outras bactérias
"AV score" Grau lactobacilar Número de leucócitos Proporção de leucócitos tóxicos Flora de fundo Proporção de epiteliócitos parabasais
0 I e IIa <10/CGA Ausentes ou esporádicos Muito escassa ou citólise Ausentes ou <1%
1 IIb >10/CGA e; <10/célula epitelial <50% dos leucócitos Pequenos bacilos coliformes ≤10%
2 III >10/célula epitelial >50% dos leucócitos Cocos ou cadeias >10%

O "AV score" é calculado de acordo com o descrito na tabela.

  • "AV score" <3: ausência de AV
  • "AV score" 3 ou 4: AV ligeira
  • "AV score" 5 ou 6: AV moderada
  • "AV score" ≥6: AV severa.

A medição isolada do pH não é suficiente para realização do diagnóstico.

Complicações[editar | editar código-fonte]

A vaginite aeróbica tem sido associada a diversas complicações ginecológicas e obstétricas, incluindo:

Tratamento[editar | editar código-fonte]

O tratamento nem sempre é fácil; tem por objectivo corrigir as três grandes alterações encontradas na vaginite aeróbica: a presença de atrofia, a inflamação e as alterações da flora. Para tal, recorre-se aos corticóides tópicos para diminuição da inflamação e estrogénios tópicos para reduzir a atrofia. O uso e escolha de antibióticos para diminuição da quantidade/proporção de bactérias aeróbias é ainda um assunto em debate. O uso de antibióticos locais, preferencialmente não absorvíveis e com cobertura para bactérias aeróbicas intestinais gram positivas e gram negativas pode ser uma boa opção. Nalguns casos serão necessários antibióticos sistémicos, como a amoxicilina+ácido clavulânico e a moxifloxacina.[12] Lavagens vaginais com iodopovidona podem permitir um breve alívio dos sintomas; a longo prazo o efeito é diminuto e sem grande impacto na flora aeróbica.[13] O cloreto de dequalínio pode ser uma boa opção de tratamento.[14]

Epidemiologia[editar | editar código-fonte]

Cerca de 5 a 10% das mulheres têm vaginite aeróbica.[15] Em mulheres grávidas, a prevalência situa-se entre os 8,3–10,8%.[16][17]
Considerando apenas mulheres sintomáticas, a prevalência pode chegar aos 23%.[18][19][20]

Referências

  1. Donders, Gilbert G.G.; Vereecken, Annie; Bosmans, Eugene; Dekeersmaecker, Alfons; Salembier, Geert; Spitz, Bernard (2002). «Definition of a type of abnormal vaginal flora that is distinct from bacterial vaginosis: aerobic vaginitis». BJOG. 109 (1): 34–43. PMID 11845812. doi:10.1111/j.1471-0528.2002.00432.x 
  2. Donders, Gilbert G. G.; Bellen, Gert; Grinceviciene, Svitrigaile; Ruban, Kateryna; Vieira-Baptista, Pedro (11 de maio de 2017). «Aerobic vaginitis: no longer a stranger». Research in Microbiology. ISSN 1769-7123. PMID 28502874. doi:10.1016/j.resmic.2017.04.004 
  3. Donders, G; Bellen, G; Rezeberga, D (2011). «Aerobic vaginitis in pregnancy». BJOG. 118 (10): 1163–70. PMID 21668769. doi:10.1111/j.1471-0528.2011.03020.x 
  4. Han, Cha; Wu, Wenjuan; Fan, Aiping; Wang, Yingmei; Zhang, Huiying; Chu, Zanjun; Wang, Chen; Xue, Fengxia (2015). «Diagnostic and therapeutic advancements for aerobic vaginitis». Archives of Gynecology and Obstetrics. 291 (2): 251–7. PMID 25367602. doi:10.1007/s00404-014-3525-9 
  5. Newbern, EC; Foxman, B; Leaman, D; Sobel, JD (2002). «Desquamative Inflammatory Vaginitis An Exploratory Case-Control Study». Annals of Epidemiology. 12 (5): 346–52. PMID 12062923. doi:10.1016/S1047-2797(01)00316-7 
  6. a b Donders, G; Bellen, G; Rezeberga, D (2011). "Aerobic vaginitis in pregnancy". BJOG [S.l.: s.n.] 118 (10): 1163–70. doi:10.1111/j.1471-0528.2011.03020.x. PMID 21668769
  7. Donders, G.G.G.; Larsson, P.G.; Platz-Christensen, J.J.; Hallén, A.; van der Meijden, W.; Wölner-Hanssen, P. (2009). «Variability in diagnosis of clue cells, lactobacillary grading and white blood cells in vaginal wet smears with conventional bright light and phase contrast microscopy». European Journal of Obstetrics & Gynecology and Reproductive Biology. 145 (1): 109–12. PMID 19481329. doi:10.1016/j.ejogrb.2009.04.012 
  8. Donders, G. G. G.; Moerman, P.; De Wet, G. H.; Hooft, P.; Goubau, P. (1991). «The association between Chlamydia cervicitis, chorioamnionitis and neonatal complications». Archives of Gynecology and Obstetrics. 249 (2): 79–85. PMID 1953055. doi:10.1007/BF02390366 
  9. Donders, Gilbert; De Wet, Henry; Hooft, Peter; Desmyter, Jan (1993). «Lactobacilli in Papanicolaou Smears, Genital Infections, and Pregnancy». American Journal of Perinatology. 10 (5): 358–61. PMID 8240593. doi:10.1055/s-2007-994761 
  10. Jahic, Mahira; Mulavdic, Mirsada; Hadzimehmedovic, Azra; Jahic, Elmir (2013). «Association Between Aerobic Vaginitis, Bacterial Vaginosis and Squamous Intraepithelial Lesion of Low Grade». Medical Archives. 67 (2): 94–6. PMID 24341052. doi:10.5455/medarh.2013.67.94-96 
  11. Vieira-Baptista, P.; Lima-Silva, J.; Pinto, C.; Saldanha, C.; Beires, J.; Martinez-de-Oliveira, J.; Donders, G. (2016). «Bacterial vaginosis, aerobic vaginitis, vaginal inflammation and major Pap smear abnormalities». European Journal of Clinical Microbiology & Infectious Diseases. 35 (4): 657–64. PMID 26810061. doi:10.1007/s10096-016-2584-1 
  12. Wang, C.; Han, C.; Geng, N.; Fan, A.; Wang, Y.; Yue, Y.; Zhang, H.; Xue, F. (2016). «Efficacy of oral moxifloxacin for aerobic vaginitis». European Journal of Clinical Microbiology & Infectious Diseases. 35 (1): 95–101. PMID 26526787. doi:10.1007/s10096-015-2513-8 
  13. Donders, Gilbert G. G.; Ruban, Katerina; Bellen, Gert (2015). «Selecting Anti-Microbial Treatment of Aerobic Vaginitis». Current Infectious Disease Reports. 17 (5). 477 páginas. PMID 25896749. doi:10.1007/s11908-015-0477-6 
  14. Mendling, Werner; Weissenbacher, Ernst Rainer; Gerber, Stefan; Prasauskas, Valdas; Grob, Philipp (2016). «Use of locally delivered dequalinium chloride in the treatment of vaginal infections: a review». Archives of Gynecology and Obstetrics. 293 (3): 469–84. PMC 4757629Acessível livremente. PMID 26506926. doi:10.1007/s00404-015-3914-8 
  15. Tansarli, G. S.; Kostaras, E. K.; Athanasiou, S.; Falagas, M. E. (2013). «Prevalence and treatment of aerobic vaginitis among non-pregnant women: evaluation of the evidence for an underestimated clinical entity». European Journal of Clinical Microbiology & Infectious Diseases. 32 (8): 977–84. PMID 23443475. doi:10.1007/s10096-013-1846-4 
  16. Donders GGG, Van Calsteren K, Bellen G, Reybrouck R, Van den Bosch T, Riphagen I et al (2009) Predictive value for preterm birth of abnormal vaginal flora, bacterial vaginosis and aerobic vaginitis during the first trimester of pregnancy. BJOG 116(10):1315–1324. doi:10.1111/j.1471-0528.2009.02237.x
  17. Zodzika J, Rezeberga D, Jermakova I, Vasina O, Vedmedovska N, Donders G (2011) Factors related to elevated vaginal pH in the first trimester of pregnancy. Acta Obstet Gynecol Scand 90(1):41–46. doi:10.1111/j.1600-0412.2010.01011.x
  18. Fan A, Yue Y, Geng N, Zhang H, Wang Y, Xue F (2013) Aerobic vaginitis and mixed infections: comparison of clinical and laboratory findings. Arch Gynecol Obstet 287(2):329–335. doi:10.1007/s00404-012-2571-4
  19. Bologno R, D ́ıaz YM, Giraudo MC, Fernández R, Menéndez V, Brizuela JC, Gallardo AA, Alvarez LA, Estevao Belchior SG (2011) Importance of studying the balance of vaginal content (BAVACO) in the preventive control of sex worker.s [Article in Spanish] Rev Argent Microbiol. 43(4):246–50. doi: 10.1590/ S0325-75412011000400002.
  20. Marconi C, Donders GG, Bellen G, Brown DR, Parada CM, Silva MG (2013) Sialidase activity in aerobic vaginitis is equal to levels during bacterial vaginosis. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol 167(2):205–209. doi:10.1016/j.ejogrb.2012.12.003.