Virgínia Valadão

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Virgínia Valadão
Nascimento 13 de agosto de 1952
São Paulo
Morte 2 de junho de 1998 (45 anos)
Cidadania Brasil
Cônjuge Vincent Carelli
Ocupação antropóloga, cineasta, indigenista, ambientalista

Virgínia Valadão (nascida Virgínia Marcos Valadão, em São Paulo, 13 de agosto de 1952 - 2 de junho de 1998) foi uma antropóloga paulista, dedicada a questões de etnologia e direito indígena no Brasil. Iniciou o projeto Vídeo nas Aldeias, em 1986, em conjunto com seu esposo Vincent Carelli.

Infância e educação[editar | editar código-fonte]

Virgínia Valadão era filha de funcionários públicos paulistas, de religião católica, de classe média. Foi a primogênita do casal. Ela se formou em Ciências Sociais, em 1977, e fez pós-graduação em Antropologia (1977-1979), ambas as formações na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).[1]

Atuação indigenista[editar | editar código-fonte]

Em 1979, fez parte do grupo de jovens antropólogos e indigenistas que fundou o Centro de Trabalho Indigenista (CTI)[nota 1], uma organização independente, sem fins lucrativos, destinada a apoiar projetos voltados aos indígenas, que atuou de forma inovadora sobre as questões de etnologia e direito indígena no Brasil.[2] Foi diretora do CTI por quase 20 anos. Virgínia conviveu com os grupos indígenas Xavante, Urubu Kaapor, Nhambiquara, Tembé, Tenetehara, Guarani, Tenharim, Enawenê-Nawê, Xokleng, e os isolados do Igarapé Omerê; tendo escrito diversos documentos sobre os mesmos, em sua maioria não publicados.[1][3][4] Segundo Regina Müller, amiga e colega de trabalho de Virgínia,[2]

Outra atividade profissional de Virgínia Valadão, onde se encontra o diálogo entre a Antropologia e o Indigenismo, foi a elaboração de laudos antropológicos e relatórios de identificação para processos de regularização de terras indígenas, aos quais se dedicou com a tenacidade de sempre e a competência com que na vida adulta se distinguiu. Essa tenacidade e com­petência se integraram, por sua vez, ao modo artístico, sensível e instigador de abordar temas de pesquisa, projetos e assessorias, laudos técnicos e trabalhos de campo.

Dentre os temas sobre os quais Virgínia escreveu, estão:[1]

  • Linguagem corporal
  • Migração
  • Chefia
  • Liderança feminina
  • Ritual
  • Alternativas de desenvolvimento sustentável
  • Territorialidade

Virgínia teve como um de seus casos de estudo e documentação preferidos a liderança feminina representada por Verônica Tembé.[2]

Foi consultora do Banco Mundial no Projeto de Demarcação das Terras Indígenas da Amazônia Legal (PPTAL, 1992) e a antropóloga responsável pelo processo de tombamento da Serra do Mar e pela preservação das vilas caiçaras de São Paulo (1984-1986).[1]

Em 1998, Virgínia Valadão e Silbene Almeida conceberam um espaço das artes vivas dos povos indígenas para a reabertura do Museu do índio, em Brasília. O espaço concebido contava com performances, instalações, rituais, espetáculos e convivência in­tercultural.[2]

Vídeo nas Aldeias[editar | editar código-fonte]

Com seu esposo, o cineasta franco-brasileiro Vincent Carelli que também foi fundador do CTI, Virgínia iniciou o projeto Vídeo nas Aldeias, em 1986.[5][6] "O Projeto Vídeo nas Aldeias é uma série contínua que nasceu das experiências frustrantes que os índios Waiãpi brasileiros tiveram com filmes etnográficos e filmagens em suas aldeias".[7]

O projeto Vídeo nas Aldeia foi criado no âmbito do CTI, promoveu, ao longo de mais de vinte anos, o encontro dos indígenas com suas imagens, tornando o vídeo um instrumento de expressão da sua identidade e refletir suas visões de mundo. Além de treinar e equipar as comunidades indígenas com equipamentos de vídeo, o projeto estimulou a troca de informações e de imagens entre as nações, que discutiam juntas a maneira de apresentar sua realidade para o resto do mundo.[8]

Os trabalhos iniciais foram realizados por Virgínia Valadão, Dominique Gallois e outros profissionais, que atuaram na produção de uma série de 35 documentários, traduzidos para cinco idiomas e divididos em três eixos temáticos:[6]

  • vídeo processo: povos originários encontram-se com sua imagem e refletem sobre sua auto-representação;
  • vídeo denúncia: registro de conflitos e da situação dos índios no Brasil; e
  • vídeos institucionais e projetos alternativos: o eixo foi proposto por algumas comunidades e ilustra relações de contato e processos de transformação das comunidades.

Em 26 de novembro de 2009, o projeto Vídeo nas Aldeias recebeu a Ordem do Mérito Cultural, em cerimônia prestigiada pelo presidente da República.[9]

Filmografia[editar | editar código-fonte]

Dentro do Projeto Vídeo nas Aldeias, Virgínia produziu 5 vídeos:[1]

  • Wai’a: o segredo dos homens (1988), Virgínia Valadão. "Entre os Xavante do Mato Grosso, o Wai’a é uma etapa importante de um ritual de iniciação masculina que acontece uma vez a cada 15 anos. Wai'a: The Secret of Men documenta as cerimônias que preparam os jovens para o contato com forças sobrenaturais. Os jovens da aldeia dirigiram as filmagens e ajudaram na edição para fazer um registro para a próxima geração".[10]
  • Boca livre no Sarare (1992), Virginia Valadão, Vincent Carelli e Maurizio Longobardi. "Mais de 6.000 garimpeiros invadem a reserva dos Nambiquara do Sararé, e madeireiros invadem as florestas ricas em mogno, que estão ameaçadas de extinção. A pressão sobre o Banco Mundial (com quem o governo de Mato Grosso negocia um empréstimo) pode acabar com o garimpo, mas a pilhagem da floresta continua".[11]
  • Yãkwa: o Banquete dos Espíritos (1995), que demandou quatro anos de pesquisa de campo.[2] O documentário tem quatro partes e mostra o ritual mais importante dos índios Enauênê-Nauê.
  • Morayngava, o desenho das coisas (1997), Virginia Valadão e Regina Müller. "Ao descobrirem que é possível guardar suas imagens, os velhos lamentam nunca terem guardado imagens de seus antepassados ​​e decidiram registrar a iniciação de um xamã, tradição ameaçada pelos novos tempos".[12]
  • Demarcar do nosso jeito: experiências participativas do PPTAL (1998).

O vídeo de Virgínia mais conhecido do público é "Yãkwa: o Banquete dos Espíritos", que retrata o ritual anual dos Enawenê-Nawê de dança, canto e oferta de alimento para proteger a comunidade dos espíritos Yakairiti. O ritual tem duração de sete meses.[1][2] O documentário tem quatro partes:[13]

  • As flautas sagradas: confecção de canoas e armadilhas para peixes que serão usadas durante a grande pescaria. Também são confeccionadas flautas para os espíritos.
  • A vingança de Dataware: grupos de homens da comunidade vão até os igarapés e constróem barragens para capturar os peixes da piracema. Xinare conta que a barragem se construia sozinha até que Dataware, um civilizador, se vingou dos peixes.
  • Harikare: o Anfitrião dos Espíritos: peixes defumados são trazidos da pescaria, ofertados aos espíritos e consumidos pela comunidade. O cerimonial inclui a entrada tempestuosa dos espíritos na aldeia.
  • A menina mandioca: a comunidade derruba e planta a roça coletiva de mandioca, a mesma dos espíritos do ritual. Dessa forma, revivem o mito da menina enterrada pela mãe, que se transformou na primeira mandioca.

Essa obra "permanece como uma produ­ção exemplar no registro impecável da vida Xavante através de um docu­mentário sobre este ritual e, mais importante ainda, realizado a pedido deles e até hoje muito apreciado por muitos outros povos indígenas. Sua produção videográfica foi premiada mais de uma vez em mostras representativas do meio".[2]

Prêmios[editar | editar código-fonte]

1996: Selected Work no 18° Tokyo Video Festival, por "Yãkwá, o banquete dos espíritos".[2]

1996: Prêmio de Excelência do Júri do I Concurso Pierre Verger de Vídeo Etnográfico, na 20' Reunião Brasileira de Antropologia, em Salvador, por "Yãkwá, o banquete dos espíritos".[2]

1996: Melhor Documentá­rio e Prêmio do Júri Popular TVE RioCine Festival, no 12“ RioCine Festival, por "Yãkwá, o banquete dos espíritos".[2]

1996: Melhor Vídeo Documental e Prêmio Walter da Silveira de melhor vídeo da XXIII Jornada de Cinema da Bahia, por "Yãkwá, o banquete dos espíritos".[2]

2009: o projeto Vídeo nas Aldeias recebeu a Ordem do Mérito Cultural, em cerimônia prestigiada pelo presidente da República.[9]

Falecimento[editar | editar código-fonte]

Virginia Valadão faleceu no dia 2 de junho de 1998. Durante seu funeral, diversos indígenas enfeitaram seu corpo com colares de tucum, tiririca e uma gravata xavante. Entre as muitas homenagens a ela prestadas pelos grupos indígenas com os quais conviveu e trabalhou, estão um ritual de choro-reza de saudade realizado pelos Kraho e uma menina Xavante que recebeu seu nome, Virgínia.[1]

Vida pessoal[editar | editar código-fonte]

Foi esposa do cineasta franco-brasileiro Vincent Carelli,[1] com quem teve dois filhos, Pedro e Rita.[2]

Notas

  1. O grupo de jovens que fundou o Centro de Trabalho Indigenis­ta (CTI) era composto por: Giberto Azanha, Maria Elisa Ladeira, Regina Pollo Müller, Vincent Carelli e Virgínia Valadão.

Referências

  1. a b c d e f g h «Equipe VNA - Virgínia Valadão». Vídeo nas Aldeias. 2009. Consultado em 18 de março de 2023 
  2. a b c d e f g h i j k l Müller, Regina Polo (2000). «Virgínia Valadão (1952-1998)». Anuário Antropológico (1): 237–240. ISSN 2357-738X. Consultado em 18 de março de 2023 
  3. «VALADÃO, Virgínia». Biblioteca Digital. Consultado em 18 de março de 2023 
  4. «Virginia Valadão | Acervo | ISA». acervo.socioambiental.org. Consultado em 18 de março de 2023 
  5. Equipe VNA Virgínia Valadão (13/08/52 - 02/06/98)
  6. a b «Amazônia: interesses e conflitos». www.comciencia.br. Consultado em 18 de março de 2023 
  7. «valadaov». www.vdb.org (em inglês). Consultado em 18 de março de 2023 
  8. National Film Board of Canada. The imagineNATIVE Film & Media Arts Festival
  9. a b «Programa Convida: Vídeo nas Aldeias | IMS Quarentena». Instituto Moreira Salles. Consultado em 18 de março de 2023 
  10. «Wai'a: The Secret of Men | Video Data Bank». www.vdb.org. Consultado em 18 de março de 2023 
  11. «Free-for-all in Sararé | Video Data Bank». www.vdb.org. Consultado em 18 de março de 2023 
  12. «Morayngava | Video Data Bank». www.vdb.org. Consultado em 18 de março de 2023 
  13. «YÃKWÁ, O BANQUETE DOS ESPÍRITOS». www.cinemapernambucano.com.br. Consultado em 18 de março de 2023