Branca estais colorada
"Branca estais colorada" ou "Branca estais e colorada" [1] (na grafia original: Blanca estais colorada) é uma cantiga anónima[1], particularmente célebre, com que termina o Auto da Feira (1527) de Gil Vicente.[2]
Apesar de alguns autores a atribuírem ao próprio dramaturgo e da sua única fonte conhecida ser o Auto da Feira (escrito para o Natal de 1527 e publicado na Compilação de 1562), não existem garantias que seja de facto uma obra original vicentina, uma vez que este se apropriava frequentemente de músicas conhecidas na corte.[3]
O poema, considerado como uma das cem melhores poesias líricas da língua portuguesa por Carolina Michaëlis[1], versa sobre o tema da natividade de Jesus.[4] A melodia original foi perdida, tendo a parte poética sido usada como base para algumas composições de autores contemporâneos.
Poema
[editar | editar código-fonte]Grafia original (1562) |
Grafia atualizada (por Carolina Michaëlis) |
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Blanca eſtais colorada[Nota 1] |
Branca estais e colorada, |
Em Belem vila do amor |
Em Belém, vila do amor, |
Em Belem vila do amor |
Em Belém, vila do amar[Nota 2] |
Da roſa naceo a flor |
Da rosa nasceu a flor: |
Naceo a roſa do roſal |
Nasceu a rosa do rosal: |
Paralelos
[editar | editar código-fonte]Branca estais colorada tem sido apontado como uma prova da continuidade entre a lírica galaico-portuguesa (século XII ao século XIV) e a poesia dos cancioneiros renascentistas (século XVI).[6] De facto, a sua estrutura formal segue uma interessante estrutura de construções paralelísticas, tal como muitas das cantigas de amigo ou algumas das Cantigas de Santa Maria[2], nomeadamente a cantiga n.º 160, em louvor da Virgem:
“ | Quen bõa dona querrá loar, lo' a que par non á, Santa Maria. E par nunca ll' achará, pois que Madre de Deus foi ja, Santa Maria. Pois Madre de Deus foi ja, e Virgen foi e seerá Santa Maria. |
” |
Também de origem medieval é o simbolismo utilizado da "rosa do rosal", que descende da iconografia católica da árvore de Jessé. Contudo, neste caso, as analogias não se esgotam nas Cantigas de Santa Maria (veja-se, por exemplo, a cantiga n.º 10[7] que começa: "Rosa das Rosas, e Fror das Frores / Dona das Donas, Sennor das Sennores") mas são também encontradas, ainda hoje, na cultura popular portuguesa, através da seguinte quadra inserida em várias cantigas de Natal:
“ | Do tronco nasceu a rama, Da rama nasceu a flor, E da flor nasceu a Virgem, Da Virgem, o Salvador.[8] |
” |
Música
[editar | editar código-fonte]Segundo as indicações dadas pelo próprio Gil Vicente: "ordenadas em folia, cantarão a cantiga seguinte, com que se despedirão"[5], o poema destinava-se desde a sua origem a ser cantado. Contudo, como aconteceu com a generalidade das cantigas, vilancetes e romances dos autos, chegou à atualidade sem a música original. Assim, vários compositores portugueses escreveram música para este poema:
- Frederico de Freitas[9] (1902 — 1980)
- Jorge Croner de Vasconcellos[10] (1910 — 1974)
- Manuel Simões[11] (1924 — 1995)
- Maria de Fátima Fonte Ferreira[12] (1983 — )
- Tomás Vaz de Borba (1867 — 1950)
- Vasco M. N. Pereira[13] (1956 — )
Ver também
[editar | editar código-fonte]Notas e referências
Notas
- ↑ O incipit parece estar escrito propositadamente em castelhano: "Blanca estáis colorada".
- ↑ Segundo as correções de Carolina Michaëlis. Seguindo o original: "Em Belém, vila do amor".
- ↑ Segundo as correções de Carolina Michaëlis, que substituiu "pera" por "Jesus". Seguindo o original: "Para nosso Salvador!".
Referências
- ↑ a b c d Michaëlis, Carolina (1910). As cem melhores poesias (líricas) da língua portuguesa. Lisboa: Ferreira limitada. 6 páginas. Consultado em 21 de janeiro de 2015
- ↑ a b Suárez, José (1993). The Carnival Stage. Vicentine Comedy Within the Serio-comic Mode (em inglês). Rutherford: Fairleigh Dickinson Univ Pr. pp. 143 e 144. ISBN 0-8386-3491-5. Consultado em 21 de janeiro de 2015
- ↑ Bell, Aubrey (1914). Lyrics of Gil Vicente. with the Portuguese text (em inglês). Oxford: B. H. Blackwell. p. v. Consultado em 21 de janeiro de 2015
- ↑ Braga, Teófilo (1867). Cancioneiro e romanceiro geral português. Volume 1. Porto: Tipografia Lusitana. 47 páginas. Consultado em 21 de janeiro de 2015
- ↑ a b Gil Vicente; Centro de Estudos de Teatro. «Auto da Feira». Teatro de Autores Portugueses do Séc. XVI - Base de dados textual [on-line]. Consultado em 21 de janeiro de 2015
- ↑ Calderón Calderón, Manuel (2000). El laudario de André Dias (pdf). Entre las Cantigas gallego-portuguesas y los Villancicos de los siglos XV y XVI (em espanhol) 1 ed. Alcalá de Henares: Revista de literatura medieval. pp. 110 e 111. Consultado em 22 de janeiro de 2015
- ↑ Pociña López, Andrés José (2000). A rosa como motivo simbólico na lírica de tipo tradicional de Gil Vicente (pdf). Granada: Universidad de Granada. pp. 315–317
- ↑ Michel Giacometti; Fernando Lopes Graça (1981). Cancioneiro Popular Português (jpg) 1 ed. Lisboa: Círculo de Leitores. p. 45
- ↑ «Blanca Estais». Centro de Investigação & Informação da Música Portuguesa. Consultado em 22 de janeiro de 2015
- ↑ «Em Belém, Vila do Amor». Centro de Investigação & Informação da Música Portuguesa. Consultado em 23 de janeiro de 2015
- ↑ Secretariado Nacional de Liturgia. «Branca estais colorada». Consultado em 21 de janeiro de 2015
- ↑ «Alfredo Teixeira vence Prémio de Composição Fernando Lopes-Graça com "O Menino Jesus numa estória aos quadradinhos"». Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura. 22 de setembro de 2013. Consultado em 22 de janeiro de 2015
- ↑ «Branca estais e colorada». Coro misto a 4 vozes. Consultado em 23 de janeiro de 2015