Maquera

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Espadas antigas, fig. 1-3: xifo, fig. 4: maquera.
Réplicas de espadas micénicas, a última das quais é uma maquera.

A maquera[1][2] ou maquério[3][2] (do grego latinizado, proveniente, por sua vez de μάχαιρα mákhaira, plural mákhairai em grego antigo)[4], no contexto da Antiguidade Clássica, trata-se de um determinado tipo de arma de corte, geralmente um facão ou uma espada curta, ambos de um só gume.

Nos textos gregos antigos,"μάχαιρα" é um termo muito polissémico e pode referir-se a um vasto leque de objectos cortantes, desde facas pequenas, como bisturis, até espadas curtas. Sendo certo que, nos contextos marciais, o termo "μάχαιρα" é amiúde aplicado para designar espadas de um gume só, com lâmina de folha recta ou recurva. [5][6]

Os historiadores modernos reconhecem uma certa dificuldade ao diferenciar a maquera da cópis, visto que, para os autores clássicos, dependendo da época e do contexto, há ansa para uma certa sinonímia entre os dois termos.[5]

Com efeito, mesmo os autores mais rigorosos, dentre os quais se sobressai Xenofonte, destacado militar, há instâncias em que parecem tratar-se do mesmo objecto, (por exemplo, no tratado "Da Equitação" de Xenofonte, a maquera e a cópis indistinguem-se, por contraste com o xifo), ao passo que noutros textos, dos quais também se contam alguns de Xenofonte (por exemplo a Ciropédia), parecem tratar-se de armas diferentes. [7][8]

As distinções entre as duas armas, a que nos podemos apegar mais concretamente, prendem-se com a curvatura das lâminas, sendo que a maquera tanto pode ter lâmina curva ou recta, ao passo que a cópis teria sempre necessariamente uma lâmina côncava. A maquera era tendencialmente usada como arma de corte (atenta a descrição dada por Xenofonte no tratado " Da equitação") ao passo que a cópis é tendencialmente usada como arma perfurante, sendo certo que há alguns exemplares de maqueras e de cópis que são armas corto-perfurantes.[9]

Só a partir do século IV a.C e em algumas circunstâncias é que significou espada de guerra.[10]

Quando se trata duma espada, não aparece quase nunca associada concretamente a um tipo específico, nem a um povo em particular.[5] Mesmo Xenofonte, na passagem, em que identifica a maquera como uma espada de um só gume, mormente usada pela cavalaria, não a circunscreve especificamente aos gregos, persas ou a outros povos.[7]

Em todo o caso, é mais consensual que o termo maquera se reporte especialmente a espadas destinadas a desferir talhadas, do que a armas pontiagudas feitas para desferir estocadas. Este será, ulteriormente, o sentido colhido por Isidoro de Sevilha.[8][5]

A maquera, enquanto espada cortante, pode ser de folha recta, ou não, mas, em todo o caso, não seria côncava, como a cópis. [8][11]

Etimologia[editar | editar código-fonte]

O termo μάχαιρα será fruto dos étimos gregos antigos μάχη (mákhe) que significa "batalha" e μάχεσθαι (mákhesthai)[12] que significa "batalhar; guerrear". Nesta linha de análise, vale lembrar o prefixo do grego antigo μαχία (-máquia) que também significa "luta, batalha, defronto" e que ainda hoje tem reflexo no português moderno nalgumas palavras como tauromaquia (touradas) ou gigantomaquia (a guerra dos gigantes contra os deuses).[7]

Em grego moderno μαχαίρι significa "faca".[12]

História[editar | editar código-fonte]

Período Homérico[editar | editar código-fonte]

Dioniso a debelar o gigante Eurito durante a Gigantomaquia. O gigante empunha uma maquera

O termo maquera aparece várias vezes na Ilíada de Homero, mas não avulta como arma de combate, em vez disso trata-se de uma faca, seja como faca de cutelaria doméstica comum, seja como uma espécie de navalha multiusos, posta junto à bainha das espadas (Ilíada, cap.III) e que poderia servir, por exemplo, para extrair a ponta de uma flecha de uma ferida (Ilíada cap. XI). [7][10][9]

Noutras ocasiões, a maquera é retratada como um mero artefacto ornamental, sem motivos para que pudesse ser tida como uma arma de guerra (Ilíada, cap. XVIII). [13][5]

Período Arcaico e Clássico[editar | editar código-fonte]

No entanto, em meados do século V a.C., Heródoto de Halicarnasso fazia menção da maquera, para se referir a um cutelo de carniceiro ou de cozinha e não a uma arma de guerra. Com efeito, encontram-se imagens desse tipo de cutelo em várias representações vasculares da época (ou seja, as representações a negro e a vermelho em vasos, ânforas e outras peças cerâmicas quejandas).[14] Aliás, o próprio Heródoto utiliza o termo maquera para designar o facão empunhado no lúgubre episódio do suicídio de Cleómenes I, em que funciona quase à guisa de uma arma sacrifical. [7][5]

Esta holonímia da palavra maquera ancorada ao âmbito doméstico é muito habitual noutros autores gregos, por exemplo Eurípides usa a palavra "maquera " para designar o facão do Cíclope (na sua peça satírica «O Ciclope»).[11][15]

Durante o período clássico a palavra maquera, passou, portanto, também, a designar a faca sacrificial, de um gume e provavelmente já de lâmina recurva.[5][11]

Um jovem brandindo uma maquera. Rosto de uma ânfora de figuras vermelhas da Ática, circa. 470 a.C.

Aristóteles, por torno de 200 a.C, chega a esmiuçar, certa vez, acerca de uma macaira délfica, que servia tanto matar as vítimas do sacrifício, como para esquartejar os cadáveres.[7] Eurípides também chega a usar a palavra "macaira" para designar uma faca sacrificial, na sua peça trágica As Suplicantes (cerca de 423 a.C.[16]), nomeadamente na passagem:

"A faca afiada com que hás-de abrir as vítimas e fazer o seu sangue esparrinhar-se"
— Eurípedes, As Suplicantes

Neste período, também se usou o termo maquera para descrever instrumentos médicos, à guisa de bisturis. Num texto atribuído a Hipócrates, que terá vivido na segunda metade do século V a.C., encontra-se esse tipo de redacção. Sendo certo que há a possibilidade destes textos poderem ser apócrifos e posteriores.[7][14]

Só mais tarde, no século IV a. C, quando já existiam os sabres há mais de um século, é que o substantivo maquera começa a ser usado para designar armas de guerra. Mas, mesmo assim, nem sempre se usou para designar os sabres recurvos de um só gume, à feição da falcata ibérica ou de outras armas quejandas, que já eram representadas nos vasos gregos,

em figuras vermelhas.[9] 

Ao longo da primeira metade do século IV a.C o substantivo "macaira" foi muito usada por Xenofonte, com um sentido específico, que pouco se presta a ambiguidades. No seu tratado "Da Equitação", Xenofonte[11] recomenda a macaira, que neste âmbito se reporta a um sabre de médias dimensões e de um só gume, face à espada curta e de lâmina recta (o xifo). Isto porque, dado que montado a cavalo o guerreiro fica de uma posição mais alta, torna-se mais fácil desferir golpes cortantes, de talhada, com a macaira, do que golpes perfurantes de estocada com o xifo.[7]

Mas, para ferir os inimigos, a meu ver, é muito melhor a macaira do que o xifo, porque desferindo um altabaixo, mais profunda será o golpe dado pela macaira, arma que fere de talho, que do xifo.
— ὡς δὲ τοὺς ἐναντίους βλάπτειν, μάχαιραν μὲν μᾶλλον ἢ ξίφος ἐπαινοῦμεν: ἐφ' ὑψηλοῦ γὰρ ὄντι τῷ ἱππεῖ κοπίδος μᾶλλον ἡ πληγὴ ἢ ξίφους ἀρκέσει.

- Xenofonte, in Da Equitação - cap. XII, pág. 11-12

Embora este trecho seja útil para distinguir a maquera/cópis do xifo, porque Xenofonte, enquanto militar, tem textos considerados de elevado rigor técnico no que respeita a implementos bélicos, há mesmo assim algumas dúvidas entre os historiadores. Isto porque esta distinção entre essas armas, apesar de útil, não nos fornece directamente uma distinção entre a maquera e a cópis, apenas nos permite saber que nenhuma das duas se confundia com o xifo.[8]

Por outro lado, há vários contextos literários, nesta época, em que se vêem as palavras cópis e maquera ora usadas como sinónimos, ora usadas em contraposição uma com a outra, para denotar que são conceitos contrastantes, pelo que será de presumir que há mais nuances nas definições das duas espadas, do que aquilo que possa parecer à primeira vista.[10][11]

Por exemplo, na Ciropédia, outra obra de Xenofonte, o autor às vezes usa as duas palavras justapostas, maquera-cópis, como para dizer a espada-punhal, por exemplo como quando se referiu aos Trácios[14]. Outras vezes usa só a palavra cópis, como por exemplo quando se referiu às tropas egípcias.[14]

Noutras instâncias, Xenofonte refere-se à maquera descrevendo uma arma como um sabre, que se brande, desferindo golpes de talhada e altabaixos, o que não seria possível de se fazer com uma arma de estocada, como se julga que poderá ter sido a cópis.[7]

Por este motivo, não se tem uma certeza rigorosa das distinções das duas expressões, se se referirão a conceitos completamente diferentes ou se seriam armas diferentes, mas com características parecidas ou se seriam sinónimas uma da outra e Xenofonte as terá usado indistintamente, por uma questão estilística.[10]

Para os Romanos[editar | editar código-fonte]

No século VI a.C o autor romano, Políbio, já usava a palavra maquera indistintamente como um termo genérico para espada. Por exemplo, na sua descrição do sistema militar romano, refere-se várias vezes à maquera como arma própria dos vélites e como arma dos hastados e, neste âmbito, subentende-se que a palavra maquera já não colima concretamente uma espada curva ou recta, de um gume ou bigume, e se resume a uma noção genérica de "espada".[7] Outro exemplo é o texto atribuído a Políbio, em que aquele relata a adopção romana das espadas ao estilo celtibero, mesmo já antes da Segunda Guerra Púnica, consagrando o gládio hispano como "gladius hispaniensis" em latim e "iberiké machaira" (a maquera ibérica) em grego. Sendo bastante claro, olhando para o gládio hispano, com a sua lâmina foliforme, que aquele em nada se confunde com a folha recta ou ligeiramente curvada da maquera, na acepção grega da palavra.[17]

A utilização do vocábulo maquera assestado a espadas de lâmina recta, reitera-se com Dionísio de Halicarnasso, o qual se serve dele para se referir às espadas celtas, muito certamente as da cultura de La Tène, que eram de gume recto e sem ponta afiada[18]. É plausível que, neste contexto, Dionísio quisesse contrastar as espadas celtas, do tipo cortante, face às espadas romanas, do tipo perfurante.[10][18]

A partir do século III a.c., a palavra grega machaira latinizou-se e entrou no vernáculo romano, sob a forma de machaera[19] ou machærĭum, sendo certo que continuou a abarcar uma infinidade de significados possíveis, que alternavam conforme o contexto e o autor, dos quais se destacam, já na época imperial, a de facão pesado, de um só gume, usado por magareferes ou mesmo por verdugos (conforme consta nos textos de Suetónio)[7]. O dimaquero foi um tipo de gladiador romano que lutava com duas espadas, o seu nome resulta da latinização dos étimos gregos "di" (dois) e "machaira" (maquera; espada curta).[5][20]

Por seu turno, Platão, no advento do século II a.C., usou amiúde esta palavra nas suas obras, sem que aquela conotasse qualquer alusão particular a alguma nacionalidade ou tipo especial de implemento cortante.[14][5]

Noutras ocasiões, a palavra aparece mais tachada às armas de salteadores e ladrões, do que às de soldados e tropas de guerra.[18]

Referências

  1. «Dicionário Online - Dicionário Caldas Aulete - Significado de maquera». aulete.com.br. Consultado em 14 de novembro de 2021 
  2. a b Machado, José Pedro (1981). O Grande Dicionário da Língua Portuguesa vol. VII. Porto: Amigos do Livro - editores. p. 30. 638 páginas. ISBN 9722344595 
  3. «Dicionário Online - Dicionário Caldas Aulete - Significado de maquério». aulete.com.br. Consultado em 14 de novembro de 2021 
  4. Liddel, Henry George (1843). A Greek-English Lexicon. Oxford: Oxford University Press 
  5. a b c d e f g h i Fulgosio, M. (1872). Armas antiguas ofensivas de Bronce y Hierro; su estudio y comparación con las que se conservan en el Museo Arqueológico Nacional. Madrid: Museu Español de Antiguedades. pp. 353–372 
  6. «Wayback Machine» (PDF). web.archive.org. 19 de fevereiro de 2009. Consultado em 31 de outubro de 2020 
  7. a b c d e f g h i j k Quesada Sanz, Francisco (1994). Homenaje a Francisco Torrent - Máchaira, kopís, falcata. Madrid: Ediciones Clásicas. p. 75-94 
  8. a b c d Tarassuk & Blair, s.v. "kopis," The Complete Encyclopedia of Arms and Weapons, 1979.
  9. a b c Tarassuk, Leonard (1979). The Complete Encyclopedia of Arms and Weapons. New York, New York, United States: Simon & Schuster. 544 páginas 
  10. a b c d e Anderson, J.K. (1991). HOPLITE WEAPONS AND OFFENSIVE ARMS. London: Routledge. p. 15-37 
  11. a b c d e Snodgrass, Anthony (1967). Arms and armor of the Greeks. [S.l.]: The Johns Hopkins University Press. 200 páginas 
  12. a b Liddel, Henry George (1843). A Greek-English Lexicon. Oxford: Oxford University Press 
  13. Gordon, p. 24
  14. a b c d e Daremberg, Charles Victor (1873). Dictionnaire des Antiquités Grecques et Romaines. Paris: Charles Victor Daremberg, Edmond Saglio. 1703 páginas 
  15. «Euripides, Cyclops, line 1». www.perseus.tufts.edu. Consultado em 31 de outubro de 2020 
  16. Euripides. The Complete Greek Drama, edited by Whitney J. Oates and Eugene O'Neill, Jr. in two volumes. 1. The Suppliants, translated by E. P. Coleridge. New York. Random House. 1938, line 484.
  17. Quesada Sanz, F. «Gladius hispaniensis: an archaeological view from Iberia» (PDF). Consultado em 10 de Agosto de 2018 
  18. a b c Brunaux, Jean-Louis (1987). Guerre et armement chez les Gaulois: 450-52. [S.l.]: Errance. 219 páginas 
  19. «ONLINE LATIN DICTIONARY - Latin - English». www.online-latin-dictionary.com. Consultado em 15 de novembro de 2021 
  20. USP 1939, p. 190.