O que a Tartaruga falou para Aquiles

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"O que a tartaruga falou para Aquiles", escrito por Lewis Carroll em 1895 para o jornal filosófico Mind, é um curto dialogo que problematiza os fundamentos da lógica. O título é uma alusão a um dos paradoxos do movimento de Zenão de Eléia que diz que Aquiles poderia nunca ultrapassar a tartaruga em uma corrida. Na conversação de Carroll, a tartaruga desafia Aquiles a usar a força da lógica para o fazer aceitar a conclusão de um simples argumento dedutivo. Por fim, Aquiles fracassa, pois a esperta tartaruga o leva a uma regressão infinita.

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A discussão começa considerando o seguinte argumento lógico:

  • A: “Coisas que são iguais à mesma coisa são iguais entre si” (relação euclidiana, a forma mais fraca da propriedade transitiva)
  • B: “Os dois lados desse triângulo são coisas que são iguais à mesma coisa”
  • Logo Z: “Os dois lados desse triângulo são iguais entre si”


A Tartaruga pergunta a Aquiles se a conclusão segue logicamente das premissas, e Aquiles diz que ela obviamente segue. A tartaruga então pergunta a Aquiles se pode haver um leitor de Euclides que garante que o argumento é logicamente válido, como uma sequencia, enquanto negando que A e B são premissas verdadeiras. Aquiles aceita que pode existir algum leitor que confirme isso e que ele afirmaria que se as premissas A e B forem verdadeiras, então Z deve ser também verdadeira enquanto não ainda aceitando que A e B são verdadeiras. (Um leitor que nega as premissas.)

A Tartaruga então pergunta para Aquiles se um segundo tipo de leitor pode existir, que aceita que A e B são verdadeiras mas que ainda não aceita o princípio de que se A e B forem verdadeiras então Z deve também ser verdadeira, possa existir. Aquiles garante à Tartaruga que esse tipo de leitor pode também existir. A Tartaruga pede a Aquiles para tratar a tartaruga como esse segundo tipo de leitor. Aquiles agora deve, usando a lógica, convencer a Tartaruga a aceitar que Z deve ser uma premissa verdadeira. (A Tartaruga é um leitor que rejeita o argumento em si; a conclusão, a estrutura ou a validade do silogismo.)

Depois de anotar A, B e Z em uma folha, Aquiles pede para a Tartaruga aceitar a hipótese:

  • C: "se A e B forem verdadeiras, Z deve ser verdadeira"

A Tartaruga concorda em aceitar C caso Aquiles anote na folha essa premissa, criando um novo argumento:

  • A: "Coisas que são iguais à mesma coisa são iguais entre si" (relação euclidiana, a forma mais fraca da propriedade transitiva)
  • B: "Os dois lados desse triângulo são coisas que são iguais à mesma coisa”
  • C: "se A e B forem verdadeiras, Z deve ser verdadeira"
  • Logo Z: “Os dois lados desse triângulo são iguais entre si"

Mas agora que a Tartaruga aceitou a premissa C, ainda continua sem aceitar o argumento expandido. Quando Aquiles declara que “Se você aceitar A, B e C, você tem que aceitar Z,” a tartaruga observa que isso é outra proposição hipotética e sugere que mesmo que aceite C, as hipótese ainda poderiam falhar em concluir Z se não visse a verdade em:

  • D: “Se A, B e C forem verdadeiros, Z deve ser verdadeira também”

A Tartaruga continua aceitando cada premissa hipotética que Aquiles está anotando, mas nega que a conclusão segue das premissas já que cada vez que nega a hipótese que se todas as premissas escritas até o momento são verdadeiras, Z também é verdadeira:

“E, finalmente, nós temos que acabar com essa “corrida”! Agora que você aceita A, B, C e D, obviamente você aceita Z.”
“Aceito?” Falou a tartaruga inocentemente. “Vamos deixar isso bem claro. Eu aceito A, B, C e D. Suponha que eu ainda negue Z.”
“Então a lógica teria que a forçar a aceitar” Aquiles falou com orgulho. “Lógica iria lhe dizer, ‘Você não pode recusar, agora que você confirma A, B, C e D, é obrigada a aceitar Z!’ Então você não tem escolha, entende?”
“Qualquer lógica é boa o suficiente para me dizer que vale a pena anotar,” falou a tartaruga. “Então anote tudo no seu caderno, por favor.
(E) Se A, B, C e D forem verdade, Z tem que ser verdade.
Enquanto eu aceitar isso, claro que não preciso aceitar Z. É um passo necessário, entende?”
“Entendi,” falou Aquiles; e tinha um toque de tristeza no tom de voz dele.

Sendo assim, a lista de premissas continua a aumentar sem fim, deixando o argumento sempre na forma seguinte:

  • (1): “Coisas que são iguais a mesma coisa são iguais entre si”
  • (2): “Os dois lados desse triângulo são coisas iguais a mesma”
  • (3): “(1) e (2) (Z)
  • (4): (1), (2) e (3) (Z)
  • ...
  • (n): (1), (2), (3), (4), ... e (n-1) (Z)
  • Logo (Z): “Os dois lados desse triângulo são iguais entre si

Nesse passo, a tartaruga argumenta que mesmo que aceite todas as premissas que já foram escritas, sempre vão haver novas premissas a serem escritas no caderno (Isso se todas da (1) até (n) forem verdadeiras, então (Z) tem que ser verdade) isso ainda precisa ser aceito antes de confirmar que (Z) é verdadeiro.

Explicação 1[editar | editar código-fonte]

Lewis Carroll estava mostrando que nesse caso existe um problema que vem das deduções no estilo modus ponens.

O problema descrito acontece por que um principio necessário para explicar logicamente, o modus ponens, é explicado por um outro princípio que é usado para explicar o princípio anterior. Logo, se a corrente continuar o argumento cai em um loop infinito. No entanto, se o sistema formal é introduzido onde modus ponens é simplesmente uma regra de inferência definida pelo sistema. Por exemplo, xadrez tem algumas regras que os jogadores precisam respeitá-las sem perguntar o motivo para que o jogo aconteça normalmente. Desse mesmo jeito, um sistema formal de lógica é definido por regras que precisam ser seguidas por definição, sem questionamento. Tendo um sistema formal de lógica bem definido, o loop infinito nunca acontecerá.

Entretanto, a história também aponta para problemas com essa solução por que, dentro do sistema, nenhuma proposição ou variável leva qualquer conteúdo semântico. A partir do momento que qualquer proposição ou variável receber um valor semântico, o problema volta novamente por que esse valor é executado fora do sistema lógico. Logo, se a solução e dita para funcionar, então é para funcionar dentro desse sistema formal, sem exceções.

Alguns especialistas em Lógica (Kenneth Ross, Charles Wright) fazem uma firme distinção entre o conectivo condicional () e a relação de implicação (). Eles usam a frase não p ou q para o conectivo condicional e o termo implica para a relação de implicação. Algumas pessoas explicam a diferença dizendo que a condicional é uma relação contemplada enquanto a implicação é uma relação de afirmação. Na maioria dos campos da matemática, esse caso é tratado como uma variação no uso do símbolo “”, sem precisar dos dois símbolos. Nem todos que usam “” como conectivo de condicional que denota qualquer tipo de objeto, mas sim tratá-lo como um sinal sincategoremático, ou seja, um sinal de função puramente sintática. Prezando a clareza e simplicidade, é conveniente usar “” mas continuar usando “” para funções booleanas, que é associada com a tabela verdade.

Essas considerações resultam no esquema seguinte.

O paradoxo para de existir a partir do momento que lógica informal é substituída por proposicional. A tartaruga e Aquiles não chegaram a um acordo em qualquer definição de implicação lógica. Na lógica proposicional a implicação lógica é definida como: P Q se e somente se a proposição P Q é tautologia.

Com modus ponens, [P ∧ (P → Q)] ⇒ Q, é uma implicação lógica válida de acordo com a definição descrita acima. Não tem nenhuma necessidade de recursão já que a implicação lógica pode ser traduzida para símbolos e operadores proposicionais como . Demonstrando a implicação lógica que simplesmente traduz para a verificação de que a tabela verdade produz uma tautologia.

Explicação2[editar | editar código-fonte]

Tanto os axiomas quanto as regras de inferência fazem parte da definição dos sistemas formais. Assim, é presumida a aceitação dos axiomas como verdades que não precisam ser provadas bem como das regras de inferência que são permitidas para produzir derivações consideradas válidas.

No texto a Tartaruga, continuamente, questiona a própria regra de inferência utilizada que deveria ter sido aceita previamente às derivações. Nenhuma outra regra de inferência R é apresentada tal que se pudesse, utilizando R, mostrar que a regra modus ponens acarreta resultados completos e corretos.

Um dos méritos do texto é exatamente o de ilustrar a necessidade da aceitação prévia das regras de inferência.

No cerne da criação e do desenvolvimento da lógica está a discussão de quais regras de inferência são válidas e quais não são. Sem esta definição previa, boa parte das discussões pode nunca chegar a termo, posto que as regras de inferência poderiam ser questionadas quando acarretassem conclusões indesejáveis para alguma das partes envolvidas na discussão.

Discussão[editar | editar código-fonte]

Muitos filósofos tentaram resolver o paradoxo de Carroll. Bertrand Russell discutiu rapidamente o paradoxo em § 38 of The Principles of Mathematics (1903), fazendo diferença entre implicação (relacionado com a forma “se p, então q”), que ele dizia ser uma relação entre proposições não formalizadas e inferências (associadas com a forma “p, então q”), que ele dizia ser uma relação entre proposições formalizadas, com essa distinção feita, Russell podia negar que a tentativa da tartaruga de mostrar a inferência que desejava.

O filósofo Wittgesteiniano Peter Winch discutiu o paradoxo na A ideia de uma Ciência Social e sua relação com Filosofia (1958), onde ele argumentou que o paradoxo mostrava que “o processo atual de inferência, que depois de tudo no coração da lógica, é algo que não pode ser representado por uma formula lógica... Aprendendo a inferir não é apenas algo que se ensina sobre relações lógicas entre proposições; é aprendendo a fazer alguma coisa” (p. 57).

De acordo com Penelope Maddy,[1] o dialogo de Carroll é aparentemente a primeira descrição de um obstaculo ao convencionalismo na verdade lógica. E foi refeito com maior fidelidade lógica por W. O. Quine.[2]

Referências

  1. Maddy, P. (dezembro de 2012). «The philosophy of logic». Bulletin of Symbolic Logic. 18 (4): 481-504. JSTOR 23316289. doi:10.2178/bsl.1804010 
  2. Quine, W.V.O. (1976). The ways of paradox, and other essays. Cambridge, MA: Havard University Press. ISBN 9780674948358. OCLC 185411480