Violência doméstica em Portugal

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Violência doméstica em Portugal é segundo autoridades portuguesas todas as situações de conduta ou omissão que infrinjam sofrimento de natureza física, sexual, psicológica ou econômica de forma direta ou indireta a pessoas que coabitem o mesmo agregado doméstico, ou não coabitando, que sejam parceiros íntimos ou ex parceiros ou que possuam parentesco civil (como casamento e adoção) ou natural (como filhos, netos e avós biológicos).[1]

Em Portugal a violência doméstica é considerada um problema social desde a década de 80, com os maus tratos a crianças sendo primeiramente denunciado por comunidades pediátricas e a violência contra a mulher por Organizações Não Governamentais. A primeira legislação especialmente voltada para o tratamento do problema da violência doméstica surgiu na década de 90.[2] Inicialmente a atenção pública e investigativa dada a violência doméstica sofrida por homens e a violência doméstica sofrida por idosos foi negligenciada, passando a receber atenção somente nos últimos anos.[3][4]

Violência entre parceiros íntimos (VPI)[editar | editar código-fonte]

A violência entre parceiros íntimos (VPI) é a violência doméstica que acomete homens e mulheres em relações heterossexuais ou homossexuais de intimidade.[5] A investigação atual é limitada por diversos fatores, como o fato de pesquisadores enfrentarem relutância dos entrevistados em relatarem situações de abuso[3] ou o fato do sexo do entrevistador ou a quantidade de pessoas presentes influenciar nas respostas do entrevistado.[6] A nível mundial, duas linhas de pesquisa dominam a academia e ambas são criticadas por diversos motivos. Aquelas desenvolvidas por sociólogos da família, que recorrem a pesquisas com metodologia quantitativa como a Escala de Táticas de Conflito, são criticados por ignorarem a motivação, o contexto e as consequências resultantes da violência. Este tipo de estudo costuma produzir resultados simétricos de violência, onde homens e mulheres são igualmente perpetradores e vítimas da violência na intimidade. Pesquisas levadas a cabo por estudiosos feministas que recorrem a metodologia qualitativa, com entrevistas em profundidade, são criticados por possuírem em geral amostras compostas em sua maioria por mulheres previamente identificadas como vítimas, o que pode inflar os números. Este tipo de estudo costuma produzir resultados assimétricos de violência, onde as mulheres são significativamente mais vitimadas e homens significativamente mais perpetradores de violência na intimidade.[3] Entre os vários estudos há disparidades de amostragem e operacionalização.[6] Em Portugal a pesquisa focada na experiência da mulher a partir de uma perspectiva feminista domina a academia, esta perspectiva considera a violência doméstica entre parceiros íntimos um problema de gênero, que acomete principalmente as mulheres. Por este motivo, a violência praticada por mulheres ou sofrida por homens ainda recebeu pouca atenção social e investigativa.[3]

A APAV (Associação Portuguesa de Apoio a Vítima) afirmou que, em 2016, 59% dos casos de violência doméstica que chegaram a seu conhecimento eram de violência entre parceiros ou ex-parceiros íntimos.[7] Em 2016, foram registradas 23896 denuncias de violência doméstica entre parceiros íntimos ou cônjuges às autoridades policiais portuguesas, destas, 20388 (85,32%) dos suspeitos identificados como perpetradores eram homens e 3508 (14,78%) eram mulheres.[8] No entanto este número pode ser ainda maior, em decorrência da sub-notificação, já que muitos homens e mulheres deixam de denunciar por diversos motivos. Um estudo realizado pela Universidade do Minho concluiu com base em estimativas que apenas 10% dos homens e 23% das mulheres vítimas de violência doméstica relatam à polícia o ocorrido. O número de vítimas que procuram ajuda em organizações de apoio a vítimas também é menor entre os homens, apenas 23% deles contra 43% delas recorrem a algum serviço de apoio a vítimas. Homens deixam de procurar ajuda ou denunciar por se sentirem envergonhados, não se verem como vítimas ou por não acreditarem que o sistema lhes prestaria ajuda.[9] As principais justificativas dadas por mulheres que deixam de prestar queixa é baixa confiança nas autoridades e instituições, atribuírem pouca importância às agressões sofridas, vergonha, esperança na reconciliação e medo.[10]

Violência contra idosos[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Violência contra idosos

A violência contra idosos em âmbito familiar é aquela praticada contra idosos por membros da família. Este tipo de violência tardou a receber atenção em Portugal, e os dados referentes a este tipo de violência ainda são menos abundantes que o de outras formas de violência doméstica. O primeiro estudo sobre a prevalência da violência doméstica praticada contra idosos por exemplo só foi feito em 2014, e encontrou os seguintes resultados: em 49,5% dos casos o agressor é o cônjuge ou companheiro da vítima, seguindo pelos filhos (30%) e as filhas (8,9%). A violência também é perpetrada por outros membros da família, os genros e noras são responsáveis por 3% dos casos e demais familiares 5%, como os netos que representam por 2,3% das agressões e as netas 0,2%. Casos de negligência são dominados por filhos (27,2%) e filhas (21,3%). Apenas cerca de 25,1% das vítimas falam sobre o ocorrido ou prestam queixa as autoridades policiais.[4]

Entre os fatores de risco especulados pelos pesquisadores se destaca a dependência, tanto dos idosos em relação a seus familiares como dos familiares em relação aos idosos. Os idosos são vulneráveis, dependendo de cuidados da família e os familiares muitas vezes dependem da renda financeira do idoso. Outros fatores de riscos considerados são o de que algumas pessoas que maltratam idosos podem terem crescidos em ambiente violento ou estarem passando por momentos estressantes, em decorrência de processos de divórcios, desemprego e etc. Mas a qualidade da relação entre o idoso com seus familiares também deve ser ponderada.[4]

Violência contra crianças e adolescentes[editar | editar código-fonte]

Ver artigo principal: Abuso infantil

Crianças e adolescentes podem ser vítimas indiretas de violência doméstica (como ao testemunhar episódios de violência entre membros da família ou residência) ou direta (sendo eles próprios vítimas de agressões perpetrada por familiares ou demais membros da residência). Na maioria dos casos de violência direta os próprios pais são os principais autores, com a mãe sendo responsável pela maioria dos atos violentos. Em apenas 9% dos casos o autor não é o pai ou a mãe da criança, mas um outro individuo que partilha o mesmo agregado doméstico.[1]

Entre os principais fatores de risco está a crença cultural de que os pais tem o direito de castigarem seus filhos fisicamente como medida educacional e a dependência toxicológica, como o alcoolismo por exemplo, que comprovadamente aumenta as chances de episódios violentos.[1]

Variáveis como composição e forma da família em que a criança reside, posição na estrutura social de sua família ou grupo doméstico, perfil sócio-escolar dos responsáveis pela criança e o gênero da criança influenciam na distribuição regular do tipo de maus tratos a que crianças são submetidas.[1]

Legislação[editar | editar código-fonte]

Artigo 152º[nota 1] do Código Penal Português:[11]

Violência doméstica:

Lei nº 59/2007, de 4 de setembro

Vigésima terceira alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro

Artigo 152°-A[nota 2]

Maus tratos:

Artigo 152º-B[nota 3]

Violação de regras de segurança:

Notas

  1. Texto consolidado
  2. Redacção aditada pela Lei nº 59/2007, de 4 de setembro, com entrada em vigor no dia 15 de setembro de 2007, posteriormente corrigida pela Declaração de Rectificação nº 102/2007, de 31 de Outubro.
  3. Redacção aditada pela Lei nº 59/2007, de 4 de setembro, com entrada em vigor no dia 15 de setembro de 2007.

Referências

  1. a b c d Lourenço, N.; Carvalho, M. J. L. (2001). Violência Doméstica: Conceito e Âmbito. Tipos e Espaços de Violência, Themis. Revista da Faculdade de Direito da UNL, 3, pp. 95-121
  2. Isabel Sá Dias. A violência doméstica em Portugal: Contributos para a sua visibilidade, IV Congresso Português de Sociologia.
  3. a b c d MACHADO, Andreia; MATOS, Marlene (2012). «Homens de quem não se fala: as vítimas esquecidas da violência na intimidade» (PDF). Braga, Portugal: Universidade do Minho. Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Psicologia da Justiça (5): 5-29. Consultado em 4 de dezembro de 2014 
  4. a b c Ana Cristina Pereira (17 de Março de 2016). Violência contra idosos é cada vez mais visível. Público. Consultado em 31 de outubro de 2017.
  5. Cezario, Ana Claudia Ferreira; Fonseca, Diogo Simões; Lopes, Natalice do Carmo; Lourenço, Lélio Moura. Violência entre parceiros íntimos: uma comparação dos índices em relacionamentos hetero e homossexuais. Temas psicol. vol.23 no.3 Ribeirão Preto set. 2015
  6. a b Chan, Ko Ling (2011). «Gender differences in self-reports of intimate partner violence: a review» (PDF). Aggression and Violent Behavior. 16 (2): 167–175. doi:10.1016/j.avb.2011.02.008 
  7. Estatísticas APAV - Relatório anual 2016. APAV. Consultado em 1 de novembro de 2017
  8. Agentes/ suspeitas/os identificadas/os em crimes de violência doméstica contra o cônjuge ou análogo registados pela PSP e GNR (N.º) por Sexo; Anual. Portal do Instituto Nacional de Estatísticas de Portugal. Consultado em 1 de novembro de 2017.
  9. Homens vítimas de violência doméstica ficam em "silêncio" (10 de março de 2017). DN. Consultado em 1 de novembro de 2017.
  10. 62% das mulheres vítimas de violência em Lisboa não denunciam (26 de julho de 2017). RTP. Consultado em 1 de novembro de 2017.
  11. Legislação na área da Violência Doméstica. Assembleia da República. Consultado em 1 de novembro de 2017.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

  • APAV - Apoio à Vítima(Organização portuguesa sem fins lucrativos de apoio à vítimas de violência doméstica)