Comunidade Quilombola Rio dos Macacos

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Quilombo Rio dos Macacos
Apresentação
Tipo
Estatuto patrimonial
quilombo tombado pela Constituição Federal do Brasil de 1988 (d)Visualizar e editar dados no Wikidata
Localização
Localização
Coordenadas
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Rio dos Macacos é uma comunidade remanescente de quilombo, população tradicional brasileira, localizada no município brasileiro de Simões Filho, na Bahia.[1][2] A comunidade surgiu ainda no período do Império do Brasil,[3] em terras de três fazendas (Macacos, Aratu e Meireles),[4] na região do Recôncavo Baiano onde, século XVII, haviam se instalado os engenhos de cana-de-açúcar. O engenho de Coriolano Bahia, proprietário da Fazenda dos Macacos, entrou em declínio no início do século XX e, por conta de dívidas tributárias, o Município de Salvador se apropriou de parte das terras na forma "in soluto". Assim Coriolano não formalizou a promessa que fizera aos trabalhadores que já viviam em suas terras há muitos anos e trabalhavam em sua fazenda: doar definitivamente as glebas de terras como forma de indenização.[5]

A partir da década de 1960, a luta pelo território envolveu inclusive a Marinha do Brasil, que implantou a Base Naval de Aratu no território quilombola, passou a controlar a entrada e saída de pessoas e pediu a desocupação da área.[6] O embate envolveu, inclusive, "ações violentas por parte de militares da Marinha, como invasões a residências e agressões, agressões. Em algumas delas, militares chegaram a ser afastados por causa de ações truculentas contra moradores".[7][8][9][10][11][3][12][13][14][15][11][16][17][18]

A comunidade de Rio dos Macacos é formada por uma população de 67 famílias, distribuídas em uma área de 104,8787 hectares. O território foi certificado como remanescente de quilombo (reminiscências históricas de antigos quilombos) pela Fundação Cultural Palmares, Portaria n° 165/2011.[19][20] Esta comunidade teve o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação publicado em 2014 (etapa da regularização fundiária), tendo recebido a titulação da terra em 25/05/2020, pelo INCRA.[21][22]

Tombamento[editar | editar código-fonte]

O tombamento de quilombos é previsto pela Constituição Brasileira de 1988, bastando a certificação pela Fundação Cultural Palmares:[23]

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira [...]
§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos.

Portanto, a comunidade quilombola de Rio dos Macacos é um patrimônio cultural brasileiro, tendo em vista que recebeu a certificação de ser uma "reminiscência histórica de antigo quilombo" da Fundação Cultural Palmares no ano de 2011.[19][20]

Situação territorial[editar | editar código-fonte]

As casas de barro ficaram sem energia elétrica até o ano de 2017.[7] O título da terra (regularização fundiária) proporciona que a comunidade possa solicitar licenciamento ambiental e a implantação de políticas públicas, principalmente as que trarão infraestrutura urbana (rede elétrica, de água e de esgoto) e, consequentemente, melhoria da qualidade de vida dos moradores. Além disso, espera-se que, após regularização, a comunidade enfrente menos dificuldades para desenvolver a agricultura (como conflitos pela posse da terra em que se localiza). Embora não garanta tranquilidade para as pessoas que ali residem, como mostra o caso de 2021, quando tratores invadiram a propriedade.[24]

Cultura[editar | editar código-fonte]

Povos Tradicionais ou Comunidades Tradicionais são grupos que possuem uma cultura diferenciada da cultura predominante local, que mantêm um modo de vida intimamente ligado ao meio ambiente natural em que vivem.[25] Através de formas próprias: de organização social, do uso do território e dos recursos naturais (com relação de subsistência), sua reprodução sócio-cultural-religiosa utiliza conhecimentos transmitidos oralmente e na prática cotidiana.[26][27] Parteiras e rezadeiras ainda exercem seus ofícios na comunidade.[5]

A comunidade de Rio dos Macacos guarda instrumentos de tortura do período da escravidão e ruínas do engenho ainda podem ser visitadas em seu território. Tudo isso é considerado patrimônio histórico da comunidade, que os preserva e dá sentido a eles.[5]

Em termos econômicos, a comunidade vive da agricultura e da pecuária de subsistência, comercializando o excedente na feira de Periperi. Além disso, produzem e comercializam artesanato: utensílios domésticos (gamelas, pilões, colheres-de-pau), e abanos, chapéus de palha e peneiras de palhas de licuri e cipós.[5]

Maria de Souza Oliveira[editar | editar código-fonte]

Maria de Souza Oliveira foi uma importante liderança quilombola de Rio dos Macacos, símbolo de resistência da comunidade.[4][10][12][18][28][29][30][31]

Dona Maria, como era conhecida, nasceu em 23 de janeiro de 1928,[30] na antiga Fazenda Macaco (uma das três fazendas que deram origem ao quilombo). Na década de 1940, cozinhava e vendia comida para os operários da obra da Base Naval de Aratu. Depois da conclusão das obras, na década de 1970, lavava e fazia faxina para famílias militares da Base Naval.[28] Apesar de ter estabelecido laços de amizade com dois oficiais da Vila Naval (um deles foi padrinho de sua filha), ela percebia que a Marinha queria expulsar a comunidade do local.[4]

Na comunidade, atuava como parteira e rezadeira, além de organizar festas (como os carurus de Cosme e Damião e as noitadas de sambas) e ter atuado como professora leiga para o ensino das primeiras letras para as crianças da comunidade. Sua vida foi retratada no filme documentário "Quilombo Rio dos Macacos".[4][28]

Após um período hospitalizada, Maria faleceu em 17 de março de 2023, tendo sido sepultada no cemitério São Miguel, em Simões Filho. Deixou uma família composta por cinco filhos (Olinda Oliveira - uma das principais lideranças do Quilombo Rio dos Macacos -, Olga, Orlando, Osvaldo e Luiz Gonzaga), e vários netos e bisnetos.[4][28][30]

Ver também[editar | editar código-fonte]

Referências

  1. Levantamento de Comunidades Quilombolas (PDF). Col: Fundação Cultural Palmares. [S.l.]: Ministério do Desenvolvimento Social do Brasil. Consultado em 2 de junho de 2023 
  2. Quilombos certificados (PDF). Col: Fundação Cultural Palmares. [S.l.]: Fundação iPatrimônio. 2020. Consultado em 2 de junho de 2023 
  3. a b «Quilombo Rio dos Macacos luta desde o Brasil imperial para sobreviver». www.correio24horas.com.br. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  4. a b c d e «Quilombola Maria de Souza Oliveira morre aos 95 anos». Muita Informação. 17 de março de 2023. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  5. a b c d «Rio dos Macacos - BA | ATLAS - Observatório Quilombola». kn.org.br. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  6. «BA - Comunidade Quilombola de Rio dos Macacos luta por direitos e titulação definitiva de território tradicional». Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  7. a b «Após mais de 40 anos de disputa territorial na Bahia, quilombolas do Rio dos Macacos recebem titulação de terras». G1. 28 de julho de 2020. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  8. BA, Lílian MarquesDo G1 (28 de maio de 2012). «Quilombolas dizem sofrer ameaças de militares da Marinha na BA». Bahia. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  9. BA, Juliana AlmiranteDo G1 (5 de agosto de 2015). «Família acusa militares de agredir menor em área quilombola na BA». Bahia. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  10. a b ASSOCIAÇÃO DE REMANESCENTES DE QUILOMBO DO RIO DOS MACACOS. DOSSIÊ DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO RIO DOS MACACOS. Salvador, 08 de março de 2012.
  11. a b BA, Do G1 (10 de janeiro de 2014). «Militares suspeitos de agredir irmãos do Rio dos Macacos são afastados». Bahia. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  12. a b VIOLAÇÃO DE DIREITOS DA COMUNIDADE QUILOMBOLA DO RIO DOS MACACOS.
  13. BA, Do G1 (9 de julho de 2012). «Marinha impede acesso do Bando de Teatro Olodum no Rio dos Macacos». Bahia. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  14. Bahia Meio Dia – Salvador | Imagens de câmera de segurança flagram agressão na Base Naval de Simões Filho | Globoplay, consultado em 20 de setembro de 2023 
  15. «Comissão da OEA visita Quilombo Rio dos Macacos, na BA, para avaliar garantia de direitos humanos na comunidade». G1. 7 de novembro de 2018. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  16. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Resolução 44/2020. Medida Cautelar No. 1211-19. Comunidade Remanescentes do Quilombo Rio dos Macacos em relação ao Brasil. 6-8-2020. Acesso em: 20-9-2023.
  17. «Você pesquisou por Rio dos Macacos». OQ. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  18. a b «Rio dos Macacos: Conflito quilombolas .vs Marinha dura décadas - Catado de Cultura». 26 de setembro de 2011. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  19. a b «Rio dos Macacos - BA | ATLAS - Observatório Quilombola». kn.org.br. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  20. a b «Simões Filho – Quilombo Rio dos Macacos | ipatrimônio». Consultado em 20 de setembro de 2023 
  21. INCRA. Acompanhamento dos processos de regularização quilombola. 11.08.2023. Acesso em: 19/09/2023.
  22. KOINONIA (16 de novembro de 2020). «Quilombo do Rio dos Macacos recebe titulação de terras por decisão judicial». OQ. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  23. Câmara dos Deputados. «Constituição da República Federativa do Brasil (1988)». www2.camara.leg.br. Consultado em 18 de junho de 2023 
  24. KOINONIA (9 de novembro de 2021). «Quilombo Rio dos Macacos é invadido por tratores». OQ. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  25. «Por que tradicionais?». Instituto Sociedade População e Natureza. Consultado em 18 de julho de 2018 
  26. «Comunidades ou Populações Tradicionais». Organização Eco Brasil. Consultado em 18 de julho de 2018 
  27. «Povos e Comunidades Tradicionais». Ministério do Meio Ambiente. Consultado em 18 de julho de 2018 
  28. a b c d «Lideranças do Quilombo Rio dos Macacos na Bahia, Maria de Souza Oliveira morre aos 95 anos». G1. 18 de março de 2023. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  29. «Liderança do Quilombo Rio dos Macacos, na Bahia, Dona Maria de Souza Oliveira morre aos 95 anos | Combate Racismo Ambiental». racismoambiental.net.br. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  30. a b c TARDE, A. (18 de março de 2023). «Quilombo perde decana das lutas». A TARDE. Consultado em 20 de setembro de 2023 
  31. «Em litígio com a Marinha, quilombolas na Bahia temem gestão Bolsonaro». Folha de S.Paulo. 18 de janeiro de 2019. Consultado em 20 de setembro de 2023