Comunidade cigana de Sousa

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A comunidade cigana de Sousa consiste de três assentamentos (conhecidos localmente como ranchos) ao longo da rodovia BR 230, no município de Sousa, no estado da Paraíba, no Brasil.[1] Formada por ciganos da etnia caló,[2] a comunidade surgiu da sedentarização de grupos até então nômades ou seminômades em meados do ano de 1982, possibilitada através da atuação conjunta entre o então deputado federal Antônio Mariz e os chefes das comunidades.[3]

Descrição[editar | editar código-fonte]

Considerada a maior do Brasil, a comunidade cigana de Sousa soma aproximadamente 600 pessoas,[4] divididas em ao menos três núcleos populacionais distintos. Dois deles, conhecidos como Rancho de Cima e Rancho de Baixo,[3] situam-se a cerca de três quilômetros do Centro da cidade,[5] enquanto que um terceiro, de constituição mais recente, encontra-se a aproximadamente um quilômetro destes.[5] Cada um dos agrupamentos é encabeçado por um presidente, que é responsável pela resolução de conflitos internos e representação da comunidade junto às autoridades municipais.[5] A sociedade é profundamente patriarcal, sendo os chefes de família responsáveis pela organização da vida pública, enquanto que, às mulheres, é reservada a vida doméstica.[6]

A divisão entre os Ranchos de Cima e de Baixo não é necessariamente espacial. Antes, refere-se à ligação de cada um dos ciganos aos líderes dos respectivos assentamentos.[7] Fisicamente, entretanto, a cisão pode ser analisada em termos estruturais: enquanto o Rancho de Cima possui uma infraestrutura minimamente adequada, o Rancho de Baixo tem-na extremamente deficitária, com esgotos correndo a céu aberto e a prevalência de casas de pau a pique.[3] Este fator, entretanto, não é percebido como preponderante para a distinção pelos integrantes dos grupos. Seja como for, ambas as comunidades mantêm, entre si, forte fluxo populacional, possibilitado por laços maritais.[5]

Apesar de predominantemente endogâmicos, não são incomuns os casamentos com jurons, como são conhecidos internamente os não ciganos. Nestes casos, é esperado que os elementos anteriormente estranhos à comunidade se integrem à cultura e às tradições ciganas, passando a ser reconhecidos como ciganos pelos ciganos natos.[8] Os ex-jurons podem, inclusive, galgar os postos máximos da organização política dos assentamentos, tornando-se presidentes.[9]

No que diz respeito à religiosidade, a maioria dos ciganos de Souza professa o catolicismo, sendo comum a prática dos sacramentos.[10] Ademais, são frequentes as manifestações de piedade popular, como romarias, promessas e devoções típicas do Sertão paraibano, como o culto a Frei Damião e Padre Cícero.[11]

A língua de expressão predominante é o português, estando o caló tradicionalmente reservado às ocasiões em que se queira esconder o conteúdo da conversa a não ciganos.[12] A sedentarização, entretanto, erodiu consideravelmente a proficiência no idioma, na medida em que diminiu o contato com o mundo exterior e, consequentemente, as ocasiões em que se o utilizava. Apesar do conhecimento do idioma ser ainda generalizado entre os mais velhos, entre os mais jovens é menor a proficiência, sendo comum o desconhecimento dos termos calós para palavras de uso cotidiano, como braço, perna e mão.[12] Em qualquer dos casos, entretanto, o caló falado pela comunidade é profundamente influenciado pelo português, tendo chegado a um nível de erosão linguística tal que, para alguns estudiosos, poderia ser considerado um anticrioulo.[13]

Referências

  1. UFRN, 2004, [p. ?]
  2. Goldfarb, 2012, 855
  3. a b c Batista e Cunha, 2013, p. 3
  4. MATTOS, J. Paraíba tem maior comunidade cigana do país Arquivado em 29 de dezembro de 2014, no Wayback Machine.. Acesso em 28 dez. 2014.
  5. a b c d Mota, 2004, p. 175
  6. Goldfarb, 2012, 856
  7. Batista e Cunha, 2013, p. 4
  8. Mota, 2004, p. 176
  9. Mota, 2004, p. 175-176
  10. Portal Correio. Sousa tem o primeiro casamento com tradições ciganas da Paraíba Arquivado em 29 de dezembro de 2014, no Wayback Machine.. Acesso em 28 dez. 2014
  11. Mota, 2004, p. 177
  12. a b Couto, 2002, 104
  13. Couto, 2002, 105

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • BATISTA, M. R. R.; CUNHA, J. R.O Centro Calon de Desenvolvimento Integral: Analisando a intervenção do estado brasileiro no interior de um grupo cigano. In: Anais da IV Reunião Equatorial de Antropologia e XIII Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste. Fortaleza, 04 a 07 de agosto de 2013.
  • COUTO, H. H. do. Anticrioulo: manifestação linguística de resistência cultura. Brasília: Thesaurus, 2002.
  • GOLDFARB, M. P. L. et at. O "cuidar" entre as calin: Concepções de gestação, parto e nascimento entre as ciganas residentes em Sousa-PB. In: RBSE – Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 11, n. 33, dez. 2012.
  • MOTA, A. Villas-Boas da (org.). Ciganos: antologia de ensaios. Brasília: Thesaurus, 2004.
  • UFRN. Vivência. Edições 26-28. Natal: CCHLA, 2004