Duo sunt

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Duo Sunt do incipit em latim ("Há Dois") é uma epístola do Papa Gelásio I promulgada em 494, ao imperador Anastácio I Dicoro (r. 491–518) sobre a relação e as respectivas competências do poder temporal e do poder espiritual, mais especificamente sobre o múnus e a função do Papa e do Imperador Bizantino.

Conteúdo da epístola[editar | editar código-fonte]

Princípio dualista da Igreja e do Estado[editar | editar código-fonte]

O Papa lembra que os imperadores pagãos haviam posto sobre suas cabeças, ao mesmo tempo, a coroa dos Césares e a faixa dos Pontífices e, como conhecedor da fraqueza humana, pretendeu equilibrar numa ordem prudente as diversas autoridades. Com esse objetivo, Gelásio I discriminou as funções e deveres de cada uma dessas forças, atribuindo a cada qual o seu papel próprio e a sua dignidade específica. Desde o advento de Cristo, nenhum imperador podia mais ostentar o título de Pontífice, nem Pontífice algum reivindicar a púrpura real; mas os imperadores deviam dirigir-se aos Pontífices, quando estivesse em jogo a vida eterna, e cumpria aos Pontífices recorrer aos imperadores no tocante a assuntos da vida temporal. Cada qual se instalaria nos limites de seu respectivo domínio e nenhum dos dois pensaria em anular o outro.[2]

Na epístola Gelásio descreve que o mundo seria governado por dois poderes distintos e diferentes, divinamente instituídos, cada um independente em suas próprias esferas, e igualmente necessários para o funcionamento da sociedade. A autoridade sagrada dos Pontífices (auctoritas sacrata pontificum) e o poder dos reis (regalis potestas). Embora na atualidade, auctoritas e potestas sejam sinônimos, no Direito Romano, auctoritas é considerada o poder supremo, superior e indivisível e a potestas era apenas uma fração do poder, considerado inferior.[2] Assim embora Gelásio admita que o poder espiritual é superior ao temporal, que é um consenso universal entre todos os teólogos; isso não implicaria qualquer subordinação ou privilégios ao poder espiritual.

Assim o Papa respeita a autoridade e o poder do Imperador e dos governantes seculares, mas também exige o mesmo. Dessa maneira em assuntos temporais e seculares, o bispo é subordinado ao príncipe, no entanto em assuntos espirituais e religiosos, o príncipe devia subordinar-se ao bispo. As definições do papa Gelásio foram baseadas nas obras de Santo Agostinho, Santo Ambrósio e São João Crisóstomo.[2]

Contexto sociopolítico da Europa[editar | editar código-fonte]

Em 494 o imperador Anastácio I Dicoro enviou a Itália os embaixadores Fausto e Ireneu, para discutir questões públicas com o rei Teodorico, o Grande, então soberano da Itália. Esses funcionários receberam ordens do imperador para não se encontrar com o Papa Gelásio, devido aos conflitos entre eles, como o cisma acaciano e o monofisismo. Gelásio acabou descobrindo as ordens do imperador e demonstrou seu descontentamento com os embaixadores pela sua atitude de indiferença. Quando eles voltaram a Constantinopla, informaram Anastácio dos problemas com o Papa.[3]

Quando retornaram a Itália, disseram a Gelásio que o imperador agiu dessa forma porque o Papa não lhe informou sua eleição. Gelásio considerou os argumentos do imperador um abuso e uma demonstração de cesaropapismo, e se defendeu, escrevendo a epístola, na qual, descreve e distingue as responsabilidades e a atuação da Igreja e do Estado, que ainda não haviam sido oficialmente declaradas pela Igreja.[3]

Referências

  1. «Gelasius I on Spiritual and Temporal Power, 494». Medieval Sourcebook. Consultado em 6 de setembro de 2010 
  2. a b c d Strefling, Sérgio Ricardo. Igreja e Poder: Plenitude do Poder e Soberania Popular em Marsílo de Pádua. Edipucrs. Pág.: 22, 23, 24, 25. 2002. ISBN 85-7430-302-X
  3. a b Souza, José Antonio C. R. O Reino e o Sacerdócio. Pág.: 85. Edipurcs. 1995.