Escravidão em África: diferenças entre revisões
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A escravidão esteve presente no continente africano muito antes do início do comércio de escravos com europeus na costa atlântica. Desde por volta de 700 d.C. , “prisioneiros capturados nas guerras santas que expandiram o Islã da Arábia pelo norte da África e através da região do Golfo Pérsico” eram vendidos e usados como escravos. Durante os três impérios medievais do norte da África (X - XV), o comércio de escravos foi largamente praticado . A escravidão foi a forma que árabes e europeus encontraram para explorar os povos africanos, que não tinham desenvolvido economias fortes nem tampouco armas que pudessem afastar invasores. |
A escravidão esteve presente no continente africano muito antes do início do comércio de escravos com europeus na costa atlântica. Desde por volta de 700 d.C. , “prisioneiros capturados nas guerras santas que expandiram o Islã da Arábia pelo norte da África e através da região do Golfo Pérsico” eram vendidos e usados como escravos. Durante os três impérios medievais do norte da África (X - XV), o comércio é um ronaldo peitinho adriano que esta me ouvindo de escravos foi largamente praticado . A escravidão foi a forma que árabes e europeus encontraram para explorar os povos africanos, que não tinham desenvolvido economias fortes nem tampouco armas que pudessem afastar invasores. |
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Lovejoy apresenta o conceito de [[modo de produção escravista]] (de E. Terray) como fundamental para uma compreensão mais completa do funcionamento político, econômico e social da África - e também das colônias portuguesas nas Américas. Segundo sua definição, o modo de produção baseado na escravidão é aquele em que predominam a mão-de-obra escrava em setores essenciais da economia; a condição de escravo no mais baixo nível da hierarquia social; e a consolidação de uma infra-estrutura política e comercial que garanta a manutenção desse tipo de exploração. |
Lovejoy apresenta o conceito de [[modo de produção escravista]] (de E. Terray) como fundamental para uma compreensão mais completa do funcionamento político, econômico e social da África - e também das colônias portuguesas nas Américas. Segundo sua definição, o modo de produção baseado na escravidão é aquele em que predominam a mão-de-obra escrava em setores essenciais da economia; a condição de escravo no mais baixo nível da hierarquia social; e a consolidação de uma infra-estrutura política e comercial que garanta a manutenção desse tipo de exploração. |
Revisão das 20h52min de 22 de outubro de 2009
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O estudo do processo de escravização dos povos africanos é essencial para que se compreenda a situação atual de desigualdade no planeta. Revela um caso terrível, e longo, de exploração e subjugação de populações fragilizadas por outras, mais equipadas. Demonstra também que a desestruturação econômica e cultural tem efeitos desastrosos de longa duração.
Este trabalho procura exemplificar a riqueza e a complexidade da história da humanidade, na transição do modo de produção escravista para o modo de produção capitalista. Do ponto de vista econômico, a escravidão foi uma forma eficiente de propiciar a acumulação de capital. No que diz respeito às pessoas foi uma violência irreparável, que pressupõe, dentre outros fatores, a existência de povos muito pobres, mão-de-obra excedente que possa ser explorada em benefício de outros, poucos. Assim, parte do atual contexto socio-econômico da África de miséria e exclusão, é conseqüência de fatos passados.
Escravidão na África: uma antiga forma de exploração
A escravidão esteve presente no continente africano muito antes do início do comércio de escravos com europeus na costa atlântica. Desde por volta de 700 d.C. , “prisioneiros capturados nas guerras santas que expandiram o Islã da Arábia pelo norte da África e através da região do Golfo Pérsico” eram vendidos e usados como escravos. Durante os três impérios medievais do norte da África (X - XV), o comércio é um ronaldo peitinho adriano que esta me ouvindo de escravos foi largamente praticado . A escravidão foi a forma que árabes e europeus encontraram para explorar os povos africanos, que não tinham desenvolvido economias fortes nem tampouco armas que pudessem afastar invasores.
Lovejoy apresenta o conceito de modo de produção escravista (de E. Terray) como fundamental para uma compreensão mais completa do funcionamento político, econômico e social da África - e também das colônias portuguesas nas Américas. Segundo sua definição, o modo de produção baseado na escravidão é aquele em que predominam a mão-de-obra escrava em setores essenciais da economia; a condição de escravo no mais baixo nível da hierarquia social; e a consolidação de uma infra-estrutura política e comercial que garanta a manutenção desse tipo de exploração.
A escravização do negro pelo negro e a herança de miséria e fome
Muitas tribos rivais faziam prisioneiros em conflitos e vendiam-nos para árabes e europeus, de fato, este foi um dos elementos chaves responsável pela marcantilização dos povos africanos. Os povos mais frágeis eram capturados pelos Chefes das tribos e vendidos por preços esdruxúlos aos europeus mercantilistas. A divisão da culpa recai, prioritariamente, sobre o Europeu dominador e ambicioso, porém há de se admitir que os conflitos internos na África, formentaram a cisão e o enfraquecimento da resistência dos povos negros. Até hoje, além da chaga da escravidão, conflitos internos aliados a corrupção de governantes locais, ainda são responsáveis por todo um contexto de miséria existente no continente africano.
Guerras civis entre forças revolucionárias e governos corruptos na África, fizeram uma quantidade enorme de vítimas, onde os mais fracos são os que pagam com a própria existência. A baixa industrialização do continente e o conflito de interesses entre liberais e a esquerda, protelam, atualmente, uma solução econômica e social viável para o povo africano. [1]
Atualmente, epidemias de AIDS grassam no continente, muitas vezes ancoradas por dogmas e culturas nocivas e machistas dos povos locais, como a crença de que, ao manter relação com 100 virgens, um soropositivo ficará curado de sua infecção, o que apenas propaga ainda mais a doença. Os problemas do grande continente africano atualmente extrapolaram a barreira continental. Muitos emigram para a Europa, onde são recebidos com indiferença pelos europeus nativos, gerando sérios problemas culturais de adaptação, tanto para os nativos quanto para os africanos.
A presença européia na costa atlântica e o comércio de escravos
As primeiras excursões portuguesas à África foram pacíficas (o marco da chegada foi a construção da fortaleza de S. Jorge da Mina, em Gana, em 1482). Portugueses muitas vezes se casavam com mulheres nativas e eram aceitos pelas lideranças locais. Já em meados da década de 1470 os “portugueses tinham começado a comerciar nos golfos do Benin e freqüentar o delta do rio Níger e os rios que lhe ficavam logo a oeste”, negociando principalmente escravos.
Os investimentos na navegação da costa oeste da África foram inicialmente estimulados pela crença de que a principal fonte de lucro seria a exploração de minas de ouro, expectativa que não se realizou. Assim, consta que o comércio de escravos que se estabeleceu no Atlântico entre 1450 e 1900 contabilizou a venda de cerca de 11.313.000 indivíduos (um volume que tendo a considerar subestimado).
Em torno do comércio de escravos estabeleceu-se o comércio de outros produtos, tais como marfim, tecido, tabaco, armas de fogo e peles . Os comerciantes usavam como moeda pequenos objetos de cobre, manilhas e contas de vidro trazidos de Veneza. Mas a principal fonte de riqueza obtida pelos europeus na África foi mesmo a mão-de-obra barata demandada nas colônias americanas e que pareceu-lhes uma boa justificativa para os investimentos em explorações marítimas que, especialmente os portugueses, vinham fazendo desde o séc. XIV. Dessa forma, embora no séc. XV os escravos fossem vendidos em Portugal e na Europa de maneira geral, foi com a exploração das colônias americanas que o tráfico atingiu grandes proporções.
Lovejoy chama a atenção para o caráter de relação de dependência inerente à escravidão. O indivíduo na situação de escravo ficava numa situação em que não tinha autonomia alguma, e dependia do seu senhor para suas necessidades mais fundamentais, como no caso de mulheres que se tornavam concubinas.
Desde muito antes da chegada dos portugueses a Gana, a escravidão articulada com a expansão do Islã sempre esteve calcada em interesses sexuais. Os árabes vendiam os homens e ficavam com as mulheres, que eram absorvidas pelas comunidades e, conforme incorporavam valores das sociedades de seus senhores, ganhavam maior liberdade. Os filhos eram assimilados pela sociedade muçulmana. Além disso, as mulheres faziam quase todo o trabalho agrícola.
A preferência dos traficantes africanos por cativos do sexo feminino foi um fator decisivo para que, no início de seus negócios nessa área, os europeus comprassem muito mais homens do que mulheres. Outro fator importante foi a constatação de que os homens eram mais resistentes às péssimas condições de salubridade a que eram submetidos nas longas viagens de travessia do oceano Atlântico em navios negreiros. Também por isso, as populações de escravos, tanto na África como nas Américas, não tinham como se sustentar por meio da reprodução biológica , o que gerava uma constante substituição dos escravos por novas levas e girava a máquina dos negócios dos traficantes. Dessa forma, “o trabalho escravo estava diretamente relacionado à consolidação da infra-estrutura comercial que era necessária para a exportação de escravos” .
O investimento europeu em guerras geradoras de escravos modificou profundamente a África e também as Américas. Cidades atacavam outras cidades, escravizando a população. Lovejoy faz uma descrição pormenorizada de diversos casos de escravidão.
Angola
A colônia de Angola (cuja especialidade era a exportação de mão-de-obra escrava pelo porto de Luanda) foi alvo de competição entre portugueses e holandeses no séc. XVII e as armas usadas nesse período mais tarde foram aproveitadas para a submissão de populações vizinhas. O que importa agora, no entanto, é a disputa entre os colonizadores, vencida pelos portugueses, que a partir de então se lançaram à captura direta de escravos nas chamadas guerras angolanas. Foi dessa forma que Angola se tornou um centro importante de fornecimento de mão-de-obra escrava para o Brasil, onde crescia não apenas a produção de cana-de-açúcar no Nordeste, mas também a exploração de ouro na região central.
Mais que isso. Navios com mercadorias de Goa faziam escala em Luanda lá deixando panos, as chamadas “fazendas de negros”. Dali seguiam para Salvador, na Bahia, carregados de escravos e de outras mercadorias provenientes da Índia (como louças e tecidos). Salvador se tornou um centro difusor de mercadorias da Índia pela América do Sul.
Os negócios foram se estruturando aos poucos. Num primeiro momento, os governadores da colônia detinham o poder de determinar o preço dos escravos. O pagamento era feito em ouro proveniente de Minas Gerais, no Brasil. Mais tarde, em 1715 a coroa portuguesa proibiu que os governadores se envolvessem com o tráfico . Negociantes provenientes do Brasil (principalmente do Rio de Janeiro, da Bahia e também de Pernambuco) assumiram as rédeas do comércio, que se aqueceu. A principal feira fornecedora de escravos para o porto de Luanda era a feira de Kassanje.
No XVIII, a cachaça brasileira (geribita) passou a ter papel de destaque nas trocas, sendo valorizado tanto em Angola quanto no Brasil. Figurava, ao lado da seda chinesa e as armas européias, como uma das principais moedas de troca. Era, na verdade, a moeda mais corrente, já que o comércio de armas era controlado e a seda chinesa a só chegava à África depois de passar por Lisboa, o que elevava seu preço e reduzia sua liquidez. Outro produto brasileiro valorizado na África era o fumo de corda de Salvador.
A crise de Portugal
A escravização de populações africanas começou a perder fôlego quando, no início do XIX, ingleses e franceses abandonam o tráfico e começam a pressão para sua extinção. Nessa mesma época, em 1755, Portugal foi abalado por um terremoto e começou a perder o controle do tráfico. Na tentativa de reverter a situação, em 1761 foram editadas leis que obrigavam os navios a fazer escala em Lisboa ou em uma alfândega em Luanda. Mas até 1769 apenas quatro navios haviam seguido as novas leis. O que levou à construção de presídios, para abrigar os desobedientes.
No continente africano a submissão das populações também já não era tão simples como no passado. Povos do interior começaram a organizar ataques com armas obtidas no comércio realizado no litoral do Atlântico. Tentou-se inclusive, embora sem sucesso, constituir uma cavalaria em Angola.
Pouco a pouco a escravatura foi sendo abolida. No entanto, foi também no século XVIII que Portugal tomou a dianteira na abolição da escravatura. Foi no Reinado de D. José I, a 12 de Fevereiro de 1761, pelo Marquês de Pombal, que se aboliu a escravatura no Reino/Metrópole e na Índia. Até quando os ingleses passaram a afundar os navios negreiros que cruzavam o Atlântico, as fazendas que produziam café no sudeste do Brasil ainda usavam mão-de-obra escrava proveniente da África ou descendente de escravos africanos.
Os reflexos nas sociedades
As medidas protecionistas adotadas por Portugal afastaram os negociantes brasileiros para outros portos menos controlados, e a exclusão do intermédio português no tráfico então foi conquistada. Em 1840 cessa o tráfico através de Luanda, e brasileiros tocam as últimas décadas de comércio escravo.
Ao sul de Luanda deságua o Rio Kwanza, que vem do interior do continente. Esse rio foi de fundamental importância na penetração portuguesa, além de servir de corredor para a comercialização de mercadorias de regiões interioranas como Lunda, Kassanje, Malanje, Lubolo, Matamba, Ambaca, Cazembo e outras. Às margens desse rio, tradicionalmente, se organizavam os sobados, agrupamentos de famílias que respeitavam o chefe de linhagem, que por sua vez prestava obediência ao soba, líder escolhido por conselheiros.
De maneira geral, os sobas serviram como instrumentos de dominação e controle das sociedades africanas pelos europeus. Durante o período colonial, o soba se transformou num vassalo do colonizador, sob a ameaça de receber em seu povoado uma “expedição punitiva”, ou seja, saque e escravização. Em troca da obediência tinha maior acesso a mercadorias, o que teoricamente aumentava seu poder local. Na outra face da moeda, nota-se que no séc. XIX, os portugueses dependiam totalmente da lealdade de sobas influentes.
O sobado de Kabuko Kambilu
Kabuku Kambilu era um dos maiores sobados da região de Angola, já forte antes da chegada dos portugueses no XVI . O chefe (conhecido como Kabuku Kambilu) era reconhecido pelos demais sobados como a “primeira autoridade”, detentor de poderes mágico-religiosos. A ordem foi desequilibrada quando o grupamento se aliou aos portugueses e, entre 1875 e 1880, adotou uma política de agressão armada aos sobados vizinhos, passando a controlar grande parte do comércio e do tráfico. Com o passar do tempo, entretanto, as desavenças internas e o crescente descontentamento dos portugueses tiraram do Kabuko suas principais fontes de renda: o monopólio da travessia do Rio Lukala e as feiras de Mukoso, Kangongue e Lukala. Mais tarde, fazendeiros brancos de Cazengo expandiam suas propriedades até os limites da área ocupada pelo do povo do Kabuku.
A África Oriental (costa do Índico e Madagascar)
Não foi apenas em Angola que os portugueses agiram. Concomitantemente à exploração do Atlântico, eles alcançaram o continente africano pela costa do oceano Índico encontrando nas cidades costeiras o povo Suaili. O centro do poder português na exploração da África oriental era Goa (costa oeste da Índia). Indianos mantinham relações de comércio com a África Oriental desde o séc. XV.
A presença portuguesa se consolidou na Zambézia no séc. XVI. Foram feitas alianças com alguns chefes locais que receberam armas de fogo em troca de terras em que exploravam aldeias. Mesmo os aliados, no entanto, eram obrigados ao pagamento de impostos (a chamada curva), sob a ameaça de uma repreensão militar (“empata”).
Nessa área o título do líder era monomotapa, que dominava muitos reinos. A ação dos portugueses provocou um desequilíbrio nas forças internas, levando o reino dos Mocarangas a expulsar os Tongas do interior para o litoral, onde eram presas fáceis para os europeus.
Em 1572, desembarcou na Zambézia a expedição de Francisco Barreto com o intuito de dominar as minas de ouro e prata que se julgava estar sob o controle do monomotapa. A expedição penetrou na região e perdeu muitos integrantes. Provocou grande destruição, queimando inclusive as capitais de Teve e Manica.
Como o ouro era pouco para ambição portuguesa, ali se estabeleceu um sistema diferente. Os portugueses construíram pequenos feudos, chamados “prazos”. Sobre eles, sabemos que a herança era passada para a filha do dono, o “prazeiro”, e não para seu filho homem. E que a herdeira era obrigada a casar com um português, de maneira a assegurar a presença de homens portugueses no comando das terras.
No fim do séc. XVII, a população de Chamgamira, em Butua, começou a opor resistência ao domínio português. Mais tarde, no séc. XVIII, a intensificação do comércio e a presença dos “prazeiros” provocaram a insurgência de chefias locais contra a liderança do monomonapa, e em seguida o enfraquecimento do poder africano em geral. Assim, se estabeleceu uma situação de desordem. Tanto os antigos líderes locais como os portugueses perderam poder de influência.
Foi nessa situação que chegaram à região dois novos exploradores: os holandeses (boers), agricultores que estabeleceram grandes fazendas e absorveram parte da cultura local, passando inclusive a falar um misto do idioma holandês com linguagens locais, chamado afrikaner; e os ingleses, financiados pelo empresário Cecil Rhodes, que assumiram o tráfico de escravos. Os aliados locais dos britânicos eram os Ngunis, que dominaram os povos das regiões de Tongas e Carangas depois de muita guerra, negociavam-nos com os negreiros. Outro fenômeno é digno de nota na região nesse período: o aumento da influência árabe, com a difusão do islamismo na região.
A transformação da escravidão na África
Como se viu, no início do séc. XIX havia forte pressão para que o tráfico de escravos africanos promovido por europeus fosse extinto . Esse movimento, ao contrário do que se poderia esperar, não extinguiu a escravidão no continente africano, mas fez nascer o modo de produção escravista dentro da própria África. Diferente, como não poderia deixar de ser, daquele praticado nas colônias americanas, o modo de produção escravista na África foi incorporado de muitas maneiras. Foram introduzidas plantations (principalmente na savana setentrional), além do trabalho em minas na chamada Costa do Ouro (que contava com um estado centralizado capaz de continuar coagindo indivíduos à escravidão).
Ocorre que não havia na África como controlar todo aquele contingente de indivíduos escravizados sem a ajuda dos europeus. Muitos fugiam ou se revoltavam encorajados pela retórica abolicionista de missionários e reformadores – figuras que se tornavam cada vez mais comuns. “A imposição do colonialismo extinguiu a escravidão como um modo de produção e marcou a completa integração da África na órbita do capitalismo”.
Não se deve incorrer no erro, no entanto, de acreditar que um sistema tão arraigado ao longo de séculos na cultura africana pudesse ser simplesmente abandonado e esquecido de um momento para o outro. O que se deu, a princípio, foi a transição do tráfico de escravos para o comércio “legítimo” – um processo repleto de problemas e de implicações. A persistência da prática no Daomé (antigo reino africano localizado na região em que hoje está o Benin) é um exemplo ilustrativo. Apoiado pelo rico e influente traficante de escravos brasileiro Francisco Félix de Souza [red](Chacha), ocorreu ali um golpe de estado. Em 1818 chegou ao fim o curto e polêmico reinado de Adandozan. Quem assumiu o comando, Guezô, permaneceu no poder por quarenta anos, nos quais incentivou o novo comércio, superando a “crise de adaptação” com sucesso.
Assim como no golfo de Biafra, em Daomé o comércio de escravos e o de azeite de dendê (principal mercadoria do comércio legítimo) se expandiu até a década de 1860. Mas a partir de 1840 o declínio do tráfico já se mostrava iminente.
O legado da escravidão
A venda de indivíduos na condição de escravos organizada por europeus uniu a África e as Américas, da mesma maneira que a escravidão havia atraído povos africanos para a órbita islâmica .
Em termos demográficos, o Brasil foi redesenhado nos três séculos de tráfico de escravos. É claro que a escravidão deixou um legado de inúmeros problemas. O preconceito racial, o desdém pelo estudo da história africana, e até mesmo o desprezo pelo trabalho por aqueles que estão no topo da pirâmide econômica.
Estimulada por novos “preceitos da ciência”, como o darwinismo social, a discriminação racial se acentuou no XIX e mais de um século após a abolição da escravatura, a maior parte das escolas particulares do país ainda têm mais brancos do que negros. São os brancos que alcançam os melhores postos de trabalho e os salários mais elevados. E para agravar a situação, a população negra do Brasil experimentou um processo de assimilação. A miscigenação, que se verificou desde o tempo colonial (e não ocorreu nas regiões americanas colonizadas por ingleses, franceses e espanhóis) se tornou uma forma de ascensão social e inibiu movimentos de afirmação de um povo que sempre foi majoritário no país – e nunca alcançou o poder.
Atualmente, numa iniciativa que visa à redução das distorções históricas, estão sendo estabelecidas cotas para garantir o acesso de todos à educação, à saúde e ao trabalho. São de se ressaltar também a lei 9394, segundo a qual “O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia”, e a lei 10.639, sancionada em 2003 e ainda não implementada, que inclui no currículo oficial dos estabelecimentos de ensino básico das redes pública e privada o estudo obrigatório de História e Cultura Afro-brasileira. Mas não é nossa intenção, nesse momento, aprofundar essas questões.
Na África, o resultado do sistema escravagista foi devastador. Comunidades que antes conviviam pacificamente se militarizaram e travaram guerras infindáveis. Enquanto durou a escravidão, os escravos, assim “produzidos”, eram vendidos em feiras e exportados. Depois, os antagonismos étnicos entre os capturados e os captores se acentuaram, de forma que mesmo após a retirada dos últimos colonizadores, já no final do séc. XX, as guerras continuaram ocorrendo.
Houve mais interferências externas. O empresário inglês Cecil Rhodes, por exemplo, investiu largamente em mineração, e fundou o estado da Rhodésia, depois dividido em Rhodésia do sul e Rhodésia do norte, hoje Zâmbia e Zimbábue. Queria formar um império inglês... Mais tarde, o problema foi agravado, e generalizado, pelo fato de a África ter sido dividida em países artificiais, forjados pela régua dos burocratas da Organização das Nações Unidas (ONU) após a Segunda Guerra Mundial. Sem levar em conta a cultura local, a ONU subjugou ao tacão de líderes não reconhecidos como tal, povos com hábitos, idiomas e economias diversas.
Outras circunstâncias contribuíram para que a África chegasse ao século XXI como o continente mais pobre, injusto e desigual do planeta. Uma delas foi a introdução de mercadorias estrangeiras, ainda no tempo colonial, que provocou a ruína do sistema de produção local. Em Angola o sistema do sobado entrou em decadência com a implantação de plantations. Outros centros comerciais próximos ao Rio Kwanza, como o Dongo, passaram a comercializar borracha, cera, café, amendoim e outros produtos demandados pelos europeus – em detrimento da produção de bens de subsistência essenciais para a população.
O resultado dessa história milenar de exploração e injustiça são as guerras civis e a extrema pobreza em que o continente chafurda até os dias atuais.
Conclusão
A escravatura foi determinante na conformação das sociedades brasileira e africana. Na África, a exploração da mão-de-obra escrava, primeiro pelos árabes e depois pelos europeus, provocou uma desestruturação de enormes proporções, que ainda não foi superada. Guerras, doenças e pobreza devastam, até os dias atuais, grande parte do continente, cujas riquezas naturais seguem sendo escoadas para os cofres de povos já exageradamente ricos. No Brasil, criou uma situação social injusta, em que as oportunidades ao alcance dos afro-descententes são sempre menores, e menos interessantes, do que as oferecidas aos euro-descendentes e aos originários da Ásia.
Em algum momento a história terá de corrigir seus desvios. Ao longo dos tempos a lógica econômica determinou que houvesse sempre dominadores e dominados, exploradores e explorados, livres e cativos – de maneira explícita ou não. Nesse movimento, os povos africanos perderam sua cultura, sua liberdade, suas riquezas. A história mostra que há pontos de inflexão, em que as transformações se mostram inevitáveis, e ocorrem em processos pacíficos ou por revoluções. No entanto, como afirmou o economista Celso Furtado, "... as observações que vimos de fazer referem-se a simples hipóteses escolhidas em um campo aberto de possibilidades históricas. Por exemplo: é possível que se prolongue por muito tempo a fase de estagnação..." (FURTADO, Celso. Formação Econômica da América Latina. 2a ed. Rio de Janeiro: Lia, 1970 p. 365)
Ver também
Bibliografia e Citações
- LOVEJOY, Paul E. – A escravidão na África. Uma história e suas transformações, tradução Regina Bhering e Luiz Guilherme Chaves, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002, *Cap. 1, A África e a escravidão, pp 29-56; *Cap 12 A escravidão na economia política da África, pp 395-411.
- MONTEIRO e ROCHA, Fernando Amaro ao século XIX. O testemunho dos manuscritos, impérios subsaharianos, pp 15-50.
- SILVA, Alberto da Costa – Os estudos de história da África e sua importância para o Brasil, A dimensão atlântica da África, II Reunião Internacional de História da África, São Paulo, CEA-USP/SDG-Marinha/CAPES, 1997, pp 203-219.
- A manilha e o libambo. A África e a escravidão de 1500 a 1700, Rio de Janeiro, Nova Fronteira: Fundação Biblioteca Nacional, 2002, *Cap. 9, O Benin e o delta do Níger, pp 309-357; *Cap. 11, Angola, pp 407-450; *Cap. 18, Na Zambézia, pp 657-701.
- Francisco Félix de Souza, mercador de escravos, Rio de Janeiro, Nova Fronteira: EdUERJ, 2004, *Cap. 2 a 6, pp 19-70.
- SOUMONNI, Elisée – *A compatibilidade entre o tráfico de escravos e o comércio do dendê no Daomé, 1818-1858, Daomé e o mundo atlântico, Rio de Janeiro, UCAM (Universidade Cândido Mendes), CEAA (Centro de Estudos Afro-Asiáticos) e Amsterdam, SEPHIS (South-South Exchange Programme for Research on the History of Development), 2001, pp 61-79.
- FERREIRA, Roquinaldo – Dinâmica do comércio intracolonial: geribitas, panos asiáticos e guerras no tráfico angolano de escravos (século XVIII), O antigo regime nos trópicos. A dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII), organizadores João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e Maria de Fátima Gouvêa, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001, Cap 11, pp 339-378.
- DIAS, Jill R. - O Kabuku Kambilu (c.1850-1900): uma identidade política ambígua, Actas do Seminário Encontro de Povos e Culturas em Angola, Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1997, pp 13-53.
- National Geographic Brasil. Edição especial. Setembro 2005 – África, Pigmeus de Ituri, Expedição Megaflyover, Nairóbi, Aids, Animais ameaçados.