Jornadas para as terras de sede
As jornadas para as terras de sede, também conhecidas em inglês como Dorsland Trek, é o nome coletivo de uma série de explorações realizadas por colonos bôeres da África do Sul no final do século XIX e nos primeiros anos do século XX, em busca de independência política e melhores condições de vida.
Na África do Sul, Botsuana e Namíbia, os participantes sobreviventes das jornadas e seus descendentes que retornaram, considerados somente aqueles que partiram do Estado Livre de Orange e da República do Transvaal, formaram um subgrupo étnico denominado trekboere (bôeres nômades). Os remanescentes que permaneceram e se miscigenaram em solo angolano são chamados de dorslandtrekkers (nômades das terras de sede) ou angobôeres.[1][2]
Antecedentes políticos e jornadas anteriores
[editar | editar código-fonte]Depois de escapar do governo autocrático da Companhia Holandesa das Índias Orientais no final do século XVIII, os colonos semi-nômades da Colônia do Cabo entraram em conflito tanto com os povos xossas no leste quanto com o Império Britânico, que adquiriu o Cabo como resultado das guerras napoleônicas. Em 1836, os bôeres partiram para o que ficou conhecido como a grande jornada, estabelecendo o Estado Livre de Orange e a República do Transvaal como repúblicas bôeres independentes.[3]
Há duas teorias sobre por que os colonos partiriam mais uma vez para explorar o território mais ao norte. Uma é que, na década de 1870, a Grã-Bretanha começou novamente o processo de anexar os estados bôeres;[4] a segunda teoria afirma que "[eles] estavam compelidos por um desejo de caminhar", sem nenhuma dificuldade particular a enfrentá-los em seu lugar atual.[3]
Rotas da caminhada
[editar | editar código-fonte]O primeiro grupo das jornadas para as terras de sede partiu em 27 de maio de 1874 sob a liderança de Gert Alberts.[5] Um número de diferentes grupos de agricultores, tomando diferentes rotas, seguiu o primeiro grupo. Eles partiram das áreas em torno de Rustemburgo,[3] Groot Marico[6] e Pretória.[4] O principal destino era o planalto da Humpata, no sudoeste de Angola. Em sua jornada, os colonos tiveram que atravessar Bechuanalândia e as vastas e áridas áreas do deserto do Calaári, onde hoje estão a Namíbia e a Botsuana.[7] Foram as condições severas e secas que eles experimentaram no Calaári que deram ao episódio o nome de "jornadas para as terras de sede" (Dorsland Trek), derivado do termo da língua africâner "Thirstland Trek".[6] De acordo com uma testemunha, mais de 3000 bôeres nômades morreram durante a viagem. Em 1881, sessenta famílias, totalizando 300 pessoas, chegaram a Humpata e receberam 200 hectares por família para cultivar.[2]
Os colonos entraram em Angola atravessando o rio Cunene em Swartbooisdrift. As autoridades coloniais portuguesas encorajaram os bôeres a instalarem-se nos planaltos da Humpata e da Huíla; a maioria deles permaneceu em Humpata, enquanto várias famílias foram mais para o norte, estabelecendo-se em lugares diferentes nas terras altas centrais, formando um subgrupo étnico bôer chamado angobôeres. Os vários assentamentos formaram uma comunidade fechada que resistiu à integração. Além disso, a resistência dos colonos à inovação levou muitos deles ao empobrecimento. Como resultado, no final da década de 1920, alguns começaram a migrar para o sul e sudoeste da África,[4] enquanto alguns retornaram a seus locais de origem.[3][8] Deixaram em Angola carroças de bois, levando apenas o que podiam carregar nos wagon's.[9] Os descendentes dos bôeres nômades não totalmente integrados à sociedade angolana portuguesa - deixaram Angola em 1975, quando o país se tornou independente em meio a uma guerra civil.
Um número de agricultores instalaram no triângulo Otavi-Tsumeb-Grootfontein e na área em torno Gobabis. Alguns tomaram um caminho diferente e cruzaram Caocolândia.[6] No caminho para o sul, eles descobriram água em Tsauchab e a chamaram de Ses Riem (Seis Rédeas), que refletia a profundidade do cânion.[4]
Grande Jornada de Angola
[editar | editar código-fonte]Não muito tempo depois de os bôeres se estabelecerem em Angola, surgiram problemas. Eles ensinaram aos criadores portugueses locais a criação de gado e a condução de carroças de boi, bem como habilidades com armas e tiro. A relação entre os colonos portugueses e os bôeres foi bastante cordial e muitos portugueses aprenderam também o africâner. As autoridades portuguesas, no entanto, não fizeram muito pelos bôeres em Angola, nunca lhes dando cidadania, não lhes permitindo ter a propriedade legal das suas explorações agrícolas e não lhes permitiam abrir escolas de línguas africâneres. Já em meados da década de 1890, as tensões entre as autoridades coloniais e os colonos bôeres eram aparentes, fato registrado na época pelo explorador sueco Peter Möller.
Em 1928, muitos bôeres decidiram deixar Angola e dirigir-se para sul e para o Sudoeste Africano (então sob jurisdição sul-africana), onde a colonização era mais fácil e não impedida pelas autoridades portuguesas. O repatriamento foi conduzido pelo governo sul-africano sob o comando do general James Hertzog. De agosto de 1928 a fevereiro de 1929, 1.922 boers foram repatriados para a África do Sul. Foram emitidos 420 certificados de bôeres nômades para as famílias, embora apenas 373 famílias tenham saído de Angola na altura. As últimas famílias bôeres a regressar à África do Sul sob esta repatriação deixaram Angola em 1931.[10]
Depois da grande jornada de Angola, muitos bôeres permaneceram em Angola, e a comunidade africânder remanescente ergueu um monumento obelisco em Humpata em julho de 1957 em homenagem aos bôeres nômades. Em 1958, 58 famílias bôeres permaneciam em Angola, totalizando 500 indivíduos.[11] Estes bôeres permaneceram em Angola até 1975, durante a Guerra Civil Angolana, quando fugiram com milhares de refugiados portugueses para o Sudoeste Africano (agora chamado Namíbia). Hoje, um número desconhecido de bôeres vive em Angola, como no final da guerra civil, muitos portugueses e outros regressaram ao país.
Impacto histórico
[editar | editar código-fonte]Os bôeres não foram bem recebidos em todos os lugares. Já em 1874, os chefes hereros Maharero, Kambazembi e Christian Wilhelm Zeraua solicitaram às autoridades do Cabo a intervir no assentamento em Damaralândia. Como resultado, foi criado o posto de Comissário Especial para a Damaralândia.[12] Na área em torno de Gobabis, o lider tribal Andreas Lambert, em nome de todos os líderes da Damaralândia, ameaçou atacá-los se eles não fossem embora.[13]
Sítios históricos e comemorações das jornadas
[editar | editar código-fonte]- Na Caocolândia, várias ruínas de assentamentos temporários ainda são visíveis, incluindo uma igreja Batista (nome informal para as Igrejas Reformadas na África do Sul), perto da cidade de Otavi.[14]
- Em Swartbooisdrift, o Monumento aos Bôeres Nômades foi erguido para comemorar a jornada.[14]
- Em Cassinga há um obelisco memorial, erguido em 2003, comemorando aqueles que morreram durante a caminhada.[15]
- Na Humpata há um grande obelisco, erguido em 1958 em comemoração aos bôeres nômades, e há vários túmulos dos colonos, incluindo o de seu líder, Gert Alberts.[14]
- A Árvore das Jornadas, no remoto leste da Namíbia, é uma escultura em baobá, com a inscrição "1883", criada quando a árvore era um abrigo temporário.
Referências
- ↑ Clarence-Smith, W. Gervase. The Thirstland Trekkers in Angola: Some Reflections on a Frontier Society. in: The Societies of Southern Africa in the 19th and 20th Centuries. Collected Seminar Papers, XX, University of London, Institute of Commonwealth Studies, VI: 42–51.
- ↑ a b Deon Lamprecht (27 de janeiro de 2015). Tannie Pompie se oorlog: In die Driehoek van die Dood. [S.l.]: Tafelberg. p. 22. ISBN 978-0-624-05420-7
- ↑ a b c d Joubert, Bruce. «An historical perspective on animal power use in South Africa» (PDF). Animal Traction Network for Eastern and Southern Africa
- ↑ a b c d «The Dorsland Trekkers». tourbrief.com. Consultado em 25 de junho de 2010
- ↑ «The first group of Dorslandtrekkers (Thirstland trekkers), under leadership of Gert Alberts, leaves Pretoria». South African History Online. Consultado em 31 de janeiro de 2014
- ↑ a b c «The Dorsland Trek 4x4 Route». NamibWeb. Consultado em 25 de junho de 2010
- ↑ Dana Snyman (23 de setembro de 2013). Onder die radar: Stories uit ons land. [S.l.]: Tafelberg. pp. 173–. ISBN 978-0-624-06228-8
- ↑ G. Clarence-Smith: The thirstland trekkers in Angola – Some reflections on a frontier society.
- ↑ Mary Rice; Craig Gibson (2001). Heat, Dust, and Dreams: An Exploration of People and Environment in Namibia's Kaokoland and Damaraland. [S.l.]: Struik. pp. 64–65. ISBN 978-1-86872-632-5
- ↑ Stassen, Nicol. The Boers in Angola, 1928–1975. "Part III." Pretoria: Protea Book House, 2011. 123-25. Print.
- ↑ Bender, Gerald J. Angola under the Portuguese: The Myth and the Reality. Berkeley: U of California, 1978. Print.
- ↑ Mashuna, Timotheus (2 de março de 2012). «Kambazembi Wa Kangombe: The Influential and Peace-Loving Herero Chief (1846–1903)». New Era. Consultado em 2 de março de 2012. Arquivado do original em 21 de fevereiro de 2013
- ↑ Shiremo, Shampapi (14 de janeiro de 2011). «Captain Andreas Lambert: A brave warrior and a martyr of the Namibian anti-colonial resistance». New Era. Consultado em 14 de janeiro de 2011. Arquivado do original em 8 de dezembro de 2012
- ↑ a b c «Dorsland Gedenkfees» [Thirstland commemoration] (em Afrikaans). Consultado em 25 de junho de 2010
- ↑ Mongudhi, Tileni (12 de junho de 2015). «Cassinga forgotten». The Namibian[ligação inativa]