Obrigações extraterritoriais

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As obrigações extraterritoriais (ETOs) são obrigações em relação aos atos e omissões de um Estado, dentro ou fora de seu território, que tenham efeitos no gozo dos direitos humanos fora do território desse Estado.[1][2]

Conceito[editar | editar código-fonte]

Os direitos humanos são direitos universais. Quando um estado limita suas obrigações de direitos humanos como sendo aplicáveis apenas dentro de suas próprias fronteiras, isso pode levar a lacunas na proteção dos direitos humanos nos processos políticos internacionais.[2]

Os detalhes dos ETOs foram estabelecidos nos Princípios de Maastricht sobre Obrigações Extraterritoriais dos Estados na área de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Princípios de Maastricht) em 2011.[2] Os Princípios de Maastricht foram adotados por especialistas em direito internacional e direitos humanos de diferentes regiões do mundo.[3]

Os Princípios de Maastricht obrigam os Estados a respeitar os direitos econômicos, sociais e culturais das pessoas dentro de seus territórios e extraterritorialmente. De acordo com os princípios, os Estados devem abster-se de condutas que anulem ou prejudiquem o gozo e exercício dos direitos econômicos, sociais e culturais de pessoas fora de seus territórios.[2]

Os Princípios de Maastricht determinam ainda que os Estados devem abster-se de condutas que prejudiquem a capacidade de outro Estado de cumprir suas obrigações de direitos humanos, e b) fomentem outro Estado ou organização internacional a violar suas obrigações de direitos humanos.[2]

Base jurídica[editar | editar código-fonte]

Os Princípios de Maastricht não pretendem estabelecer novos elementos do direito em relação aos direitos humanos, mas esclarecem as obrigações extraterritoriais dos Estados com base no direito internacional existente.[2] Os princípios não são juridicamente vinculativos, são uma expressão de opiniões de especialistas sobre o status das obrigações extraterritoriais de direitos humanos no direito internacional.[1]

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, definida pelas Nações Unidas, é aplicável a todas as pessoas, independentemente do status político, jurisdicional ou internacional do país ou território ao qual a pessoa pertença.[4]

As Nações Unidas afirmam que todos os Estados devem agir, separadamente e em conjunto, por meio da cooperação internacional, para respeitar os direitos econômicos, sociais e culturais das pessoas dentro de seus territórios e extraterritorialmente. Os Estados também devem abster-se de conduta que prejudique o gozo de tais direitos fora de seus territórios.[2]

Em 2007, o Consórcio de Obrigações Extraterritoriais foi estabelecido em Heidelberg, Alemanha. É uma rede global de mais de 140 organizações e acadêmicos que buscam promover a conscientização e a implementação das obrigações extraterritoriais dos estados.[3]

Exemplos de aplicação[editar | editar código-fonte]

Alterações Climáticas[editar | editar código-fonte]

A mudança climática destaca a necessidade de uma proteção efetiva dos direitos humanos, que deve estar disponível para indivíduos e comunidades quando enfrentam problemas políticos, sociais, econômicos ou ecológicos que não são limitados pelas fronteiras políticas dos Estados.[5]

As alterações climáticas têm efeitos adversos sobre as populações, tendo o seu deslocamento consequências adversas significativas para as crianças em África. A conduta extraterritorial de Estados ou organizações internacionais ou suas omissões associadas à mudança climática levantou escrutínio. Um relatório do Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos relaciona as mudanças climáticas e o gozo dos direitos da criança sob a Convenção sobre os Direitos da Criança, destacando a importância de medidas como a jurisdição extraterritorial.[6]

Grilagem[editar | editar código-fonte]

A grilagem de terras no século 21 refere-se principalmente a aquisições de terras em grande escala após a crise mundial dos preços dos alimentos de 2007-08, provocando temores de segurança alimentar em partes do mundo.[7] A discussão sobre a melhoria da transparência na aquisição de terras em grande escala inclui abordar as obrigações extraterritoriais dos Estados sobre empresas comerciais internacionais.[8]

Digitalização[editar | editar código-fonte]

A falta de mecanismos de governança global para o uso de tecnologias digitais é um problema. Os Estados têm a obrigação de limitar quaisquer possíveis consequências negativas não intencionais, mas, na realidade, as ferramentas digitais estão sendo usadas para reprimir os direitos civis e políticos. A União Europeia está em processo de construção de um conjunto de regulamentos para estabelecer e apoiar um mercado único digital com a intenção de recalibrar os atuais marcos legais. Um exemplo é o Regulamento Geral de Proteção de Dados, com o objetivo de dar aos residentes da UE mais controle sobre seus dados.[9]

Conflitos militares[editar | editar código-fonte]

Embora os Estados no passado possam ter contestado obrigações extraterritoriais com base no direito internacional, o que implica que um Estado não deve infringir a soberania de outro Estado,[10] tais obrigações, em particular para evitar genocídio e crimes atrozes, são cada vez mais referenciados em casos jurídicos internacionais.[11]

No caso internacional Bósnia versus Sérvia (2007), um estado forneceu altos níveis de assistência militar e econômica às forças paramilitares que realizaram um genocídio em outro país.[10] Em seu julgamento de 2007 sobre Bósnia v. Sérvia, a Corte Internacional de Justiça considerou que os Estados Partes da Convenção de Genocídio de 1948 têm a obrigação de prevenir o genocídio também além de suas fronteiras territoriais.[11]

Referências[editar | editar código-fonte]

  1. a b «The Routledge Handbook on Extraterritorial Human Rights Obligations». Routledge. Consultado em 6 de maio de 2022 
  2. a b c d e f g «Maastricht Principles on Extraterritorial Obligations of States in the Area of Economic, Social and Cultural Rights». ETO Consortium. Consultado em 6 de maio de 2022 
  3. a b «The ETO Consortium». ETO Consortium. Consultado em 6 de maio de 2022 
  4. «Universal Declaration of Human Rights». United Nations. Consultado em 6 de maio de 2022 
  5. Türkelli, G.E., Gibney, M., Vandenhole, W., Krajewski, M. (2022). Conclusions - The future of extraterritorial human rights obligations. In: Türkelli, G.E., Gibney, M., Vandenhole, W., Krajewski, M. (Eds.)The Routledge Handbook on Extraterritorial Human Rights Obligations. Routledge, New York. DOI:10.4324/9781003090014.
  6. Jegede, A.O. (2022). Climate change displacement and socio-economic rights of the child under the African human rights system - The relevance of ETOs. In: Türkelli, G.E., Gibney, M., Vandenhole, W., Krajewski, M. (Eds.)The Routledge Handbook on Extraterritorial Human Rights Obligation. Routledge, New York. DOI:10.4324/9781003090014.
  7. Borras Jr., Saturnino M.; Ruth Hall; Ian Scoones; Ben White; Wendy Wolford (24 de março de 2011). «Towards a better understanding of global land grabbing: an editorial introduction». Journal of Peasant Studies. 38 (2). 209 páginas. doi:10.1080/03066150.2011.559005 
  8. Walton, O. (2013), Laws and Regulations Concerning Reporting of Foreign Investment in Land, Birmingham, UK: Governance and Social Development Resource Centre, University of Birmingham.
  9. Dentico, N., El Said, M., Capuzzo, G. (2022). Digitalization: The new extraterritorial challenge to extraterritorial obligations. In: Türkelli, G.E., Gibney, M., Vandenhole, W., Krajewski, M. (Eds.)The Routledge Handbook on Extraterritorial Human Rights Obligation. Routledge, New York. DOI:10.4324/9781003090014.
  10. a b Gibney, M. (2022). The historical development of extraterritorial obligations.In: Türkelli, G.E., Gibney, M., Vandenhole, W., Krajewski, M. (Eds.)The Routledge Handbook on Extraterritorial Human Rights Obligation. Routledge, New York. DOI:10.4324/9781003090014.
  11. a b «Questioning the Coherence of an Extraterritorial Legal Obligation to Prevent Genocide and Crimes Against Humanity». OpinioJuris. Consultado em 6 de maio de 2022