Reabsorção de Glicose no Túbulo Proximal

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Lâmina histológica de um glomérulo renal associado a túbulos proximais e distais.

Em condições normais, um indivíduo adulto filtra e reabsorve, diariamente, cerca de 1,5 kg de glicose, sendo a carga filtrada de glicose é de 10 a 40 vezes maior que sua utilização diária. O rim participa ativamente no controle da glicemia e é capaz de utilizar e sintetizar glicose. Num estado funcional normal, o rim tanto impede a hiperglicemia através da excreção urinária de glicose, quanto previne a hipoglicemia por gliconeogênese.

A síntese de glicose acontece principalmente no córtex renal e constitui um mecanismo para manutenção da homeostase glicêmica. Assim como o fígado, os rins são capazes de fazer gliconeogênese nos períodos de jejum prolongado, utilizando principalmente glutamina e lactato como substrato. Outro mecanismo de controle da glicemia é utilização renal da glicose como substrato, que acontece na região medular do órgão.

A unidade funcional do rim (néfron) apresenta uma compartimentalização a nível histológico e funcional que garante a homeostase da glicose. O túbulo contorcido proximal é o maior responsável pela reabsorção da glicose. Já as demais estruturas (ramo ascendente da alça de Henle, túbulo contorcido distal, túbulos coletores) atuam na síntese, armazenamento e oxidação desse combustível energético.

A manutenção da homeostase de glicose pelo rim depende ainda do fluxo sanguíneo renal, do ritmo de filtração glomerular e da função tubular. Esses fatores quando alterados, causam desregulação do equilíbrio da glicemia exercido pelos rins[1].[2]

Molécula de glicose

Glicose[editar | editar código-fonte]

A glicose é um carboidrato com peso molecular de 180g/mol. Contém seis átomos de carbono, cinco destes hidroxilados. O sexto carbono contem um grupo aldeído, sendo este o carbono terminal.  Isto torna a molécula uma aldose, do tipo hexose. O grupo carbonila desta aldohexose forma uma ligação covalente com uma hidroxila do carbono ao longo da cadeia. Esta ligação é estabelecida em meio aquoso, levando a molécula a uma estrutura cíclica.

Como a maior parte dos carboidratos, a glicose é incolor, cristalina, de sabor doce e, devido à sua polaridade, bastante solúvel em solvente polar, como a água. Seu raio molecular consiste em 0,36 nm, o que delimita sua permeabilidade (90x10-6 cm/s em músculo esquelético).

A barreira de filtração restringe a filtração de moléculas com base na carga elétrica e no tamanho. A glicose, como a água, é livremente filtrada, visto que é uma pequena molécula orgânica, com aproximadamente 3,6 Å de raio molecular. Em geral, moléculas neutras com raio menor que 20 Å são filtradas livremente e com mais de 42 Å não são filtradas.[3]

Túbulo Proximal[editar | editar código-fonte]

Morfologicamente, o túbulo proximal é dividido em três segmentos: S1, S2 e S3, que realizam a reabsorção de glicose e seu transporte para o plasma por mecanismos distintos que os individualizam em suas funções. As porções mais iniciais, por exemplo, possuem maior área de membrana apical e maior número de mitocôndrias, apresentando mais elevada taxa de reabsorção de solutos.

Transportadores de membrana[4][5][editar | editar código-fonte]

  • Sodium glucose cotransporter (SGLT)

São transportadores na membrana apical, responsáveis pelo cotransporte de sódio e glicose. Os SGLTs apresentam 12 segmentos transmembrânicos. A alça extracelular de ligação entre S5 e S6 é um potencial sítio de glicosilação, e terminações NH2 e COOH estão localizadas no citosol. O domínio COOH, altamente hidrofóbico, deve se encontrar em contato direto com a superfície interna da membrana plasmática. Uma propriedade especial da proteína responsável pelo transporte é a mudança de conformação que permite o fluxo de sódio para o interior somente após a ligação de uma molécula de glicose, de modo que o sódio e a glicose são transportados para o interior da célula simultaneamente. . Na porção inicial do túbulo proximal (S1), o tipo de transportador apical de glicose é o SGLT2, de alta capacidade e baixa afinidade, fazendo o cotransporte de 1 sódio/1 glicose. Na parte final do túbulo proximal (S2 e S3), o tipo de transportador é o SGLT1, de alta afinidade e baixa capacidade, o qual cotransporta 2 sódio/1 glicose.

A sódio-potássio-ATPase é um elemento chave no processo de reabsorção de glicose, pois sua atividade permite que a concentração intracelular de Na+ permaneça baixa, mantendo o gradiente eletroquímico para o movimento passivo de Na+ da luz tubular para a célula. Como o transporte de Na+ e glicose estão acoplados, esse gradiente de Na+ fornece a energia necessária para a entrada de glicose na célula, caracterizando o transporte tubular luminal de glicose como transporte ativo secundário.

  • Glucose transporter (GLUT)
Estrutura do transportador de glicose tipo 1 (GLUT1) humano.

Transportadores na membrana basal, que efetuam a difusão facilitada de glicose. Os GLUTs também apresentam 12 segmentos transmembrânicos hidrofóbicos, alguns formando alfas-hélices perpendiculares ao plano da membrana plasmática, que representam poros através dos quais a molécula de glicose pode cruzar a membrana. Esses domínios são conectados por segmentos hidrofílicos extra e intracelulares. As terminações NH2 e COOH são citoplasmáticas, uma grande alça de conexão é encontrada entre os segmentos S6-S7, e um potencial sítio de N-glicosilação é encontrado na alça extracelular de conexão entre S1-S2. Comparando as diferentes isoformas, as seqüências de aminoácidos são altamente conservadas nos segmentos transmembrânicos, sugerindo que esses domínios são responsáveis pela característica comum a todas, que é a capacidade de transportar glicose. A homologia diminui nas terminações NH2 e COOH, assim como nas alças de conexão entre os segmentos S1-S2 e S6-S7, sugerindo que esses domínios são responsáveis pelas especificidades de cada isoforma tais como características cinéticas, regulação hormonal, localização celular e imunogenicidade .

No segmento inicial, é expresso o GLUT tipo 2, de baixa afinidade pela glicose, enquanto no segmento final é expresso GLUT tipo 1, com alta afinidade. Nenhum destes transportadores tem atividade modulada pela insulina.

Filtração e Excreção[6][editar | editar código-fonte]

Fisiologia do néfron resumida.

Na fisiologia renal, tem-se que:

Como a glicose não é secretada, obtém-se:

Em concentrações normais de glicose no plasma, toda glicose que entra no néfron é reabsorvida, ou seja, a taxa de filtração da glicose pelo rim do plasma para dentro da cápsula de Bowman é proporcional à concentração de glicose plasmática. A reabsorção apresenta uma taxa de transporte máximo (Tm) quando os transportadores alcançam a saturação. Por esta razão, se as moléculas de glicose são filtradas mais rapidamente para dentro do túbulo do que os transportadores de glicose podem transportá-las, isto é, se os transportadores são saturados, parte da glicose resta no lúmen e é excretada na urina.

Doenças associadas[editar | editar código-fonte]

Nefropatia diabética[7][editar | editar código-fonte]

Lâmina histológica de um néfron glomeruloesclerótico.

A hiperglicemia derivada da deficiência na produção de insulina pelas células β-pancreáticas (Diabetes mellitus tipo 1) ou da resistência à ação da insulina (Diabetes mellitus tipo 2) induz ao aumento da atividade de ligação dos fatores transcricionais da família Hepatic Nuclear Factor (HNF-) 1α, 3β e 4α ao promotor do gene SLC2A2 (Solute Carrier 2A2), o gene que codifica GLUT2, resultando na maior expressão do transportador e no aumento do fluxo transepitelial de glicose. Isto determina uma concentração intersticial de glicose muito elevada, que induz as células mesangiais à maior produção de proteínas da matriz extracelular, causando a glomeruloesclerose, um dos sinais da nefropatia diabética.

Síndrome de Fanconi[7][editar | editar código-fonte]

Mutações no gene SLC2A2, comprometendo sua capacidade de transporte, são responsáveis pela síndrome de Fanconi, uma rara condição autossômica recessiva que determina hipertrofia hepática e renal associada a acúmulo de glicogênio. O deficiente efluxo de glicose, tanto do hepatócito como da célula tubular proximal renal, resulta em um dos sinais da doença, a hipoglicemia de jejum.

Glicosúria Renal Familiar do tipo A[4][editar | editar código-fonte]

Trata-se de uma doença de herança autossômica dominante com mutações de perda de função, dentre outros, no gene SLC2A2. A redução da reabsorção proximal de glicose leva à glicosúria característica, mas não se observa hiperglicemia, não havendo complicações na produção insulínica pancreática.

Medicamentos[editar | editar código-fonte]

Por possuir um papel imperativo no metabolismo de glicose do organismo, o rim tem despertado o interesse das indústrias farmacêuticas em torno de pesquisas para novas abordagens terapêuticas hipoglicemiantes.

Uma das classes de hipoglicemiantes orais para o tratamento do Diabetes Melitus tipo II é a de inibidores do co-transportador renal de sódio/glicose II (SGLT2). Sabe-se que essa doença caracteriza-se por hiperglicemia com níveis elevados de hemoglobina glicosilada A1c (HbA1c)[8]. A supressão da atividade dos SGLT2 no organismo inibe a reabsorção renal de glicose, aumentando a excreção do seu excesso no organismo e auxiliando na redução dos níveis plasmáticos de glicose independente da insulina ou das células beta. Além disso, a redução da carga de trabalho dos túbulos proximais faz com que esses fármacos atuem na melhoria da hipóxia tubulointersticial.[9] Portanto, os inibidores de SGLT2 representam uma nova classe de diuréticos hipoglicemiantes com um efeito renoprotetor.

Ademais, a terapia com inibidores de SGLT2 também está associada à perda de peso e à redução da pressão arterial (PA).[10] O mecanismo de redução da PA associada a esse inibidor ainda não está totalmente compreendido, mas acredita-se na sua relação com a diurese osmótica e natriurese. Tem sido analisada uma possível inibição local do sistema renina-angiotensina-aldosterona secundária a uma liberação aumentada de sódio para o aparelho justaglomerular durante a supressão de SGLT2.

Recentemente, a segurança dos inibidores de SGLT2 foi posta em questão pelas agências reguladoras. Segundo a Agência Europeia de Medicamentos (EMA), a classe medicamentosa está relacionada à possibilidade de cetoacidose, independente dos níveis de glicose no sangue. Com isso, na suspeita ou confirmação dessa reação adversa rara, o tratamento com supressores de SGLT2 deve ser interrompido imediatamente. Além disso, a EMA recomenda a suspensão temporáriado fármaco em doentes que serão submetidos a uma cirurgia de grande porte ou que se encontram no hospital devido a uma doença grave[11]

  1. Baynes, John W. (2011). Bioquímica Médica. Rio de Janeiro: Elsevier 
  2. Eugenio, Cersosimo, (1 de janeiro de 2004). «The importance of the kidney in the maintenance of glucose homeostasis: Theoretical and practical considerations regarding glycemic control in diabetic patients with renal insufficiency». Brazilian Journal of Nephrology. 26 (1). ISSN 2175-8239 
  3. Referências bibliográficas: - NELSON, D. L. & COX, M.M. 2002. Lehninger: Princípios de Bioquímica. 3ª edição. Editora Sarvier, São Paulo, SP, Brasil.
  4. a b Machado, Ubiratan Fabres (1 de dezembro de 1998). «Transportadores de glicose». Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia. 42 (6): 413–421. ISSN 0004-2730. doi:10.1590/S0004-27301998000600003 
  5. AIRES, Margarida M. Fisiologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991.
  6. SILVERTHORN, D. U. (2010) Fisiologia Humana – uma abordagem integrada(**), 5ª ed., Ed. Artmed, RS. ISBN 9788536322841
  7. a b SILVA, Aline David (2011). «O diabetes altera a expressão do RNAm do GLUT2 em fígado e rim: participação dos fatores transcricionais Hepatic Nuclear Factor - (HNF-) 1a, 3b e 4a.». Consultado em 3 de dezembro de 2016 
  8. Storgaard, Heidi; Lise L. (1 de janeiro de 2016). «Benefits and Harms of Sodium-Glucose Co-Transporter 2 Inhibitors in Patients with Type 2 Diabetes: A Systematic Review and Meta-Analysis». PloS One. 11 (11): e0166125. ISSN 1932-6203. PMID 27835680. doi:10.1371/journal.pone.0166125 
  9. Sano, Motoaki; Makoto (3 de dezembro de 2016). «Increased Hematocrit During Sodium-Glucose Cotransporter 2 Inhibitor Therapy Indicates Recovery of Tubulointerstitial Function in Diabetic Kidneys». Journal of Clinical Medicine Research. 8 (12): 844–847. ISSN 1918-3003. PMID 27829948. doi:10.14740/jocmr2760w 
  10. Reed, James W. (1 de janeiro de 2016). «Impact of sodium-glucose cotransporter 2 inhibitors on blood pressure». Vascular Health and Risk Management. 12: 393–405. ISSN 1178-2048. PMID 27822054. doi:10.2147/VHRM.S111991 
  11. «A EMA confirma as recomendações para minimização do risco de cetoacidose com inibidores do SGLT2 para a diabetes» (PDF). Consultado em 3 de dezembro de 2016