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Lugar de fala: diferenças entre revisões

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Outra perspectiva sobre o tema é fornecida pela pensadora e feminista negra [[Lélia Gonzalez]], quando esta questiona a hierarquização dos saberes como resultante da classificação racial da população. Ela reconhece a associação existente entre privilégio social e privilégio epistêmico. Em função dessa lógica, o pensamento ocidental teria se estruturado com base numa visão eurocêntrica, branca e patriarcal que se instaurou como dominante, excluindo outras experiências do conhecimento e regulamentando quem poderia ou não falar, quais vozes seriam ou não legitimadas. Outra contribuição da autora está em questionar a ausência de mulheres indígenas, negras e oriundas de países colonizados no feminismo hegemônico. Sua defesa era por um feminismo afrolatinoamericano.<ref>GONZALEZ, Lélia, A categoria cultural da amefricanidade. In '''Revista Tempo Brasileiro''', 92/93, 69/82, jan-jun, 1988, p.69-81.</ref> Sua obra também se destaca pela transgressão às normas da Gramática Tradicional e pela proposta de descolonização do conhecimento e recusa à neutralidade epistemológica.<ref>GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: '''Ciências sociais hoje''', v. 2, n. 1, p. 223-244, 1984.</ref>
Outra perspectiva sobre o tema é fornecida pela pensadora e feminista negra [[Lélia Gonzalez]], quando esta questiona a hierarquização dos saberes como resultante da classificação racial da população. Ela reconhece a associação existente entre privilégio social e privilégio epistêmico. Em função dessa lógica, o pensamento ocidental teria se estruturado com base numa visão eurocêntrica, branca e patriarcal que se instaurou como dominante, excluindo outras experiências do conhecimento e regulamentando quem poderia ou não falar, quais vozes seriam ou não legitimadas. Outra contribuição da autora está em questionar a ausência de mulheres indígenas, negras e oriundas de países colonizados no feminismo hegemônico. Sua defesa era por um feminismo afrolatinoamericano.<ref>GONZALEZ, Lélia, A categoria cultural da amefricanidade. In '''Revista Tempo Brasileiro''', 92/93, 69/82, jan-jun, 1988, p.69-81.</ref> Sua obra também se destaca pela transgressão às normas da Gramática Tradicional e pela proposta de descolonização do conhecimento e recusa à neutralidade epistemológica.<ref>GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: '''Ciências sociais hoje''', v. 2, n. 1, p. 223-244, 1984.</ref>

Assim como Lélia Gonzalez, a filósofa panamenha [[Linda Alcoff|Linda Martín Alcoff]] questiona a epistemologia dominante e aponta para a necessidade de que outros saberes, locais, sejam pensados e visibilizados: o de parteiras, povos originários, a escrita de si em primeira pessoa. Segundo ela, a descolonização do conhecimento passa pelo resgate e valorização das identidades sociais locais, pois entende que um debate amplo sobre projetos de sociedade precisa reconhecer e enfrentar a maneira como determinadas identidades se constroem no interior de uma lógica colonial.<ref>{{Citar periódico|ultimo=Alcoff|primeiro=Linda Martín|ultimo2=Alcoff|primeiro2=Linda Martín|data=2016-4|titulo=Uma epistemologia para a próxima revolução|url=http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0102-69922016000100129&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt|jornal=Sociedade e Estado|volume=31|numero=1|paginas=129–143|doi=10.1590/S0102-69922016000100007|issn=0102-6992}}</ref>


== Desdobramentos ==
== Desdobramentos ==

Revisão das 01h23min de 8 de dezembro de 2018

Em Filosofia e, igualmente, nos estudos sobre feminismo, lugar de fala consiste em uma releitura ou reformulação da feminist standpoint theory, ou teoria do ponto de vista feminista, concebido pela feminista negra norte-americana Patricia Hill Collins. Desse modo, é um conceito trabalhado, no Brasil, pela mestre em Filosofia Política pela Universidade Federal de São Paulo, Djamila Ribeiro, apresentado no livro de sua autoria intitulado "O que é lugar de fala?"[1].

Ambos os conceitos sistematizam reflexões sobre a interseccionalidade[2] existente entre as identidades sociais[3], considerando que uma mesma pessoa pode assumir diferentes posições de acordo com suas características e reconhecendo a relevância do cruzamento não hierárquico de categorias como gênero, raça, classe e geração.

Embora não negue o aspecto individual, o lugar de fala confere uma ênfase ao lugar social ocupado pelos sujeitos numa matriz de dominação e opressão, dentro das relações de poder, ou seja, às condições sociais (ou locus social) que autorizam ou negam o acesso de determinados grupos a lugares de cidadania. Trata-se, portanto, do reconhecimento do caráter coletivo que rege as oportunidades e constrangimentos que atravessam os sujeitos pertencentes a determinado grupo social e que sobrepõe o aspecto individualizado das experiências.

A desigualdade de oportunidades a que diferentes grupos são submetido perpassa, também, a maneira de conhecer, bem como a sistematização desses conhecimentos, ou seja, as epistemologias. "As experiências desses grupos localizados socialmente de forma hierarquizada e não humanizada faz com que as produções intelectuais, saberes e vozes sejam tratadas de modo igualmente subalternizado, além das condições sociais os manterem num lugar silenciado estruturalmente. Isso, de forma alguma, significa que esses grupos não criam ferramentas para enfrentar esses silêncios institucionais, ao contrário, existem várias formas de organização políticas, culturais e intelectuais. A questão é que essas condições sociais dificultam a visibilidade e a legitimidade dessas produções."[1]

Origens históricas

Uma breve retrospectiva histórica permite resgatar as reflexões propostas por feministas e intelectuais negras que resultaram na formulação atual do termo.[1]

Em 1851, no discurso que proferiu durante a Convenção dos Direitos da Mulher, na cidade de Akron, Ohio, nos Estados Unidos, Isabela Baumfree, também conhecida como Sojourner Thuth, mulher negra, que veio a se tornar abolicionista afro-americana, escritora e ativista dos direitos da mulher, dizia: "Aquele homem ali diz que é preciso ajudar as mulheres a subir numa carruagem, é preciso carregar elas enquanto atravessam um lamaçal e elas devem ocupar sempre os melhores lugares. Nunca ninguém me ajuda a subir numa carruagem, a passar por cima da lama ou me cede o melhor lugar! E não sou uma mulher?"[4] Com seu questionamento, ainda no século XIX, Thuth evidenciava um grande dilema do feminismo hegemônico: a universalização da categoria mulher.

Outra perspectiva sobre o tema é fornecida pela pensadora e feminista negra Lélia Gonzalez, quando esta questiona a hierarquização dos saberes como resultante da classificação racial da população. Ela reconhece a associação existente entre privilégio social e privilégio epistêmico. Em função dessa lógica, o pensamento ocidental teria se estruturado com base numa visão eurocêntrica, branca e patriarcal que se instaurou como dominante, excluindo outras experiências do conhecimento e regulamentando quem poderia ou não falar, quais vozes seriam ou não legitimadas. Outra contribuição da autora está em questionar a ausência de mulheres indígenas, negras e oriundas de países colonizados no feminismo hegemônico. Sua defesa era por um feminismo afrolatinoamericano.[5] Sua obra também se destaca pela transgressão às normas da Gramática Tradicional e pela proposta de descolonização do conhecimento e recusa à neutralidade epistemológica.[6]

Assim como Lélia Gonzalez, a filósofa panamenha Linda Martín Alcoff questiona a epistemologia dominante e aponta para a necessidade de que outros saberes, locais, sejam pensados e visibilizados: o de parteiras, povos originários, a escrita de si em primeira pessoa. Segundo ela, a descolonização do conhecimento passa pelo resgate e valorização das identidades sociais locais, pois entende que um debate amplo sobre projetos de sociedade precisa reconhecer e enfrentar a maneira como determinadas identidades se constroem no interior de uma lógica colonial.[7]

Desdobramentos

O conceito de Lugar de fala tem ocupado um lugar central nos debates promovidos pelos feminismos, sobretudo no que diz respeito ao Feminismo Negro e à intersecção entre as categorias gênero, raça e classe, visto que o lugar social que as mulheres negras sempre ocuparam foi historicamente invisibilizado , fazendo com que suas vozes, que há tanto tempo ecoavam, fossem silenciadas ou assumidas por outros sujeitos que ocupavam posições legitimadas.

O advento das novas tecnologias favoreceu a instrumentalização dos feminismos plurais a partir da mídia alternativa, mais precisamente, das redes sociais, como um espaço democrático de falas de si e por si (narrativas decoloniais), de discursos e contradiscursos, de legitimação e deslegitimação entre ativistas/ militantes desses movimentos. Nesse contexto, o lugar de fala ganha expressividade e notoriedade como mecanismo de representação social.

Ver também

Ligações externas

Referências

  1. a b c RIBEIRO, Djamila (2017). O que é lugar de fala?. Belo Horizonte: Letramento. 112 páginas 
  2. CRENSHAW, Kimberle. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. The University of Chicago Legal Forum. 140: 139–167.
  3. HALL, Stuart (2014). A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Lamparina. 64 páginas 
  4. SILVA, Américo Junior Nunes (2016). Educação e linguagens: tecendo novos olhares. São Paulo: Appris 
  5. GONZALEZ, Lélia, A categoria cultural da amefricanidade. In Revista Tempo Brasileiro, 92/93, 69/82, jan-jun, 1988, p.69-81.
  6. GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: Ciências sociais hoje, v. 2, n. 1, p. 223-244, 1984.
  7. Alcoff, Linda Martín; Alcoff, Linda Martín (abril de 2016). «Uma epistemologia para a próxima revolução». Sociedade e Estado. 31 (1): 129–143. ISSN 0102-6992. doi:10.1590/S0102-69922016000100007